Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Globo e censura, tudo a ver

O grande público já percebeu que a edição dos jornais também é um ato de censura. Veta-se, despreza-se, risca-se, corta-se pelos mais diversos motivos ou desculpas: ausência de qualidade, desvio de foco, visão política, preconceito de classe, notícia envelhecida. Quando assiste a um jornal, ou lê uma notícia, um público menor desconfia que há censura da pauta ao que se destaca em um texto, até a censura absoluta ao que não obedece à orientação editorial. Há sempre um mundo de vida, de acordo com os interesses do editor de plantão, que jaz na cesta.

Essa lei geral de editar/censurar é mais clara no jornalismo da Rede Globo. Quem assiste ao Jornal Nacional, por exemplo, percebe que o mundo ali vem desmontado entre caras e bocas, em dramatização de telenovelas. Chega-se ao limite de uso de trilhas sonoras, como todos devem lembrar das imagens editadas dos desastres e tragédias de aviões. Planos, tomadas, cortes, luzes, a revolta dos passageiros, a indignação dos parentes, etc. etc.

No entanto, grande público e pequeno jamais poderiam imaginar que a censura na TV pudesse chegar ao departamento comercial, que rege afinal a razão do jornalismo como negócio. Nestes últimos dias, o Sindicato dos Bancários de Pernambuco revelou um caso inédito de censura na Rede Globo. Assim foi: para explicar ao público as razões do seu movimento grevista, o sindicato pagou R$ 4.880,00 por apenas duas inserções ao meio-dia na TV Globo local. Mas no dia marcado, a menos de 30 minutos da veiculação, o departamento comercial da emissora informou que não podia divulgar o anúncio. Razão, ou desculpa: o nome do sindicato teria que ser inserido em caracteres no VT, por escrito e por extenso. Ou o sindicato acrescentava o detalhe, ou o VT não iria ao ar. Apesar de o nome se encontrar no áudio, e na logomarca da entidade, ‘Bancários de Pernambuco’, que fecha o VT, isso não importava. Tinha que estar nessa nova fórmula de o lobo e o cordeiro.

Quem mandou esquecer?

Nas palavras de Sulamita Esteliam, jornalista do sindicato, ‘o contato da emissora avisou, durante as diversas conversações para contratar o espaço, que o VT não seria aprovado caso tivesse imagem de fachada de bancos. E é óbvio que teria, e isso foi dito. O texto já havia sido enviado antes da contratação, para todas as emissoras, como é praxe. Mas a Globo – e só a Globo – exigiu conhecer o VT antes de fechar o contrato, mesmo o pagamento sendo feito antecipado, a preços de tabela cheia.

O material foi mandado para São Paulo, direto da produtora, via correio eletrônico, para um certo Dido Júnior. Ao que parece, ele é o encarregado de exercer o papel de censor de plantão’. E o anúncio não se veiculou.

A população somente pôde ser informada porque as demais emissoras de televisão foram menos banqueiras que os banqueiros. Em 45 segundos, o VT ‘Banco Mata’, que denuncia a ganância dos bancos e anuncia a greve dos bancários, foi veiculado na Bandeirantes, na Record e no SBT. O anúncio censurado está aqui.

Refletindo bem, o comportamento da emissora faz sentido. Por meros 4.880 reais a Globo não iria perder as jóias do Itaú, Bradesco, Unibanco etc. em rede nacional. Moral da história – assim digo, porque sempre ao fim de uma história deve existir alguma moral: os interesses financeiros e jornalísticos aqui e ali se misturam. Quem mandou o sindicato esquecer de pôr o nome no VT? Ou ‘como ousas sujar a água que estou bebendo?’ Assim perguntou o lobo ao cordeiro, ao se preparar para comê-lo.

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Jornalista e escritor, Recife, PE