’25/04/2005
Embora os jornais continuem empenhados em decifrar o enigma Ratzinger, o assunto deixou as manchetes dos jornais no final de semana. Folha e ‘Globo’ se voltam, no DOMINGO, para um problema cada vez mais grave, os planos de saúde:
Folha – ‘Governo vai socorrer planos de saúde’.
‘Globo’ – ‘Médicos fraudam planos de saúde reutilizando material’.
Não senti firmeza na manchete da Folha. Uma coisa é a preocupação do governo com a situação explosiva do setor. Outra, é a forma como pretende encarar o problema. A criação de linhas de créditos com recursos oficiais é uma ‘intenção’, uma vontade de parte do governo e não depende exclusivamente dele. Acho que a ‘intenção’ valia um registro no jornal e era um bom motivo (gancho, na linguagem jornalística) para uma reportagem de mais fôlego sobre os planos de saúde. Mas não sustenta uma manchete. O jornal reporta com mais cuidado outras ‘intenções’ do governo, como a vinculação de recursos para o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico, muito bem dada no Painel (A4).
Manchete do ‘Estado’: ‘Empresários pressionam por mais comércio com EUA’.
A cobertura intensíssima, pelas TVs, rádios, Internet e jornais, do resultado do conclave, anunciado terça-feira, parece ter envelhecido as revistas, que circularam na sexta e no sábado:
‘Veja’ – ‘A Igreja congelada’.
‘Época’ – ‘A Igreja se fecha’.
‘IstoÉ’ – ‘Papa Bento XVI’.
‘Carta Capital’ – ‘Miserere Nobis (Tende piedade de nós)’·
O interesse principal dos dois maiores jornais de São Paulo nesta SEGUNDA é com a operação de resgate do presidente deposto do Equador e sua chegada ao asilo brasileiro.
Folha – ‘Operação tira Gutiérrez do Equador’.
‘Estado’ – ‘Gutiérrez sai escondido do Equador e está no Brasil’.
O ‘JB’ tem informação além da operação de resgate – ‘Extradição ameaça ex-presidente’.
No ‘Globo’, manchete local: ‘Bandidos invadem faixa de rádio exclusiva da polícia’.
O ‘Valor’ mostra que mudou o humor na economia: ‘Ritmo de crescimento da importação começa a cair’, ‘Queda recorde nas captações no exterior’ e ‘Dólar põe direção da GM em ‘pânico’.
DOMINGO
A Folha tem vários investimentos jornalísticos bem sucedidos neste domingo.
Destaco:
– O envio de um repórter para Pacaraima (Roraima) para acompanhar de perto a crise que envolve o Estado desde a homologação da reserva Raposa/Serra do Sol (‘Homologação de reserva faz cidade de RR virar ‘chavista’, em Brasil, pág. A13).
– Os artigos (em Mundo) e o debate (Mais!) que continuam a se debruçar sobre o significado da eleição do novo papa e sobre suas idéias.
Observação: a Folha publicou, enfim, entrevista com o teólogo Leonardo Boff. Deve ter sido o último jornal a fazê-lo.
– O fim do setor da geral do Maracanã (‘Após 55 anos, Maracanã fecha a geral e fica menor’, capa de Esporte).
– A reportagem sobre a nova linguagem dos jovens influenciados pela Internet (‘Pq us jovens tc axim?’, em Cotidiano).
– A pesquisa e a análise feitas por Sérgio Dávila da cobertura jornalística do julgamento de Michael Jackson (‘Jackson é condenado (ao descaso da mídia)’ na Ilustrada).
Planos de saúde
Sempre que o governo tem uma idéia nova que exige gastos sem retorno lembra-se do BNDES e do Banco do Brasil. Para sentir a repercussão, lança a idéia nos jornais. Raramente estas idéias vingam. Mas os jornais as publicam como se fossem políticas de governo implantadas.
É o caso, hoje, das manchetes do jornal e do seu caderno Cotidiano. Embora o texto deixe claro que é ‘intenção’ do governo criar linhas de crédito com recursos do BNDES e do BB para socorrer as empresas de planos e seguros de saúde, o jornal trata como um fato: ‘Governo vai socorrer planos de saúde’. A manchete do caderno é ainda pior: ‘Governo Lula cria programa de apoio financeiro para os planos de saúde’ (Ed. SP) e ‘Lula cria socorro financeiro a plano de saúde’ (na Ed. Nacional).
Segundo o texto da Folha, a ‘intenção’ é criar duas linhas de crédito, originadas ‘a princípio de duas instituições estatais’ (BNDES e BB). O texto informa ainda que o BNDES desconhece a proposta. Mesmo assim o jornal é categórico: ‘Banco estatal elabora linhas de financiamento para aquisições e fusões de empresas’.
O assunto é importante. O fato de alguém no governo estar cogitando de socorrer os planos de saúde é notícia e deve estar no jornal. Mas não da forma como saiu na Folha.
Outro senão: o jornal poderia ter aproveitado o gancho jornalístico para uma reportagem aprofundada sobre o tema, o papel do governo nesta história, como tudo chegou a este ponto, o desmanche do sistema de saúde pública, enfim, poderia ter explorado vários aspectos, mas não o fez. A reportagem que segue, na página C3 da Ed. SP, também é um plano, um projeto, uma vontade, uma intenção: ‘Planejamento quer dar plano a servidor’.
Importância do BNDES na edição de domingo dos três maiores jornais:
Folha: ‘Governo vai socorrer planos de saúde’ (manchete do jornal e do caderno Cotidiano) e ‘BNDES reduz juro de empréstimos’ (‘Mercado Aberto’, em Dinheiro)
‘Estado’: ‘BNDES vai voltar a ser sócio de empresas’, entrevista com o vice-presidente Demian Fiocca.
‘Globo’: ‘BNDES vai reduzir os juros de financiamentos’.
SEGUNDA
O ‘Estado’ já trazia na edição de ontem, domingo, foto dos quatro policiais federais presos e vigiados por índios com arcos e flechas em Uiramutã (RR).
O jornal aproveita bem o espaço da ‘Entrevista da 2ª’ com uma análise sobre a crise no Equador e em outros países da América do Sul, embora o título ((‘É preciso ensinar novas elites latinas a governar, diz analista’) use de forma imprópria o termo ‘elites latinas’. A observação da diretora da Latinobarómetro se refere aos países do continente.
O jornal usa La Tacunga e Latacunga para se referir ao local perto de Quito onde o ex-presidente do Equador embarcou rumo ao Brasil.
A Folha tem um texto sobre os investimentos brasileiros no Equador (‘Empresas brasileiras têm fortes interesses comerciais no Equador’, pág. A9), mas não relata os contenciosos em curso e potenciais. Segundo o ‘Valor’, as empresas brasileiras como Petrobras e Ambev já enfrentam problemas e são previstas mais dificuldades para outras empresas que investem no país. O jornal também apenas registra o descontentamento do governo argentino, mas não explora o assunto.
Aviso
Participarei amanhã, em São Paulo, do programa com os trainees. Não será feita a Crítica Interna.
20/04/2005
As manchetes sobre o novo papa:
Folha – ‘Conservador, alemão é o novo papa, Bento 16’.
‘Estado’ – ‘Ratzinger, Bento XVI’.
‘Globo’ – ‘Ratzinger é Bento XVI’.
‘JB’: ‘Igreja se fecha na doutrina’.
‘Valor’: ‘Papa Bento XVI deverá conter Igreja no Brasil’.
‘O Dia’, do Rio, traduziu o significado do novo papa com quatro grandes NÃO para ‘camisinha’, ‘união gay’, ‘aborto’ e ‘clonagem’.
A capa do ‘Globo’ é monotemática. A da Folha, além do papa tem apenas duas chamadas, uma para o brasileiro ferido no Iraque. E o ‘Estado’ traz notícias negativas para o governo petista: ‘Popularidade do presidente cai seis pontos em três meses’, ‘Governo já prevê menor crescimento da economia’ e ‘União liberou verba de Serra no fim da gestão Marta’. Tem um destaque também para as Forças Armadas: ‘Militares pedem dinheiro. Lula oferece carinho’.
Papa
O jornal faz uma cobertura razoável da eleição do novo papa. Tem vários destaques positivos, como os textos enviados de Roma, o artigo do Marco Politi, o relato sobre a divisão da igreja alemã, as entrevistas com os padres França e Beozzo e com Juan Arias. O cardápio obrigatório está contemplado: factual, biografia, pensamento do novo papa, repercussões, análises. E ficou bonita a capa do caderno especial.
Onde acho que o jornal falhou foi em relação à igreja no Brasil. Primeiro, faltou história. Ratzinger foi provavelmente um dos personagens mais importantes para a igreja do Brasil e da América Latina nos últimos vinte anos. A história dele e do Boff merecia ter sido contada. Eles, que foram próximos e depois se enfrentaram, simbolizam o que foi a igreja neste período. Mas a Doutrina não atingiu apenas Boff. A passagem de Ratzinger pelo Rio em 90 deveria estar junto com este texto histórico. Deveria ter recuperado o sentido da visita, com quem esteve e o que disse então. O jornal não soube desenvolver e amarrar a história da influência de Ratzinger no Brasil e os percalços da igreja brasileira em duas décadas críticas.
E faltou também um texto que amarrasse o impacto que a eleição terá na igreja brasileira. As repercussões estão dispersas, não ajudam a entender de que forma as ‘igrejas’ brasileiras receberam o nome do novo papa e como se comportarão. A escolha de Ratzinger pode isolar ainda mais uma parte da igreja brasileira que se distanciou do Vaticano?
Isto exigia um texto informativo e analítico, que não houve. O texto ‘Escolha de Ratzinger decepciona liberais’ (pág. 11 da Ed. Nacional) poderia ter sido a base para esta prospecção jornalística. Mas ele desaparece na Edição SP e suas informações foram espalhadas.
É curioso, porque o jornal se preparou bem para a cobertura externa. Mas em relação ao Brasil, ficou aquém do que poderia e deveria ter feito.
Outro exemplo é o tratamento que deu ao teólogo Leonardo Boff. Não é possível que o maior jornal brasileiro não tenha uma entrevista exclusiva ou um artigo da principal vítima de Ratzinger. É ruim para o jornal, brasileiro, sair com uma entrevista com Boff, que mora no Brasil e está no Brasil, feita pela Ansa italiana. ‘Estado’ e ‘Globo’ entrevistaram o teólogo. É incompreensível que a Folha não o tenha feito.
Senti falta também de mais informações sobre as decepções e reações negativas provocadas pela eleição do novo papa na Igreja Católica.
Detalhes:
A reportagem ‘Alemães se dividem sobre Ratzinger’ (pág. 5) tem o mérito de expor e explicar as divergências que dividem a igreja alemã, mas não informa como a jornalista, que escreve de Heidelberg, pôde ouvir três alemães que estavam na praça São Pedro, em Roma.
O texto ‘Conservadorismo nunca foi dissimulado’ (pág. 6) informa que a homilia do cardeal Ratzinger foi realizada na semana passada. Está errado, foi segunda-feira.
Ainda é cedo para saber o que aconteceu no conclave e como votaram os cardeais nas quatro rodadas. Mas a Folha traz duas informações que não batem: segundo o vigário-geral de São Paulo teria ouvido de d. Cláudio Hummes, a eleição foi um ‘consenso’, ‘praticamente uma unanimidade’; segundo o jornal reproduz do site do ‘NYT’, teria havido forte oposição ao nome de Ratzinger, mas não havia um nome alternativo. É possível que as informações comecem a vazar nos próximos dias.
O morro do Turano fica no Rio Comprido, e não na Tijuca, como está no texto ‘Novo pontífice visitou o Rio em 1990 e fez palestra para cardeais’ (pág. 11).
Acho que o título ‘Bento 16 não dialogará com as ‘demandas modernas’ não corresponde exatamente à idéia principal do artigo de Luiz Felipe Pondé (pág. 13).
O jornal se fixou numa explicação para a escolha do nome do novo papa, a de que teria sido inspirada em São Bento. Li interpretações diversas sobre a escolha, e até o próprio papa se manifestar todas as hipóteses são possíveis. Mas de qualquer forma ficou faltando no jornal um pouco de história dos papas. Quem foram estes 15 Bentos que precederam Ratzinger no comando da igreja? Quem foi Bento 15, o mais próximo? Quem foram os outros papas alemães? Ele não terá sido o primeiro papa da história que antes de ser eleito dirigiu a Congregação para a Doutrina da Fé ou o Santo Ofício? Faltou história.
‘Painel do Leitor’
A Folha publicou dia 18 reportagem que informa que a Prefeitura de São Paulo contratou uma empresa de obras que já pertenceu a um secretário municipal. É um assunto mais do que pertinente. A Prefeitura, no entanto, informa que não há contrato assinado com a empresa e que ela, Prefeitura, recorreu de decisão judicial que beneficia tal empresa. A meu ver, as informações que o secretário municipal presta na edição de hoje não deveriam estar no ‘Painel do Leitor’ (carta ‘Prefeitura’, pág. A3), mas em ‘Cotidiano’, onde a reportagem foi inicialmente publicada. O secretário não comenta a reportagem, mas a contesta com informações que podem invalidar a reportagem. Não estou dizendo que invalidam porque não tenho todas as informações sobre o caso.
Insisto que o jornal deveria tratar casos como este como notícia, e não como carta de leitor.
Outro ponto: a resposta do jornalista não esclarece um ponto importante: a empresa foi contratada ou não? Pelo que entendi, uma coisa é ela ser declarada judicialmente vencedora da licitação, a outra é ter sido contratada.
Sugiro que este caso tenha desdobramento jornalístico.
A carta do secretário do prefeito ocupou quase uma coluna inteira do ‘Painel do Leitor’ no dia em que o jornal deveria dar espaço para os leitores comentarem a eleição do novo papa.
19/04/2005
As manchetes:
Folha – ‘Cardeais não conseguem eleger papa na 1ª votação’.
‘Estado’ – ‘Lula faz defesa de Jucá’.
‘Globo’ – ‘Cardeal pressiona conclave a evitar reformas na Igreja’.
Papa
O comentário que escrevi cedo já não tem importância diante do anúncio do novo papa. Mas como foi a minha avaliação quando li a manchete da Folha de hoje, fica o registro:
A homilia do cardeal Ratzinger antes do conclave, na qual ataca o relativismo religioso e defende um catolicismo fundamentalista, é mais importante como referência para se analisar a escolha do novo papa do que a primeira votação frustrada. Ninguém esperava que o papa saísse no primeiro dia. Seria notícia de fato se isso tivesse acontecido. Além disso, todas as TVs, rádios e Internet já haviam noticiado a fumaça preta no meio da tarde (horário Brasília). A Folha poderia ter combinado uma manchete com as duas informações, o discurso de Ratzinger e a fumaça preta. Só a informação da fumaça envelheceu a manchete.
Brasil
Desde ontem o ‘Estado’ associa o lançamento de uma candidatura alternativa à presidência do PT à substituição do embaixador brasileiro em Cuba, Tilden Santiago.
O relato, na Edição Nacional da Folha, da homenagem que Lula recebeu no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo (‘Lula critica excesso de pressão em Brasília’, pág. A6) há o uso impróprio da palavra ‘tia’: ‘Após homenagear vários sindicalistas e funcionários do sindicato, como a tia da cantina, Luiza Maria de Farias…’. Tia virou sinônimo de funcionária ou ela é realmente tia do Lula?
A repercussão da reportagem do ‘Fantástico’ sobre a morte de Tancredo Neves foi mal dada na Edição Nacional (‘Aécio critica polêmica sobre morte do avô’, nota na pág. A6). Pelo interesse que o assunto desperta, o jornal deveria reproduzir amanhã parte do que publicou hoje apenas na Edição SP (‘Aécio critica nova versão sobre morte de Tancredo’ e ‘Evolução da medicina permitiu uma nova interpretação, diz especialista’, pág. A8).
A Folha informa que 22 sem-terra foram presos no Pará por porte de arma (pág. A9 da Ed. Nacional e A6 da Ed. SP). Não informa, no entanto, que armas foram encontradas com eles. Não é uma informação relevante, já que é a causa da prisão?
Segundo o ‘Estado’, foram 24 sem-terra, e não 22 como informa a Folha. Um dos dois errou.
Na Edição Nacional, a informação de que 200 índios tupinambás invadiram a Funasa em Ilhéus para reivindicar atendimento médico está na página A9 junto com o noticiário sobre os sem-terra e distante do noticiário sobre a manifestação de índios em BSB sobre o mesmo problema (pág. A8).
Sociedade
A Folha chama o Santo Daime e a União do Vegetal de seitas (‘Brasil permite uso da bebida em cerimônias’, pág. A12), quando o ‘Manual’ recomenda que o termo seja evitado ‘por ter se revestido de caráter pejorativo’. Recomenda ainda que se prefira ‘movimento religioso’.
Cotidiano
Não encontrei no ‘Aurélio’ nem no ‘Houaiss’ o significado para o termo ‘valet’ usado pela Folha na reportagem ‘Manobristas desrespeitam a lei na Vilaboim’ (pág. C4 da Ed. SP).’