O governo federal conseguiu ganhar pontos junto à opinião pública ao apoiar a retirada de não-índios da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima. Com isso, está conseguindo também esconder debaixo do tapete o retrocesso de seu PAC (Programa de Ação de Crescimento) para a política indigenista.
Não tem havido na imprensa praticamente espaço algum para as críticas que têm sido feitas por diversas entidades indigenistas desde meados de 2007, quando foram anunciadas as ações do ‘PAC índio’. O assunto só veio temporariamente à tona por meio das declarações do relator James Anaya, das Nações Unidas, que em sua visita ao Brasil, em agosto, ressaltou que esse programa governamental não leva em conta as particularidades dos povos indígenas e prevê ações de cunho paternalista em relação a eles.
As críticas do observador da ONU são compatíveis com dois pontos essenciais: 1) o índio só sobrevive em sua própria cultura; e 2) a sociedade brasileira não apresenta condições de integrá-lo. Essas são as duas premissas que nortearam a política dos irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Bôas, que veio a se tornar a política indigenista oficial do governo.
Integracionismo não vingou
Não há notícia de grupos indígenas integrados à nossa sociedade. Todas as vezes que se tentou fazer isso, eles foram sub-integrados, ou melhor, marginalizados. A proposta dos Villas Bôas foi o contraponto dessa concepção integracionista. Os parques e reservas indígenas sempre tiveram como função servir de ‘refúgio’ às populações indígenas pressionadas pelas frentes de penetração, que trazem a desagregação tribal e a disputa pela terra.
Apesar do longo histórico de proteção ao índio pelo marechal Rondon e com a implantação da política dos Villas Bôas – consolidada com a criação do Parque Indígena do Xingu, em 1961 –, surgiu outro modelo de política indigenista a partir de 1970. Desenvolvido com estreita vinculação às estratégias do governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), ele propunha a rápida integração do índio não só à sociedade, mas também à economia brasileira. O índio começava a ser visto como um entrave ao desenvolvimento e à segurança nacional.
Foi nesse período que a Funai (Fundação Nacional do Índio) passou a orientar suas ações em consonância com o Plano de Integração Nacional, o PIN. Com isso, as diretrizes da Funai passaram a ser duas: integrar o índio o mais rápido possível à economia de mercado e impedi-lo de se tornar um obstáculo à ocupação da Amazônia. Era o período do ‘milagre econômico’.
A política do governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) em relação ao índio não foi diferente. Ela visava a integrar e emancipar rapidamente o índio, promovendo, inclusive, a implantação de projetos de desenvolvimento econômico em suas terras.
Essa orientação integracionista não vingou, pelo menos oficialmente. As grandes demarcações de reservas indígenas consagraram a política dos Villas Bôas e já chegam a 12,49% do território nacional.
Atividades mineradoras
As siglas mudaram: o PIN (Plano de Integração Nacional) do governo Médici já não existe mais, no entanto surgiu o PAC, divulgado pelo atual presidente da República como ‘mola propulsora do milagre do crescimento brasileiro até o ano de 2010’. E, com esse novo ‘milagre’, o índio volta a ser visto como entrave ao desenvolvimento nacional.
É verdade que o governo federal, hoje, não prega a política integracionista. Ela seria desastrosa para sua imagem pública. Mas sua concepção indigenista praticamente não difere daquela dos anos 70. Publicamente, defende-se o índio. Na prática, desenvolvem-se planos nos quais a perda dos padrões culturais indígenas e a conseqüente desagregação de sua organização social atendem melhor a essa segunda versão do ‘milagre’.
Dois aspectos que freqüentemente estão na mídia servem bem para ilustrar a orientação do governo em relação à questão indígena: mineração e hidrelétricas.
Oito meses após a instalação da Comissão Especial para analisar o projeto de lei sobre a mineração em terras indígenas, o deputado Eduardo Valverde (PT/RO), curiosamente presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, apresentou um substitutivo com base na proposta do Executivo: a proposta prevê autorização do Legislativo para atividades mineradoras em terras indígenas mesmo no caso de recomendação contrária de laudos técnicos.
História se repete
Infelizmente, o Plano de Aceleração do Crescimento prefere ignorar os tristes exemplos parecidos ocorridos nas décadas de 1970 e 1980. A usina hidrelétrica de Balbina, ao norte de Manaus (AM), por exemplo, que resultou em um desnível de água pífio em relação à enorme área inundada e mal conseguiu suprir as necessidades energéticas da região, desalojou a reserva indígena Waimiri-Atroari e impôs grandes impactos para a fauna e a flora em torno do rio Uatumã.
Esse filme se repete com o projeto da usina de Belo Monte, no rio Xingu, e com critérios sócio-ambientais decisivos que só se referem à criação de oportunidades econômicas no entorno da barragem.
Em tempos de PAC, o recado de Orlando Villas Bôas para o governo federal seria algo como aquilo que ele já dizia na década de 1970: ‘Não se mede a grandeza de um país unicamente pelo nível de renda per capita, nem pelo PNB. Mas, sobretudo, pela capacidade de preservar suas raízes, de conter a variedade dentro da unidade, de atender com justiça aos diferentes grupos que o constituem.’
Integrar o índio é destruí-lo. Cada vez que pretendemos fazê-lo, extingue-se a tribo, a cultura, a língua, o mundo mítico, a organização social e tribal e, por conseqüência, a justificativa da manutenção de suas terras. Era isso o que pretendia a orientação integracionista de Médici e Geisel, mas que só o governo do PAC tem conseguido fazer com assustadora eficácia.
Para um governo cuja origem política remonta ao ideário socialista, vale lembrar a famosa frase de Karl Marx, em seu livro O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, segundo a qual os fatos se repetem na História, sendo na primeira vez como tragédia e, na segunda, como farsa. Infelizmente, no que concerne à política indigenista e a outras áreas de atuação, esse paradoxo não tem chegado à opinião pública.
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Respectivamente, ambientalista, advogado e deputado federal pelo PSDB-SP. Foi eleito vereador em 1982 e quatro vezes deputado estadual, em 1995 se tornou presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp). Em 1999, assumiu a Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Hoje é Presidente da Comissão Mista Especial de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional e Vice-Presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados. Entre seus principais projetos na área, destacam-se a Política Estadual do Meio Ambiente, o Projeto São Paulo Pomar e o Código Estadual de Proteção aos Animais (Lei 11.977); e advogado, bacharel em filosofia e indigenista