‘A notícia da edição electrónica do Público tinha por título ‘Eventual corte de juros atenua quebras nas bolsas’, e o primeiro comentário enviado por um leitor, que assinava ZP, dizia o seguinte: ‘Pois, é pena é que os bancos vergonhosamente estejam a esticar o spread. Parecem a Galp – aumentam o gás cada vez que há um tiro no Iraque, mas nunca o baixam mesmo se houver paz. O pessoal está a ficar farto disto e devia começar a pôr bombas nos balcões para ver se esta gente ordinária tem juízo e ganha alguma dignidade’. Como interpretar esta opinião? Um desabafo emocional? Um apelo ao terrorismo? Uma figura de retórica? Contém ou não ela própria ‘dignidade’ para ser publicada na internet em anexo à notícia? Questões como estas surgem todos os dias à equipa do PUBLICO.PT quando tem de decidir a publicação de certos comentários.
A possibilidade de somar reacções do público às notícias é uma das muitas características distintivas da informação online. Se um jornal em papel tem edição definitiva à saída da tipografia, o site do mesmo jornal é um mosaico em contínua metamorfose, com actualização ao segundo que inclui novas notícias, o desenvolvimento ou aperfeiçoamento das anteriores e até a opção de abrir cada uma delas aos comentários dos leitores, que depois lhe são agregados. E, ao contrário da edição em papel, o espaço no site é ilimitado: cabem todos os comentários enviados. Estes suscitam novos comentários, abrindo-se assim um forum de debate público e de participação cívica que constitui um dos fenómenos contemporâneos ligados ao advento da internet.
A participação no circuito da informação tornou-se numa das exigências dos internautas, que a vivem como um direito e que, por conseguinte, privilegiam a navegação por sites que a permitem, seja para lerem os comentários alheios (uma mais-valia da notícia), seja para também eles adiantarem opiniões.
A opção do PUBLICO.PT pela junção de comentários às suas notícias não podia estar mais em sintonia com este sinal dos tempos, e a prova está no seu próprio sucesso: 265 mil reacções já recebidas. Se até Novembro do ano passado a participação popular se manteve constante, com uma média de uns 8.200 comentários publicados em cada mês (270 por dia), a partir de então deu-se uma explosão: 12.021 em Dezembro, 21.642 em Janeiro, 24.140 em Fevereiro e 33.619 (quase 1.100 por dia) em Março.
Para lá da leitura sociológica a fazer deste sintoma, há um problema que não se pode ignorar: este novo espaço de liberdade implica também responsabilidade. A voz dos leitores, como tudo o que se difunde na internet, é abrangida pelas leis sobre liberdade de expressão e informação que protegem os direitos dos cidadãos (sobretudo na sua reputação e intimidade), pelo que é forçosa uma ‘moderação’, isto é, um crivo humano que decida se os comentários são publicáveis, não só no aspecto legal mas também na sua harmonia com o estatuto editorial da publicação hospedeira.
Assim acontece no PUBLICO.PT (pelo que a edição de comentários não é instantânea, dado o diferimento temporal para a sua aprovação). O site do jornal contém uma lista de ‘Critérios para publicação de comentários dos leitores’ que estabelece as regras do jogo. O editor do PUBLICO.PT, António Granado (AG), por solicitação do provedor, calcula que ‘a taxa de rejeição de comentários estará na ordem dos 1 por cento ou inferior’.
Mas é claro que pode existir subjectivismo na decisão de publicar ou não um comentário. O do início desta crónica, datado de 22 de Janeiro, foi aprovado, e logo de seguida se publicou um de outro leitor: ‘Subscrevo ZP, poucas palavras para dizer tudo’. Uma hora depois, a leitora M. Silva enviou ao provedor uma reclamação: ‘Já há quem vá atrás da ideia de pôr bombas nos balcões dos bancos, e o PÚBLICO continua a publicar. Incitação à violência é crime público que nada tem a ver com liberdade de expressão, pelo que espero que o Público retire os referidos comentários e haja de futuro mais cuidado com o que se publica ou deixa publicar’.
Ouvido pelo provedor, AG começou por considerar: ‘Não me parece, sinceramente, que ZP tivesse como intenção desatar a pôr bombas em balcões de bancos, tratando-se apenas de uma expressão de forte indignação’. Mas logo a seguir conclui pela pertinência da reclamação: ‘Estamos de acordo, até porque o comentário viola os nossos próprios Critérios de Publicação. De futuro, evitaremos a publicação de comentários deste tipo, e agradecemos à leitora a chamada de atenção (…). O número de comentários no Público online tem vindo a aumentar exponencialmente nos últimos meses, o que tem tornado mais difícil a sua filtragem’.
Ainda acerca do sector bancário (erigido como bête noire de muitos leitores), recentes notícias no PUBLICO.PT sobre o grupo Espírito Santo suscitaram dezenas de comentários que levaram o leitor Alberto de Oliveira a reagir: ‘Constato que muitos desses ‘comentários’ não cumprem, no todo ou em parte, as oito principais razões da não publicação de comentários. Localidades como Além-Inferno, por aí, sul, norte, algures no mundo, país de oportunistas, não existem. Também muitos desses comentários expressam linguagem grossseira, conteúdo ambíguo ou irrelevante, razões elencadas pelo Público e que seriam suficientes para a sua não publicação’. Estaremos, em alguns desses casos, perante as tais figuras de retórica admissíveis como instrumentos de debate, mas, sem exemplos concretos, será difícil verificar a justeza da reclamação do leitor.
É porém necessário admitir, neste campo, uma margem de expressão suficientemente lata e abrangente. Uma coisa é a linguagem dos jornalistas, obrigada a critérios de rigor e objectividade, outra são os modos muitos variados pelos quais a generalidade do público se exprime, e que não fará sentido coarctar ou condicionar com uma formatação demasiado rígida ou limitada.
O leitor Paulo Veiga indignou-se com este comentário a uma notícia de 4 de Março sobre as eleições nos EUA: ‘Certo dia, numa corrida de atletismo, eu e o pequeno grupo que me acompanhava ultrapassámos um jovem preto. Como as pessoas ligadas ao atletismo sabem, os pretos, hoje em dia, principalmente os quenianos, ganham quase tudo. Foi então que um colega se saiu com esta: para ganhar não basta ser preto! Pois não, não basta ser preto a Obama para justificar a vitória, e eu acho que H. Clinton é melhor candidata (…)’. Escreveu o leitor: ‘É frequente ler nos comentários (…) expressões insultuosas e de mau gosto. Hoje calhou-me ter lido um comentário racista e fiquei logo mal disposto e indignado, não com o comentador mas sim com o PÚBLICO por tê-lo publicado’. Mas AG responde: ‘O leitor não gosta de ‘jovem preto’? Seria melhor ‘jovem negro’? Deveríamos ter corrigido para ‘jovem negro’, alterando a frase do leitor? Eu jamais escreveria ‘jovem preto’, porque não gosto da expressão. Mas não me parece que o facto de alguém dizer ‘jovem preto’ seja necessariamente racista. Proibir o comentário porque ele contém a expressão ‘jovem preto’ ou alterá-la para ‘jovem negro’ seria, no nosso entender, fazer censura. E isso não fazemos’.
O reclamante lamentou ainda, depois de ler os Critérios de Publicação: ‘O referido comentário cumpre os requisitos para ser publicado, porque não existe qualquer referência a comentários de teor racista’. Mas retorque o editor do PUBLICO.PT: ‘Os comentários racistas não são autorizados no site do Público, pois violam o estipulado na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Dizem os nossos Critérios de Publicação que ‘não são publicados comentários que contenham acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira, incitações ao ódio ou à violência ou que preconizem violações dos direitos humanos.’ (…) Temos normalmente muito cuidado com tudo o que cheire a racista, e normalmente rejeitamos.
Entretanto, um outro leitor (não identificado) protestou contra a difusão, em 29 de Março, de um comentário à notícia intitulada ‘Deputado holandês divulga filme anti-islâmico na Internet’, no qual se faziam depreciativas considerações sobre o islamismo para se concluir: ‘Da mesma forma que os países muçulmanos são intolerantes com a liberdade de expressão das outras religiões, assim eles têm de ser tratados entre nós e nos outros países não muçulmanos’. (O provedor não recebeu de AG resposta à questão apresentada sobre este comentário, que lhe pareceu exceder os limites).
Em sentido contrário foi a queixa do leitor Hélder Peres em 6 de Março: enviou um comentário à política governativa de José Sócrates que não foi publicado (‘Será por não concordar com determinadas atitudes deste governo do PS? Pensava que o Público era um jornal independente; perante este facto, começo a duvidar’). Mas explica AG que o comentário em causa violava o critério sobre insultos e linguagem grosseira, adiantando que dos 31 comentários já enviados pelo leitor ao PUBLICO.PT este fora o único não aprovado. Lido o comentário, o provedor acha justificada a sua não difusão.
A maioria das reclamações sobre comentários recebidas pelo provedor são aliás do mesmo género, quase sempre denunciando uma suposta prática de censura no PUBLICO.PT, mas também quase sempre já publicados no momento da queixa, tendo sofrido apenas o lapso temporal para aprovação.
Não existe uma fórmula mágica para o imprimatur (se é permitida a analogia) a dar aos comentários. Mas, além da verificação dos Critérios de Publicação, sem dúvida que será necessária ainda alguma dose de ponderação, sensibilidade e bom senso.
Recomendação do provedor. O crescente volume de comentários não deve impedir a aplicação dos princípios de filtragem em vigor. Caso contrário, o PUBLICO.PT arrisca-se a ser vítima do seu próprio sucesso.
Desesperadamente à procura dos resultados da bola
Mensagem do leitor Ricardo Quitério às 23h14 de 3 de Abril: ‘É lamentável que, à hora em que escrevo este mail, ainda não esteja disponível no site do vosso jornal uma notícia sobre os jogos da UEFA desta noite. Tenho que me contentar em consultar o site dos jornais espanhóis onde, tanto em El País e El Mundo, para não falar no desportivo Marca, já estão publicadas notícias sobre esses jogos, inclusive de um clube de Portugal: Sporting (parece que jogou hoje). É uma pena e não dá para compreender por que não podemos fazer igual’. O PUBLICO.PT não é actualizado de madrugada (hora da Lisboa), mas não há de facto razão para este serviço não ser prestado aos leitores.
NOTA: Na próxima semana não haverá crónica do provedor.’