Todo jornalista aprende na faculdade de comunicação ou no dia-a-dia das boas redações que, em momentos de crise, os títulos e enunciados das reportagens e artigos devem ser produzidos com cautela extremada.
O cuidado se deve à responsabilidade ética da imprensa de evitar o pânico coletivo e o estado que costumava ser chamado de ‘comoção social’.
Então, para evitar a tal ‘comoção social’, o jornalismo se obriga a trabalhar a notícia de modo a esclarecer as situações ambíguas que afetam a opinião do público e não contribuir para atos coletivos de irracionalidade.
Pois na segunda-feira alguns sites jornalísticos beiraram a irresponsabilidade.
No final da tarde, às 17h47, depois que o ministro da Fazenda Guido Mantega e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, haviam anunciado o pacote de recursos contra a crise, o blog Radar Online, da revista Veja, anunciou que os grandes bancos brasileiros haviam suspendido ‘toda e qualquer operação de crédito pessoal ou financiamento’.
Logo abaixo, a nota esclarecia que a razão não era a falta de liquidez, mas a falta de definição sobre quanto cobrar de juros.
Outra notinha, logo abaixo, informava que o Banco Panamericano havia deixado de operar com crédito consignado desde a semana anterior (ver aqui).
Informação descuidada
Às 19h58, a seção de últimas notícias do UOL reproduzia a nota do Radar Online, com o título: ‘Bancos suspendem crédito pessoal e financiamento, diz Lauro Jardim, na Veja Online’ (ver aqui). Pouco depois, às 20h24, o site da própria Editora Abril anunciava no título: ‘Grandes bancos suspendem empréstimos’.
A notícia ainda foi atualizada às 22h18 com o mesmo teor, ou seja, os editores tiveram tempo suficiente para refletir sobre os efeitos possíveis de sua escolha.
E continuaram no tom alarmista.
Se o fato tivesse sido apresentado dessa forma no horário de funcionamento dos bancos, a reação dos correntistas poderia ser desastrosa.
Numa primeira olhada, sem qualquer dúvida muitos leitores tenderiam a interpretar a notícia como a chegada da crise às suas contas bancárias.
Os riscos da informação composta com tão pouco cuidado eram evidentes.
Tão evidentes que fica difícil imaginar que se tratou apenas de irresponsabilidade.
***
Escândalo abafado
Teve pouca repercussão o escândalo financeiro envolvendo a empresa Sadia.
Na terça-feira (7/10) os jornais noticiam a volta do ex-ministro Luiz Fernando Furlan à presidência da companhia, que teve perdas de 760 milhões de reais por conta de operações de alto risco e supostamente ilegais.
Interessante notar que apenas a Gazeta Mercantil trata o assunto como ‘escândalo financeiro’.
Pela leitura dos jornais em geral, o público é levado a acreditar que a empresa foi vítima da crise financeira global e que o presidente e o conselho de administração não sabiam das operações que provocaram o rombo no caixa e a perda de valor das ações.
Seria resultado da alta qualificação da assessoria de imprensa da Sadia, ou omissão dos jornais?
Leia também
O desafio do equilíbrio na cobertura da crise – Rolf Kuntz