O portal UOL publicou, em 2 de outubro, dois artigos apócrifos que atacam a honra e imputam práticas criminosas a um candidato que concorre à prefeitura de São Bernardo do Campo (SP). No trecho a seguir, preferi suprimir passagens que identificariam de pronto o candidato atacado:
‘Às vésperas do primeiro turno das eleições municipais, panfletos apócrifos estão sendo distribuídos e apreendidos em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. O material ataca [o candidato `tal´] (…). As correspondências apresentam como remetente o próprio parlamentar e o acusam de enfrentar processos por crime ambiental e agressão à ex-mulher.’
Amplificação do delito
A reportagem também reproduziu os panfletos acusatórios. Eis o primeiro, em que qualquer leitor pode ler, sem esforço (ocultei, uma vez mais, o nome do candidato, que chamarei de Fulano de Tal):
‘Ficha suja 2
Fulano de Tal
agride o Meio AmbienteFulano de Tal põe fogo em 5 milhões de m2 em floresta protegida ambientalmente por lei’
No segundo, pode-se ler:
‘Fulano de Tal bate em mulher
Motivo:
Fulano de Tal bateu na ex-companheira Sicrana de Tal
O pior: ela estava grávida de seu filho!
Sicrana, após ser agredida por Fulano de Tal, caiu da escada, quebrou a perna e foi socorrida por uma amiga.
Ação na Justiça para tomar o filho dela’
Um erro capital
A ênfase da reportagem do UOL permite supor que nada mais se buscou senão informar o público sobre a baixaria na eleição em São Bernardo, como se depreende da leitura do trecho abaixo:
‘No último domingo (28), foi realizada uma reunião com o juiz eleitoral da 296ª sessão eleitoral, Wagner Roby Gidaro. No encontro compareceram as lideranças do PT, PSBD e PPS, siglas que polarizam no pleito do município. `Fizemos um acordo de prosseguir com uma campanha limpa, sem publicar esse tipo de material´, informou Salatiel. No entanto, desde segunda-feira (29/8) moradores do bairro voltaram a receber panfletos, que não têm o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) da gráfica, nem do candidato responsável pela confecção, o que caracteriza o material como ilegal. (…) Desde o início da campanha eleitoral, São Bernardo apresenta uma das disputas mais acirradas do ABC. O episódio dos panfletos é apenas mais um envolvendo polêmica entre os prefeituráveis do município…’
Ainda que a intenção tenha sido a de informar, por interesse jornalístico, repórter e editor acabaram por incorrer em um erro capital, ao reproduzir as acusações – antes, fenômenos com implicações regionais, localizadas; agora, na web, mundiais.
Peças criminosas
Ao menos três conseqüências podem ser deduzidas da ação da equipe do UOL:
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O risco de os jornalistas do portal terem de responder na Justiça por co-autoria de crimes cometidos contra a honra (artigos 138 a 140 do Código Penal);**
Ao disseminar-se a baixaria, atentou-se contra a reputação. Se os jornalistas julgassem salutar alertar os eleitores, deveriam ter investigado as denúncias em um esforço de reportagem, mas preferiram reproduzir acusações gravíssimas e formalmente criminosas (porque, no mínimo, difamatórias), praticadas por adversários do acusado cujos interesses estariam à distância de ser – para usar uma expressão da moda – `republicanos´…;**
A reportagem exerceu uma influência prejudicial à democracia, mais precisamente à eleição em São Bernardo, por instilar, sem provar a veracidade dos fatos apresentados, a dúvida naqueles que estariam propensos a votar no candidato atacado. O problema, insisto, é que essa incerteza não nasceu da apuração jornalística, mas da reprodução de duas peças difamatórias e, portanto, criminosas.É como reza o adágio: ‘De bem-intencionados o inferno está cheio‘.
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Jornalista