Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Recebo telefonema de uma leitora pedindo para que eu veja a nota ‘Merecido repouso’, na coluna De A a Z, assinada por Luís Carlos Martins no suplemento dominical People (4/3), a qual diz o seguinte: ‘O governador Cid Gomes passou o Carnaval em San Martin, no Caribe venezuelano. Foi de jatinho, que ficou esperando uma semana por ele. Como ninguém é de ferro, Cid, a mulher, mais um casal amigo, foram ligeiramente a Miami’. Depois, ela me pede para voltar à edição de 17/2, na editoria Política, que anuncia: ‘Governador viaja para os EUA’ (pág. 18), com o seguinte texto: ‘Durante os dias de carnaval, o governador Cid Gomes (PSB) vai se reunir com representantes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington, nos Estados Unidos. A intenção é aumentar investimentos do banco no Estado e discutir financiamentos para projetos já em execução (…). Desde ontem (16/2) e até quinta-feira (22/2), o governador do Ceará em exercício é o vice Francisco Pinheiro (PT). A ida aos Estados Unidos é a primeira viagem internacional do governador depois que ele recebeu autorização prévia da assembléia Legislativa para se ausentar do país’. A atenta leitora é a professora Adelaide Gonçalves, do curso de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), questionando o porquê de o jornal ter publicado duas informações contraditórias.

Repassei a pergunta à editoria de Política, tendo esta mandado a seguinte resposta, nesta sexta-feira, por meio do editor-executivo Guálter George: ‘(Depois do questionamento do ombudsman) a editoria pautou o assunto, deu início à apuração e colocou no seu planejamento a publicação de matéria relacionada à divergência de informação sobre a viagem do governador. Já ouvimos a assessoria de imprensa do governo, que nos apresentou a agenda cumprida por Cid Gomes. Pretendemos fazer uma angulação mais ampla, dando o peso que merece a falta de informações oficiais mais claras acerca do roteiro da viagem. A nossa compreensão, porém, é que há muito mais a discutir, o que exigirá mais tempo de apuração. Por exemplo, pode ser a primeira razão objetiva para questionamento do ´cheque em branco` dado pela Assembléia ao governador, até dezembro deste ano, para os seus deslocamentos ao exterior’. O ‘cheque em branco’ referido é a autorização antecipada, concedida pela Assembléia Legislativa, para que o governador não precise pedi-la a cada viagem ao exterior, exigência da Constituição do Ceará.

Luiz Viana, porta-voz e coordenador de Comunicação do governo do Estado, reconhece que o governador esteve dois dias em San Martin, antes de desembarcar nos Estados Unidos para compromissos oficiais. Segundo ele, o governador ‘desmembrou’ a passagem de um vôo comercial e pagou as despesas adicionais, incluindo a hospedagem no Caribe venezuelano, de seu próprio bolso. Pergunto-lhe por que essa informação não foi repassada aos jornais. O porta-voz responde não ter divulgado a agenda do governador ‘proativamente’, tendo respondido ‘reativamente’ à demanda da imprensa querendo saber onde o governador passaria os dias de Carnaval. Ele se exime da ‘interpretação’ propagada dando conta que Cid Gomes passaria todos os dias do período trabalhando.

Perguntei, por que a informação sobre a escala do governador em San Martin fora omitida. Viana nega ter havido omissão. ‘Simplesmente nunca foi questionado se o governador aproveitaria os dias para também descansar’. Ele acrescenta que, caso a pergunta tivesse sido feita, ele responderia: ‘Provavelmente sim, talvez, como ele vai para os Estados Unidos, pode passar em uma cidade ou outra…’

Avisando ser uma ‘opinião pessoal’, Viana propõe um debate sobre os critérios que devem nortear a divulgação das atividades do governador. Para ele, ‘o limite é a vida privada’. Dá exemplos: ‘Se ele estiver almoçando com a mãe dele, se for com a esposa ao médico ou comparecer à escola do filho, não vou divulgar à imprensa, pois acho que ele tem o direito de preservar a vida pessoal’.

Sobre a nota da coluna De A a Z, Luiz Viana diz que ela erra ao dizer que o governador viajou de jatinho; que teria passado todo o período carnavalesco descansando; e que teria ido a Miami. ‘O colunista (Luís Carlos Martins) escreve que ele foi de jatinho, como se tivesse usado o avião do governo; o governo não tem jatinho, aluga aeronaves em contrato que vem desde a gestão anterior’, afirma. Para ele, Luís Carlos Martins não cumpriu um ‘requisito básico’ do jornalismo, que é ‘checar’ a informação. E reclama que o colunista deveria tê-lo procurado para obter esclarecimento sobre o assunto.

O colunista Luís Carlos Martins reconhece ter-se equivocado quanto a Miami, pois Cid Gomes não esteve lá, mas confirma o seguinte: a) o governador viajou em jatinho da TAF (a empresa que mantém contrato com o governo do Estado) até San Martin; b) como a aeronave não tinha autorização para entrar nos Estados Unidos, o governador teria usado outro meio de transporte para seguir viagem até Washington, que ele não sabe qual foi; c) o jatinho da TAF ficou esperando em San Martin até o governador voltar da capital americana.

Mérito

Parti de um fato concreto para escrever a coluna – O Povo publicou duas informações conflitantes sobre um mesmo assunto. O porta-voz do governo acrescentou novos dados; o mesmo tendo feito o colunista Luís Carlos Martins. Portanto, antes de mais esclarecimentos, seria inadequado entrar no mérito da questão, por isso o jornal deve continuar investigando para oferecer a verdade aos leitores.

Acrescente-se que a editoria de Política aceitou como boas informações oficiais da Coordenadoria de Comunicações do governo, sem confirmá-las. Aqui, um desconto deve ser dado: é de praxe, em qualquer jornal, dar crédito a fontes oficiais para informações aparentemente simples – como a agenda de uma autoridade, por exemplo. Sem isso, fica difícil criar um ambiente em que haja um mínimo de confiança entre jornalistas e fontes, essencial para o trabalho de ambos. Em desfavor, anote-se que a matéria listou importantes tarefas que o governador cumpriria em Washington, e depois não voltou a falar no assunto.’