Como um governo que se diz da inclusão digital convida emissoras de televisão e de rádio, jornais, revistas e agências de notícias a participar da primeira entrevista coletiva do presidente da República, mas exclui a internet?
A Presidência levou exatos 850 dias para receber formalmente a imprensa brasileira. Não se pode dizer que tenha sido um ato impulsivo. Pelas informações divulgadas às vésperas do evento, houve um intensivo processo de preparação por parte do presidente – que convocou, entre outros assessores, até o publicitário Duda Mendonça para orientá-lo.
O staff presidencial preparou uma lista de temas ‘espinhosos’ que poderiam surgir durante a entrevista e reuniu dados para que Lula pudesse rebater todos eles, sem embaraço. Havia nitidamente a preocupação de blindar a coletiva para evitar os tropeços tão freqüentes em aparições públicas – afinal, estamos diante de um presidente que é chegado ao improviso.
Essa característica de líder sindical que discursava na frente das fábricas durante manifestações trabalhistas de décadas atrás já rendeu a Lula numerosas gafes, como a proferida na África: ‘Quem chega a Windhoek não parece que está em um país africano. Poucas cidades do mundo são tão limpas, tão bonitas arquitetonicamente e têm um povo tão extraordinário como tem essa cidade’, disse, durante visita à Namíbia. Ou a mais recente e polêmica declaração em que pedia que os brasileiros ‘levantassem o traseiro’ contra as altas taxas de juros em vigor no país.
Presença ‘virtual’
A prática de conceder entrevistas coletivas regulares já está incorporada à rotina da maioria dos governos democráticos. Aqui, o governo precisou de dois anos e meio para tomar a iniciativa e a cercou de tanta pompa e circunstância que o resultado foi pouco ou quase nada ‘jornalístico’. O encontro não gerou notícia a não ser pelo fato de a entrevista finalmente ter acontecido. Parecia que o presidente, assessores e jornalistas convidados seguiam um roteiro predeterminado, no qual não havia espaço para imprevistos.
Aparentemente só o presidente saiu do script: dispensou o discurso de abertura e foi direto para o formato de perguntas e respostas, sem direito a réplicas. A situação toda estava sob controle a ponto de a palavra ‘traseiro’ nem ter sido mencionada – como bem lembrou o blogueiro Ricardo Noblat, do iG.
Como foram tantos os cuidados que cercaram a primeira entrevista coletiva formal do presidente Lula, é no mínimo surpreendente que a Presidência tenha cometido o deslize de privar os portais de internet da possibilidade de fazer perguntas. Justamente o governo que se diz defensor da inclusão digital discriminou o meio de comunicação que mais cresce em prestígio e utilização nos dias de hoje.
Alguns veículos de comunicação foram convidados a fazer perguntas, outros precisaram participar de um sorteio para ter esse direito. Mas, no caso da internet, não foi concedida nenhuma das duas oportunidades. Os jornalistas da web puderam apenas acompanhar o evento de dentro da sala. Uma participação ‘virtual’ – afinal era como se não estivéssemos ali. Tal acompanhamento poderia ter sido feito de qualquer lugar.
Decisão arbitrária
Os dois jornalistas do iG, Ricardo Noblat e Leandro Colon, entraram mudos e saíram calados. E por quê? O que dá o direito ao governo de discriminar a internet? O portal iG atinge diariamente 2 milhões de pessoas, muito mais do que a soma da tiragem dos principais jornais do Brasil. O Último Segundo, jornal online do portal, mantém em Brasília um correspondente que cobre diariamente o governo. A internet vem crescendo como o meio que as pessoas procuram para se informar. Então, qual a explicação para terem tirado de nós o direito de perguntar?
Enquanto nos Estados Unidos o notoriamente conservador governo de George W. Bush permite que blogueiros se credenciem para entrevistas na Casa Branca, aqui o nosso governo veta sem explicações a participação da internet. Chega a ser irônico. Para não dizer preconceituoso e retrógrado.
Durante a gestão de Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo, o Último Segundo tentou repetidas vezes uma entrevista exclusiva. E sempre ouvia como resposta que a prefeita não falaria com jornais da internet. Deve ser mesmo verdade, pois ela foi várias vezes entrevistada por jornais, revistas e emissoras de TV durante seu mandato.
É indiscutível a importância que a internet tem hoje na vida das pessoas. Segundo levantamento divulgado pelo Ibope na semana passada, os brasileiros bateram o recorde de permanência na rede no mês de março. Os 20 milhões de internautas do país passaram, em média, 14 horas e 57 minutos navegando. Esses leitores poderiam ter se sentido representados na manhã da sexta-feira (29/4) se o governo não tivesse negligenciado a internet.
De acordo com os mesmos dados do Ibope, a web no Brasil cresce como principal fonte para notícias. Nos Estados Unidos, subiu em 35% o número de adultos norte-americanos que apontam a internet como sua principal fonte de informação, segundo a empresa de pesquisas Jupiter Research, que comparou dados de 2001 com os atuais. Com o objetivo de informar seus leitores, o Último Segundo não fez perguntas, mas transmitiu em tempo real a entrevista coletiva, com transcrição e vídeo, simultaneamente.
Não tentem me convencer de que a decisão do governo Lula não foi arbitrária. Portais como o iG não devem ser punidos por não terem por trás de si uma poderosa organização de comunicação, seja ela uma emissora de TV ou um jornal. Somos internet. E ponto.
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Diretora de Jornalismo do iG