Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As idéias de Murdoch, o Brucutu

Apenas uma curiosidade, nada mais do que uma curiosidade: a ruidosa manifestação de Rupert Murdoch na reunião da American Society of Newspaper Editors (13/4) anunciando o fim dos jornais e o triunfo da internet não tem qualquer valor como referência, reflexão, projeto ou contribuição. Não passa de um exercício de bonapartismo futurológico proclamado por um empresário cuja probidade e seriedade estão longe de serem aceitas.


A internet é extraordinária, mas os jornais não vão acabar, Mr. Murdoch. A humanidade jamais abre mão dos seus avanços e dos instrumentos que inventou para assegurá-los. Jornais estão mudando e vão mudar ainda mais, mas enquanto empresas editoras de jornais continuarem comandadas por tiranos simplórios como Murdoch evidentemente não conseguirão sair do atoleiro em que estão metidos.


Murdoch não gosta de ler, isto é óbvio. Não tem a compulsão de saber, isto salta à vista. Certamente não lê o seu próprio carro-chefe, o Times de Londres. Pela forma com que descreve editores e repórteres, tem ódio de quem consegue articular idéias. É evidente que detesta os profissionais que tentam contestá-lo e, por isso, faz esta estúpida afirmação contra os editores que ‘pensam com o deuses e pretendem dizer aos leitores o que é importante’ [leia, nesta edição, a íntegra de seu discurso, em inglês].


Impressos quentes


Murdoch não fez um vaticínio sereno, simplesmente manifestou seus ressentimentos, rancoroso wishfull-thinking. As tecnologias de informação não vão substituir o jornal diário porque sem ele a legião de atarantados que só usam a internet ficará ainda mais desnorteada, sem referências. Desprovidos de um mostrador, de uma estrutura – enfim, sem uma gestalt –, os trilhões de bites de informação que circulam na rede mundial de computadores valerão muito pouco.


O jornal é o elemento arrumador, o campo gravitacional, a estrutura que organiza os fatos e suas repercussões. Televisão e rádio não conseguirão fazê-lo com a mesma competência porque correm na dimensão temporal, impalpáveis, fugazes – mesmo quando gravados ou reproduzidos. Jornal é a vida estendida na dimensão espacial, concreta, visível, durável.


É primoroso o título da matéria da revista The Economist (edição de 21/4) que comentou a patuscada do empresário australiano – ‘Yesterday’s Papers’, jornais de ontem.


Este é o problema: os jornais, sobretudo os jornalões, são de ontem. Estão duplamente atrasados como forma e como conteúdo. Nada acrescentam ao que na véspera foi mostrado na TV, no rádio e mesmo na internet. Os únicos impressos quentes são os vespertinos. Murdoch não se referiu à nova safra de jornais do dia, feitos pela madrugada até o início da manhã, com notícias recém-acontecidas ou com as de ontem analisadas com o olhar do dia seguinte. Estes, jamais correrão riscos.


Simplismo niilista


Empresários como Murdoch existem em toda a parte, inclusive no Brasil. Não têm apetite nem competência para mudar os seus jornais ou revistas. Apostam no imponderável, no apocalipse, e embolsam os milhões dos incautos investidores. Imaginam-se na vanguarda mas estão no último pelotão da retaguarda.


Usam pesquisas para reforçar as respectivas inapetências, mas pesquisas não têm caráter, servem de reforço para qualquer tese. Basta saber manipulá-las. As crenças e descrenças de Rupert Murdoch têm o valor das profecias do futurólogo fracassado Hermann Kahn – meros arranjos numéricos, falsamente deterministas, ultrapassados pelos impulsos criadores e verdadeiramente inovadores.


O mundo dos diários e dos cotidianos, assim como o das revistas, precisa urgentemente de safanões providenciais. No lugar de reformas gráficas precisam de reformas nas mentalidades dos que os comandam. O simplismo niilista de gente como Murdoch não serve para tirar a mídia impressa do estado em que se encontra.


Murdoch não é um empresário moderno e revolucionário como pretende. É um homem de ontem vestido com os fulgurantes trajes de Flash Gordon. Quer parecer moderno mas é a quintessência do reacionarismo: um Brucutu.