Não é de hoje que os jornalistas têm dificuldade no confronto direto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Bem antes de se tornar presidente da República, Lula já costumava desarmar os espíritos com suas tiradas desconcertantemente simplistas e suas metáforas populares. Já em sua primeira entrevista como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, em 1975, Lula simplesmente aproveitou as perguntas dos jornalistas e fez seu discurso sobre a conquista da autonomia sindical, seu tema central naquela época.
Em muitos dos seus encontros com a imprensa ao longo da carreira, o que se viu foi a insistência dos entrevistadores em obter a concordância de Lula com as teses trazidas da pauta – e na realidade o que ocorria eram longas perguntas seguidas por respostas que nem sempre tinham correlação com o tema de interesse do jornalista.
Enquanto esteve fora do poder, Lula também contou quase sempre com certa cumplicidade de grande parte dos seus entrevistadores, exceto nas ocasiões em que, convidado pelas direções dos jornais, teve de se submeter a encontros mais formais. Foram essas as poucas ocasiões em que perdeu o controle, como em julho de 2002, quando interrompeu abruptamente uma entrevista-almoço na sede da Folha de S. Paulo, irritado com uma pergunta de Otavio Frias Filho, diretor de redação do jornal, sobre como ele se havia preparado intelectualmente para ocupar a Presidência da República.
Paz e amor
Trinta anos depois de iniciar a carreira sindical que o conduziu ao Planalto, o que se viu em Brasília na sexta-feira (29/4) passada foi o mesmo Lula seguro de si e à vontade diante de alguns jornalistas aparentemente encabulados, provavelmente desarmados pelo tom pessoal com que o presidente os tratou. Mesmo os profissionais veteranos que ensaiaram um tom mais crítico e tentaram pular as regras da entrevista coletiva buscando a réplica foram batidos pela capacidade do presidente de esticar os assuntos com metáforas e lugares-comuns.
Mesmo não tendo sido, a rigor, a primeira entrevista coletiva do presidente – ele já havia se encontrado, em 2003, com dez jornalistas durante almoço em Brasília –, essa foi uma oportunidade rara para um encontro formal, com regras definidas que permitiriam igualdade de condições entre os principais veículos credenciados junto ao governo.
Esperava-se dos profissionais destacados para o evento que entrassem mais fundo em questões que poderiam ajudar a sociedade a melhor avaliar o atual governo. Mas pouco se produziu de relevante.
A permanência quase exclusiva nos temas econômicos, com escorregões para a repercussão de uma frase já mastigada e digerida sobre o suposto conformismo dos cidadãos com os juros altos, com certeza ajudou o presidente a manter o controle e transitar tranqüilamente pela fila de entrevistadores, sem demonstrar insegurança e sem ter que abrir mão de seu estilo coloquial.
Faltou mais preparo aos jornalistas? Pela média de tempo na estrada, difícil imaginar que os entrevistadores não tivessem questões mais instigantes a endereçar à autoridade maior do país. O mais provável é que, escalados para um confronto e preparados para arrancar afirmações polêmicas, os profissionais da imprensa tenham ficado sem armas diante do renascimento do Lula afável, aquele ‘Lulinha paz e amor’ que se antecipa no reconhecimento de suas limitações e parece ter aprendido a lidar com as impossibilidades da vida real.
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Jornalista