Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Estado de S. Paulo

CASO ISABELLA
Camilla Rigi, Diego Zanchetta, Rodrigo Pereira e Vitor Brandalise

Flashes e minutos de fama na TV arrastam multidão ao DP

‘Embora clamassem por Justiça pela morte da menina Isabella Nardoni e por vezes ameaçassem linchar o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, a multidão de curiosos que ficou de prontidão em frente à casa do pai de Alexandre, no Tucuruvi, e no 9º Distrito Policial, no Carandiru, tinha como principal motivação o desejo de aparecer diante das câmeras de TV. Eram os movimentos dos cinegrafistas e produtores que ditavam os gritos e acenos dos curiosos, que permaneciam calados quando câmeras não estavam voltadas para eles.

Eram 7h40 quando o casal, que passou a noite em Guarulhos na casa dos pais de Anna Jatobá, chegou ao Tucuruvi. Durante a madrugada, dois homens foram detidos ao tentar pichar um muro próximo à casa dos Nardonis. Os rapazes foram levados para o DP e liberados.

Conforme se aproximava da hora marcada para o depoimento, o número de pessoas aumentava. O advogado Ricardo Martins chegou para acompanhar o casal às 9 horas e pediu respeito. ´A família está sendo julgada com uma crueldade´, afirmou. ´É humilhante, desesperador, ter de contratar pessoas para ficar na entrada, para que se tenha condições de dormir´, acrescentou. Desde a noite de anteontem três homens da empresa JM-Seg fazem a segurança da casa.

Por volta de 10 horas começaram preparativos para a saída de Alexandre e Anna Carolina. Uma viatura da PM chegou para dar apoio, mas a primeira tentativa do casal de deixar a casa foi tumultuada. Às 10h30, assim que o portão começou a subir, parte da imprensa entrou na garagem. Os poucos policias e os seguranças tiveram dificuldades para colocá-los para fora e o Vectra recuou.

No intervalo de 25 minutos, chegaram ao local 25 homens da Força Tática e do Grupo de Operações Especiais (GOE). As pessoas na porta pediam Justiça e acusavam o casal, aos gritos de ´assassinos´.

Anna Carolina foi a primeira a descer as escadas do sobrado, sob os escudos do GOE. Ela chorava muito. Alexandre veio logo em seguida, também protegido. Uma garrafa pet foi jogada e uma pedra atingiu o rosto do chefe do GOE, o delegado Luiz Antônio Pinheiro. Às 10h50, os carros saíram em disparada para a delegacia. A multidão que, segundo um policial, chegou a 300 pessoas incluindo os jornalistas, dispersou-se.

No 9 º DP, a multidão estimada em 150 pessoas pela PM recebeu o comboio com gritos ´Justiça` e ´assassinos´. A vizinhança aproveitou para lucrar. A cabeleireira Jerry Magalhães, de 50 anos, alugou vagas na varanda e na laje do sobrado para equipes de TV e fotógrafos. Em apenas um dia, lucrou R$ 1,5 mil. ´Serve para amenizar os prejuízos que tive desde que a investigação começou. O movimento aqui diminuiu 80%.`

Poucos metros da cabeleireira, outra moradora aproveitou para fazer dinheiro. A aposentada Lina Martins, de 73 anos, alugou a cobertura do sobrado para duas emissoras de TV – R$ 500 cada um. ´Para quem vive da aposentadoria (ela ganha R$ 415 mensais), é um bom dinheiro. Mas o que eu queria era dormir em paz. Aquilo só pára de madrugada´, disse, apontando para gerador de energia de TV.

EM BUSCA DA FAMA

A maior parte dos curiosos de plantão era movida pelo desejo de aparecer. ´Tudo que é evento eu compareço´, afirmou o maratonista Hélio Dias, de 39 anos, que foi ao DP fantasiado de ´anjo da paz` – uma bata branca de cetim e penas de galinha penduradas na manga. Ele chegou às 11 horas e passou o dia em pé, em cima de uma mureta – só saiu para comer uma marmita, às 15 horas. Era só um cinegrafista apontar a câmara para ele abrir ´as asas´.

´Eles têm de vir aqui e falar pra todo mundo se são inocentes ou não. É por isso que tá todo mundo aqui revoltado´, bradou o barbudo Flávio Leandro da Rocha, de 50 anos, autodenominado ´Bin Laden brasileiro da paz´. ´Quem não deve não teme´, disparou, para na seqüência se virar de braços abertos para a multidão: ´Falei bonito ou não? Cadê a salva de palmas para o que estou falando…´

Até bolo e bexigas foram comprados, por R$ 32, pelo autônomo Roberto da Silva, de 46 anos, que foi de Santo André para o DP. ´O Brasil só vai ter paz se confessarem a verdade.´

´Moço, eu também quero falar´, pediu a acompanhante de idosos Maria de Fátima da Conceição, de 48 anos, moradora da zona leste, recontando o que viu na TV para dizer que considerava o casal culpado.

Depois de tantas ofensas, uma única manifestação aparentemente de solidariedade fez com que Cristiane Nardoni, irmã de Alexandre, saísse do sobrado ontem. Duas senhoras deixarem um arranjo de flores com um segurança. ´Eu vim buscar as flores pois vi que foi um gesto de carinho. A família está sofrendo´, disse Cristiane. À tarde, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) interditou a Rua Marinheiro, onde fica a casa dos Nardonis, para evitar tumultos.’

 

GOVERNO
Moacir Assunção

Vannuchi critica imprensa e defende MST

‘O ministro-chefe da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência, Paulo Vannuchi, saiu ontem em defesa do Movimento Sem-Terra (MST). Vannuchi afirmou, no seminário O caso guarani-caiová, uma história de violação dos direitos humanos, na Faculdade de Direito da USP, no centro de São Paulo, que os meios de comunicação muitas vezes ajudam a criminalizar a ação do MST, ao dar mais destaque aos protestos, em vez de enfatizar a ação que os originou, como o massacre de Eldorado dos Carajás.

´Temos visto isso nos jornais, muito mais ênfase nos protestos do que no massacre´, comentou. Vannuchi também voltou a criticar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Raposa Serra do Sol, dizendo que ´o Judiciário é o mais defasado dos três Poderes em respeito aos direitos humanos´.

Ele citou alguns casos famosos de decisões polêmicas de juízes em primeira e segunda instâncias, que afirmou serem ´equivocadas´. Entre elas, uma sentença contra o jogador Richarlyson, que classificou de ´homofóbica´, e outra em que um juiz mineiro considerou inconstitucional a Lei Maria da Penha, ao dizer que o lar era o abrigo inviolável do homem.’

 

Para Tarso, STF julga pela mídia

‘Na quarta-feira, o ministro da da Justiça, Tarso Genro, já havia se pronunciado de forma semelhante à do colega da Secretaria de Direitos Humanos. Tarso acusou o Supremo Tribunal Federal (STF) de se basear nos relatos feitos pela imprensa para suspender, liminarmente, a Operação Upatakon 3, da Polícia Federal, de retirada de produtores de arroz da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Na ocasião, Tarso disse que o governo perdeu o que classificou de ´guerra de informação´, por conta de tese ´abraçada` pela grande mídia. Os ministros do STF reagiram às críticas. ´A decisão do Supremo Tribunal Federal foi um claro exercício de prudência´, respondeu Celso de Mello.’

 

PEQUIM 2008
O Estado de S. Paulo

Chineses queimam bandeira da França

‘Dezenas de jovens chineses queimaram ontem uma bandeira francesa em frente de uma loja do hipermercado Carrefour em Qingdao, leste da China, em reação aos protestos contra o país durante a passagem da tocha olímpica em Paris. Internautas chineses reforçaram o pedido de boicote a produtos franceses. Uma pesquisa feita em dez cidades da China mostrou que 66% dos chineses apóiam o boicote.’

 

Templo budista japonês diz não à tocha olímpica

‘O primeiro-ministro da Tailândia, Samak Sundaravej, garantiu, ontem, que a tocha olímpica percorrerá as ruas de Bangock, hoje, ´em segurança´. E questionou o efeito das manifestações que vêm ocorrendo na maioria dos lugares em que ela passa. ´Que resultados pensam que vão obter?` Já no Japão, o templo budista Zenkoji, em Nagano, anunciou, ontem, não mais desejar ser o ponto de partida da passagem da tocha pelo país, a partir do dia 26, em apoio à causa de seus colegas monges tibetanos. ´Sairá de outro lugar´, explicou Kunihiko Shinohara, do Comitê Organizador.’

 

INTERNET
José Henrique Lopes

E-mail com vírus prejudica marcas e consumidores

‘Na terça-feira, a rede de varejo Ponto Frio mandou um e-mail de alerta aos consumidores. O objetivo era avisá-los de que mensagens que vinham sendo enviadas em nome da empresa, e que prometiam brindes, eram falsas. Como algumas pessoas chegaram a procurar as lojas com o e-mail em mãos para checar a veracidade da suposta promoção, o Ponto Frio decidiu alertar os consumidores.

O episódio é mais um exemplo de um problema que está se tornando rotina no País, as fraudes virtuais praticadas com o envio de e-mail falsos. Prêmios, promoções, boatos, intimações de órgãos públicos… Tudo pode estar em mensagens enviadas ao internauta com o objetivo de invadir seu computador.

Só no primeiro trimestre, foram informados ao Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (Cert.br), 29.923 incidentes relacionados à segurança na internet, um crescimento de 61% em comparação a igual período de 2007. Nem todas as ocorrências, porém, são de fraudes realizadas por e-mail – embora essas sejam a maioria. Nesses números estão incluídos também casos de contaminação de computadores por vírus e programas maliciosos, roubo e vazamento de informações pessoais. E esses são procedimentos – chamados de engenharia social – que podem ocorrer durante compartilhamento de arquivos entre computadores e visitas a sites.

Em 2007, o total de ocorrências informadas ao Cert.br chegou a 160 mil. O pico, porém, foi registrado em 2006, quando as estatísticas passaram de 68 mil (em 2005) para 198 mil. O advogado Renato Ópice, especialista em Direito Eletrônico, tem um palpite para explicar tamanho salto: a massificação da internet de banda larga no Brasil.

O QUE FAZER

Ao notar uma mensagem suspeita na caixa de e-mails, o usuário deve ter cautela. Afinal, pode estar diante de um tipo de fraude chamado phishing. O nome é esse porque a intenção de quem pratica o golpe é ´pescar` o internauta. Essas mensagens trazem a orientação para que o usuário clique em um link. Ao fazer isso, ele poderá ser direcionado a uma página de internet falsa (onde corre o risco de ter dados e senhas roubados) ou terá de baixar um arquivo, que, na verdade, é um programa nocivo ao computador, chamado malware.

Para evitar o problema, os especialistas são unânimes na recomendação: desconfiar. ´Mesmo que o e-mail tenha sido enviado por um rementente conhecido´, diz Gastão Mattos, coordenador do Movimento Internet Segura. De acordo com o Procon, as empresas que têm seu nome usado nessas mensagens pouco podem fazer, pois a responsabilidade pela fraude recai sobre quem a pratica.

EVOLUÇÃO

Até pouco tempo, o mais comum era o envio das mensagens positivas, como anúncios de prêmios ou descontos. Mas, segundo Leonardo Scudere, autor do livro Risco Digital, tornaram-se comuns também as mensagens negativas, em que o usuário recebe falsas notificações de órgãos públicos. Os casos mais comuns são avisos de cancelamento de documentos.

Uma terceira modalidade é a de e-mails que remetem a temas atuais. São promessas de fotos e vídeos ´inéditos` de acontecimentos de ampla repercussão, como assassinatos e acidentes. Ontem, a redação doEstado recebeu um e-mail relacionado ao assassinato da menina Isabella Nardoni. Especialistas consultados confirmaram que se tratava de um golpe.

Os preços baixos dos computadores e a expansão da banda larga levam cada vez mais brasileiros à internet. Quem já usa a internet está aprendendo a se proteger dos golpes, e isso faz com que o problema se concentre na população que ainda está chegando a esse novo mundo. ´De nada adianta zelar pela integridade de quem já usa a internet se, a cada dia, milhões de pessoas desembarcam na internet´, afirma Gastão Mattos. ´Nesse processo de educação, a responsabilidade de pais e educadores é essencial.´’

 

LITERATURA POLICIAL
Ubiratan Brasil

Conspirações

‘O mordomo deixou há muito de ser o principal suspeito e a solução do crime não depende mais exclusivamente do poder de dedução do detetive – o romance policial do século 21 utiliza a tecnologia como ferramenta indispensável, transferindo o trabalho de desvendar um caso para uma equipe e não somente um detetive, que vem se tornando uma espécie em extinção. É o que revelam os novos livros do gênero, como comprova a coleção Suma Policial, recém-lançada pela editora Suma de Letras, um dos braços da Objetiva.

O romance policial atual perdeu seus limites, no entender de um especialista brasileiro, o escritor e psicanalista Luiz Alfredo Garcia-Roza – para ele, interessa menos a solução do crime que o trabalho de investigação. Assim, alguns escritores policiais conquistam o sucesso justamente por dominarem técnicas investigativas.

O americano Scott Turow, por exemplo, um campeão de vendas, trabalhou como advogado e seu conterrâneo Michael Connelly foi repórter policial por mais de dez anos até aventurar-se na literatura. Ele é autor de um dos volumes da coleção da Suma, Echo Park (tradução Álvaro Hattnher, 368 páginas, R$ 39,90), que se completa, nesta primeira fornada, com Morte em Dark Harbor (traduzido por Domingo Demasi, 292 páginas, R$ 36,90), de Stuart Woods, e A Mulher Marcada (tradução do sueco por Anna Nystrõm, 288 páginas, R$ 35,90), de Hakan Nesser.

Todos ambientam suas histórias em metrópoles, local ideal para os grandes criminosos se ocultarem. Foi assim que o gênero ganhou forma especialmente na obra de Edgar Allan Poe, que utilizou Nova York e Londres do final do século 19 como cenário.’

 

***

Um aprendizado entre criminosos

‘O americano Michael Connelly é um pacato morador da Flórida, onde desfruta a cômoda posição dos escritores que vivem (e bem) de sua literatura. O segredo do sucesso é uma coleção de histórias criminais bem costuradas graças a um precioso aprendizado – como Scott Turow, ele exercia uma profissão que o encaminhou naturalmente para o romance policial: enquanto Turow é advogado, Connelly exerceu, durante mais de dez anos, a função de repórter policial.

Assim, ele utilizou a experiência na cobertura de crimes para criar tramas e personagens que caem no gosto do público. Echo Park, que a Suma de Letras lança agora, foi eleito o melhor livro de mistério de 2006, pelo jornal Los Angeles Times. O passo definitivo para esse tipo de literatura foi a profunda admiração de Connelly pela obra de Raymond Chandler, um dos ´poetas do homicídio sensacionalista´, no entender do crítico Edmund Wilson.

Seu aprendizado começou em 1980, quando, depois de se formar, Connelly começou como repórter, especializando-se na área criminal. Contribuiu a enorme onda de violência que varreu o sul da Flórida naquela época, quando a polícia decidiu enfrentar os traficantes de droga. Em 1986, Connelly cobriu um desastre aéreo e seu relato recheado de detalhes e pontilhado de emoção foi um dos finalistas do prêmio Pulitzer, um dos principais do jornalismo americano. Afamado, foi contratado pelo Los Angeles Times, que o levou para a cidade dos sonhos dos fãs de romances policiais por ser justamente o ambiente de Philip Marlowe, detetive criado por Raymond Chandler.

Depois de três anos perambulando pelas ruas, Connelly sentiu-se confiante para escrever seu primeiro romance, The Black Echo, publicado em 1992 e parcialmente baseado em um crime ocorrido em Los Angeles. O livro foi bem recebido e seu autor conquistou um prêmio pela melhor estréia em romances de mistério naquele ano. A história também é notável por marcar a primeira aparição de Harry Bosch, detetive experiente, obcecado pelos crimes que investiga.

Echo Park é o 12º romance de Connelly protagonizado pelo detetive. Desta vez, Bosch é assombrado por um fantasma, que o perturba há 13 anos. Em 1993, ele investigava o desaparecimento de uma jovem, Marie Gesto, que, após ser vista rumando para o supermercado, nunca mais foi encontrada. Como vestígio, sobrou apenas seu carro, no qual estavam algumas peças de sua roupa e compras feitas. Apesar de todo esforço, Bosch e sua parceira, Kiz Rider, não conseguem descobrir o paradeiro da moça, cujo desaparecimento passa a figurar na lista da delegacia de casos abertos ou não resolvidos.

O caso só é reaberto anos depois, quando um homem acusado de matar e esquartejar duas pessoas é suspeito de também estar envolvido em outros nove assassinatos, entre eles, o de Marie Gesto. Esperto, o criminoso propõe um acordo para escapar da pena de morte: ele mostraria onde estão os corpos das nove pessoas desaparecidas em troca da atenuação da sua pena.

Hábil na manutenção do suspense, Connelly explica um pouco de sua técnica na seguinte entrevista.

Echo Park é seu 17.º romance, o mais novo capítulo de sua série de Harry Bosch. O que mais lhe agrada no livro?

Eu gosto da maneira como ele mostra uma nova dimensão de Harry Bosch. Na maioria de seus livros, ele está em uma jornada em direção a um mal escondido, então o confronto com esse mal – o bandido – aparece no fim. Em Echo Park, Harry Bosch o encontra no início do livro. Ele sabe de quem se trata e o que ele fez. Isso tornou interessante a escrita.

Bosch e Rider investigam os alvoroços de 1992 em Los Angeles. Você cobriu as manifestações como repórter do Los Angeles Times. Esse evento ainda influencia sua escrita?

Sim. Eu tive experiências boas e ruins durante as manifestações e acho que elas tiveram um efeito sobre mim porque, vira e mexe, volto ao tema em meus livros.

Qual a principal conexão entre você e Bosch? Ele é seu alter ego?

Dividimos algumas características. Ambos temos filhas da mesma idade e nossas visões sobre paternidade são semelhantes. Também compartilhamos o amor e a esperança por Los Angeles. A cidade significa muito para nós. Esperamos dias melhores para ela.

Você está preparando futuros confrontos entre Bosch e o ex-policial Irving? Como você vai usar sua posição contra a polícia de Los Angeles e Harry Bosch no futuro?

Esta é uma grande semente que foi plantada. Irving está agora em posição de jogar politicamente com o departamento e Harry está fora. Isso pode levar a alguma coisa. Não sei exatamente a quê, não gosto de planejar livros antes de estar pronto para escrevê-los. Mas criei esse novo aspecto de Irving para que tivesse esta opção.

Você usa histórias de crimes e personagens que você acompanhou como repórter em seus livros. Como criar uma história a partir desses casos?

Para mim, algumas histórias reais ou personagens que encontrei como repórter acabam ficando dentro de mim e acabam se prendendo à minha imaginação. Eu as utilizo em novas direções e, logo, elas se tornam apenas o ponto de partida para algo diferente.

Você trabalhou como repórter policial. Esta experiência lhe dá algum tipo de vantagem? Escritores de livros policiais sem essa experiência têm maior dificuldade em ser fiéis em suas histórias?

Eu acho que a fidelidade está na maneira de vender sua história ao leitor. Se você está seguro sobre os detalhes, isso empresta uma certa autenticidade à história, ajudando o leitor a se relacionar com o protagonista. Se você escreve uma cena que transmite essa sensação de fidelidade ao leitor, então ele vai levar seu personagem mais a sério. Eu sei que se trata de ficção, mas, se você pode acrescentar a ela uma camada de autenticidade, o leitor, inconscientemente, começa a acenar positivamente, pensando que, bem, se a história é legítima, então o mesmo vale para os personagens.’

 

Geraldo Galvão Ferraz

Dos três, somente um pega o leitor de jeito

‘Coleções de livros policiais costumam ser irregulares, pois o próprio gênero apresenta altos e baixos, indo da mais rasteira exploração de fórmulas usadas milhares de vezes até obras representativas que críticos não-especializados ficam loucos para roubar, dizendo que são alta literatura. Claro que o que eles subentendem é que, tirando essas exceções, o resto está na vala comum da subliteratura.

Essa briga dos que querem exaltar gêneros populares como o policial, a ficção científica, o terror e os que, geralmente incomodados pela popularidade deles, não aceitam livros assim no templo ebúrneo da literatura, vem de longe e certamente deverá continuar sem solução. Para discutir isso, é bom, antes de mais nada, ler obras desses gêneros para argumentar. Ou, pelo menos, para garantir um bom entretenimento.

A série Suma Policial , do selo Suma da editora Objetiva, está sendo lançada agora, com três títulos. Vem com um autor de ponta no gênero, Michael Connelly, e dois outros menos conhecidos, Stuart Woods e Hakan Nesser. Os livros têm um projeto gráfico padronizado, com variação apenas das cores das capas e formato padrão, um pouco maiores do que a coleção Negra, da Record e do que a série Policial da Companhia das Letras.

Se você for comprar apenas um dos livros da nova série, para experimentar, não escolha Morte em Dark Harbor, de Stuart Woods. É um livro que parece escrito automaticamente pelo computador do autor, que costuma ver alguns dos seus 36 títulos nas listas dos mais vendidos. Woods ganhou o prêmio Edgar, o Oscar do policial, mas neste romance parecia estar de férias e ter confiado a tarefa a um ghost-writer. A história sonolenta é um clichê só. Digam se vocês não conhecem essa trama: advogado recebe uma casa de herança na ilha em que seu primo, metido com a CIA, se matou e levou junto a família. Há outros crimes na ilha e o advogado se junta a ´pitorescos` aposentados da CIA para pegar o bandido. A conclusão é forçada e revelada pelo meio do livro.

A Mulher Marcada, do sueco Hakan Nesser, é um pouco melhor, mas na Suécia mesmo há um casal de ótimos autores de policiais, Maj Sjõwall e Per Wahloo (que morreu em 1975). O cenário gélido da narrativa não ajuda a esquentar muito essa história de vingança bastante previsível. O detetive principal do escritor cultiva um inexplicável low profile e até leva uma surra de pitboys. Também quem mata em série é revelado no meio do livro, mas se você prestar atenção descobrirá antes, sem dificuldade.

O melhor do lote é mesmo Echo Park, de Michael Connelly, um dos principais livros desse autor que está em excelente forma. Connelly, que tem livros também na Coleção Negra, foi repórter policial e já começou bem: decidiu ser escritor após descobrir Raymond Chandler. Criou o detetive Hyeronimus Bosch (como o pintor), para os amigos Harry, que gosta de um bom jazz, sobretudo Miles Davis e John Coltrane. Assim como o detetive Philip Marlowe, de Raymond Chandler, Bosch é um expert na geografia de Hollywood e seu submundo. Aqui, um crime cometido em Echo Park assombra o detetive há 13 anos. E o pesadelo ressurge sob a forma de um serial killer que quer confessar a autoria. Só que, como os leitores de Connelly sabem, não é bem assim. A história faz um jogo de pingue-pongue entre passado e presente que deixa o leitor com torcicolo e sem conseguir parar até o final.’

 

***

Três coleções para muitos detetives de poltrona

‘Agora, com a da Suma, há três coleções disputando os detetives e criminosos de poltrona. As outras são a Coleção Negra, da Record, e a Série Policial, da Companhia das Letras, com 121 e 91 títulos, respectivamente. O perfil das duas é parecido, embora a da Companhia ouse mais, editando vários autores fora do eixo anglo-americano. As duas publicam policiais brasileiros, o melhor deles, disparado, Luiz Alfredo Garcia-Roza, da Companhia.

Clássicos do noir freqüentam a Série Policial: O Destino Bate à Sua Porta e Indenização em Dobro, de James M.Cain, Continental Op e Maldição em Família, de Dashiell Hammett, A Noiva Estava de Preto, Casei-me Com Um Morto e A Dama Fantasma, de Cornell Woolrich (a.k.a. William Irish). Na mesma coleção, uma boa série de damas do crime, como Patrícia Cornwell, Patricia Highsmith, P.D. James. E mestres contemporâneos do gênero como Walter Mosley, George Pelecanos, Dennis Lehane, Rex Stout (o criador de Nero Wolfe). O universo sinistro de Manuel Vázquez Montalbán é outro must da série, com um atraente design gráfico e formato adequado para se ler na cama ou no metrô.

A coleção Negra, da Record, despreza os clássicos do policial e, tirando o Região Submersa, de Tabajara Ruas, antes publicado sem o rótulo de policial, não editou nenhum brasileiro sequer mediano. Em compensação, investiu em autores barra-pesada como James Ellroy, James Lee Burke, Robert Crais e Ross Macdonald, que devem ter provocado muitos pesadelos em leitores mais sensíveis. Walter Mosley, Jeffery Deaver, Ed McBain. Sete títulos de Michael Connelly deram glamour e qualidade à coleção, sem falar do recente O Poeta, uma obra-prima do autor. Bons livros de Andrea Camilleri contribuíram com sabor diferente e os livros retrô de Philip Kerr não fizeram feio.

A Record já teve nos anos 50-60 uma série Alvi-Negra bem desigual, incluindo desde Laura, de Vera Caspary, até os livros da sub-Bond Modesty Blaise. Porém a grande série policial do passado foi a Coleção Amarela, da editora Globo gaúcha, iniciada nos começos dos anos 30 que começou com O Círculo Vermelho, de Edgar Wallace, e durou 158 títulos. O maior mistério da coleção, entretanto, foi o fato de terem pulado sem explicações o número 125. A coleção lançou Agatha Christie e Sax Rohmer (criador de Fu-Manchu) no Brasil, além de Georges Simenon e William Irish.’

 

TELEVISÃO
Shaonny Takaiama

Milton Neves na Band

‘Após deixar a Record para ser o ´grande âncora` (nas palavras do próprio) da produtora de Roberto Justus e ser surpreendido com a decisão do publicitário de abortar o projeto, Milton Neves finalmente estréia amanhã, na tela da Band.

Ele vai comandar lá sua mesa-redonda, Terceiro Tempo, às 21h30, e diz que não pretende reinventar a roda. ´Será uma mesa-redonda tradicional, com os mesmos colegas com quem trabalhei na Record. O diferencial é que agora estou na Band, que é a Rede Globo do futebol.´

Ao seu lado, estarão Oscar Roberto Godoy (arbitragem) e os comentaristas Mauro Beting e Paulo Roberto Martins, o Morsa. Entre os convidados da estréia estão os técnicos Muricy Ramalho, Wanderley Luxemburgo e Renato Gaúcho.

O contrato de Milton Neves com a Band é de dois anos e o apresentador está animado. ´Tenho uma expectativa muito grande de que o Terceiro Tempo emplacará na Band como emplacou na Record durante seis anos e meio.´

Do episódio com Roberto Justus, Milton Neves diz que não guarda mágoa. ´A profissão tem altos e baixos e aquele foi um mau momento. Decidi tocar o barco.´’

 

TEATRO DA VIDA
Marcelo Rubens Paiva

Nós, atores

‘Tenho dois amigos que, quando estão para encontrar outros amigos, decidem rapidamente de quais assuntos irão tratar. Escolhem histórias engraçadas, apelidos e piadas, para deixar o clima agradável.

Não falam mal de ninguém. Ninguém sabe o que realmente sentem. Representam dois personagens sem opiniões polêmicas. Curiosamente, são jornalistas, profissão de debates intensos. Decidiram que, fora da redação, querem estar numa boa com todos.

Nascemos atores. Na infância, o choro é nosso primeiro texto. Aprimoramos, quando percebemos a sua funcionalidade. Se chorarmos mais alto, mamãe vem ver o que temos, papai nos pega no colo, babá dá de comer, e irmãozinho pára de encher.

Nos dedicamos desde cedo a pesquisar os efeitos da representação. A manha é o primeiro conflito dramático. Com ela, descobrimos o poder de encenar.

Seguimos atores na escola, quando negamos que colamos, inventamos desculpas que justifiquem atrasos, perdas de trabalhos. Somos atores no esporte, quando fingimos que não vamos, mas vamos, quando olhamos para um, mas passamos a bola para outro.

Somos atores no amor. Falamos não, quando queremos dizer sim. Fingimos ignorar, quando nos fascinou desde o princípio. Demonstramos naturalidade, quando as pernas tremem, de tanta paixão. Dançamos com a inimiga, para chamar a atenção da amiga, demoramos dois dias para responder o e-mail, só para dar um charme, quando queremos responder na hora em que chegou. Perguntamos ´quer café?´, quando queremos ´posso te agarrar logo, beijar, levar pra cama e te ter por três dias seguidos?´

Fingimos perdoar, quando queremos trucidar, que não ouvimos o celular, quando estávamos sem a mínima vontade de atender. Somos atores na cama e fingimos dormir, quando não queremos mais discutir.

No trabalho? Todos atuam. Simulamos gostar do novo chefe, aturar seus humores, apoiar suas idéias e propostas inovadoras, aquelas que você já ouviu de sete antecessores e que nunca decolaram.

Atuamos, quando o guarda vem multar: ´Não olhei, moço, que placa?!` ´A lâmpada do farol deve ter queimado agora.´

Atuamos dia e noite. ´Estou sem trocado agora.` ´Alguém segurou a porta do elevador.` ´É só um minutinho.` ´Estou na outra linha.´

Não é à toa que os profissionais buscam em nós, amadores, nos observando atentamente, elementos para a criação de personagens. Curioso paradoxo. O que nos difere é que alguns ganham para atuar, e a maioria atua para ganhar algo em troca.

Charlton Heston esteve em Os Dez Mandamentos, Planeta dos Macacos, Ben-Hur. Protótipo do ator canastrão, foi também protagonista do movimento desprezado pela crítica, mas responsável por tirar a indústria cinematográfica do coma financeiro, o ´cinema catástrofe´, gênero inaugurado com O Destino de Poseidon e produziu ´clássicos` como Terremoto, e empregou diversos atores em fim de carreira. Sem Heston, tais filmes teriam faturado o mesmo?

Quase como um robô, daí o termo canastrão, ele fazia (bem) o que sempre fazia. Dedicado, chegou a aprender pilotar um Boing 747 para o filme Aeroporto 75.

Me pergunto o que seria de Cheiro do Ralo sem Selton Mello. O que seria de Estômago, filme inteligente, divertido, despretensioso, sem o ar de gente comum, inocente de João Miguel?

O que seria de O Homem Que Virou Suco sem José Dumont? E A Hora da Estrela sem Marcélia Cartaxo, Lawrence da Arábia sem Peter O´Toole, Touro Indomável, Taxi Driver, Cabo do Medo sem de Niro, Apocalipse Now e Último Tango em Paris sem Marlon Brando, Vidas Amargas sem James Dean?

O ator é a alma do teatro, é a base de tudo, é o ponto de partida. Quer a prova? Você preferia assistir a Paulo Autran lendo um livro de receitas, ou a Jamie Oliver, popular cozinheiro da tevê, representando Molière?

Meu Deus. Quem foi, então, Charlton Heston?

O problema de assistir a uma peça de um diretor marcante como Zé Celso, Gerald Thomas, é que sempre vemos o fantasma do genitor sobre os atores. Imaginamos seus mandos nos ensaios, as opções, o porquê de cada cena, do elenco, da luz e cenário.

Gerald, já vi dirigindo, pede aos atores que entrem em cada cena de uma maneira diferente, imprevisível. Zé Celso, me contaram, estimula o ator a dar uma intenção diferente em cada frase. Ele pontua o texto, explora imagens que o ator possa utilizar, palavra por palavra.

O Brasil é um celeiro de grandes diretores. Alguns imprimem um estilo inconfundível, marca que antecede ao espectador o que mais ou menos vem, como João Falcão, Filipe Hirsh, Aderbal Freire, Eduardo Tolentino, Kike Diaz e tantos outros criadores que pesquisam incansavelmente o teatro, gênero apaixonante, mas que definitivamente não dá dinheiro, a não ser, claro, que se feche com o gosto comum, se aproprie dos truques do ´teatrão´.

Quais? Obras com atores famosos e bonitos da tevê, sem arroubos cênicos. Naturalistas. Na maioria das vezes cômicas, herança do teatro de revista, gênero tão brasileiro, que explora temas contemporâneos, dramas da classe média, com os quais o público se identifica. Em teatros com cortinas de veludo, poltronas confortáveis e serviços de manobristas e chapelaria.

Não tenho preconceitos. Ao contrário, o teatrão dá vida e alimenta a cena de uma cidade, emprega gente e nos ensina a acertar e errar.

É muito difícil um artista obcecado pela linguagem entrar no mercado do grande público. A maioria nem quer.

Reparou que pulei um nome? Está atento…

Existe um diretor que além de imprimir uma marca pessoal fascinante, repensar o teatro como ninguém, desmontá-lo e juntar os cacos, que reconstrói o papel do ator, busca significados na última célula da raiz da dramaturgia, e ao mesmo tempo nunca é abandonado pelo público: Antunes Filho.

Há 30 anos acompanho a sua obra. Estudei dramaturgia no seu centro de pesquisa. Já o vi várias vezes dirigindo. Já amei o que fez. Já duvidei, me intriguei e me entreguei.

Depois de assistir a Senhora dos Afogados (Sesc Consolação), obra complexa do teatro místico de Nelson Rodrigues, que aliás foi resgatado pelo próprio Antunes, entendi todo o seu processo, vi ali o ator que ele defende, entendi que a voz é o espelho da alma. Notei o efeito dos exercícios corporais na dinâmica dos atores. A peça não tem cenário. A luz é precisa. A trilha vem de um piano no palco.

Há uma explosão de drama e ironia na trama, nas falas (´o parto é uma imoralidade!´) e conflitos. Nelson não tem piedade do espectador, aponta as loucuras daquele que mata, odeia, inveja. E Antunes fechou o seu ciclo. Foi e voltou. Parabéns. Chegou ao grau máximo do requinte.’

 

 

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