Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Novelas indianas são banidas por mau exemplo

Telespectadores afegãos assistem a mais um capítulo na disputa entre religiosos conservadores e liberais na era pós-Talibã, noticiam Alisa Tang e Rahim Faiez [AP, 23/4/08]. Desta vez, o Ministério da Informação e Cultura do Afeganistão ordenou que quatro emissoras retirassem do ar cinco novelas indianas até o dia 14/4 – apenas a Noorin TV, entretanto, suspendeu a novela Waiting. Um novo prazo foi estipulado para o dia 22/4. A Ariana TV retirou então a novela Kum Kum do ar, que conta a história de uma viúva procurada por um namorado de infância, mas que decide abrir mão da paixão do passado e aceitar o pedido de casamento do irmão de seu falecido marido.


O Ministério ameaça agora tomar ações legais contras as outras emissoras que insistem em exibir os programas e que acusam o governo de tentar ‘retalibanizar’ o Afeganistão. ‘Achamos que transmitir as novelas indianas está de acordo com a lei, então continuaremos a exibi-las’, afirmou Saad Mohseni, proprietário da Tolo TV. ‘Milhões de pessoas assistem a estes programas todas as noites’.


Muitos afegãos são extremamente conservadores, mas, ainda assim, o público fascinado por novelas indianas é grande; elas servem como uma espécie de válvula de escape para os problemas do passado, como as décadas de guerra, e do presente, como a violência e a miséria. Roya Amin, de 23 anos, é telespectadora assídua de três novelas. ‘As pessoas nos outros países têm outros meios de se divertir, mas nós aqui não temos nada’, diz. Talvez por este motivo, seis anos após a queda do regime Talibã, as novelas indianas sejam o programa favorito do horário nobre; de lá para cá, dezenas de canais privados foram abertos no país. Nos cinco anos em que a milícia talibã controlou o Afeganistão, entre 1996 e 2001, assistir à TV era atividade proibida.


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O governo afegão alega que as novelas são anti-islâmicas e interferem nos estudos das crianças; já os religiosos conservadores reclamam do conteúdo de diversos programas televisivos, pelo fato de ter apresentadoras mulheres e de exibir clipes musicais com cantoras. No mês passado, a Tolo TV foi criticada por transmitir um número de dança com homens e mulheres em um programa de premiação de filmes afegãos. O Ministério da Informação e Cultura condenou a cena, alegando que ‘homens e mulheres dançando juntos é algo completamente contrário à cultura do Afeganistão e à sociedade muçulmana’.


A decisão de proibir as novelas foi reforçada pelo Conselho dos Clérigos, conhecido como Ulema, que reúne os mais importantes líderes religiosos do país. ‘O Ulema enfatizou que elas [as novelas] são contra a cultura afegã e contra o Islã’, diz Ali Ahmad Fakor, vice-diretor da comissão de violações de leis de mídia, que se reuniu com o Ministério e com clérigos para um debate sobre as novelas indianas. Segundo Fakor, chegou-se à conclusão de que os afegãos poderiam se perverter com as cenas que mostram indianos idolatrando ídolos hindus e mulheres que se divorciam e casam outra vez – prática considerada inaceitável no Afeganistão. Ele afirmou ainda que a comissão recebeu centenas de telefonemas de pais reclamando que seus filhos estão perdendo muito tempo durante o horário nobre na TV – único horário em que a maior parte dos residentes de Cabul tem eletricidade. ‘Todas as pessoas estão ocupadas vendo as novelas, o que faz com que as crianças não estudem nem façam o dever de casa’, completou. ‘Somos contra a ‘talibanização’, mas, em um país islâmico, é nossa obrigação evitar que estes programas mantenham nossas crianças longe dos estudos’.


Para o presidente afegão, Hamid Karzai, o Afeganistão deveria produzir suas próprias novelas. ‘Acreditamos na liberdade de expressão, mas, como muitos outros países, queremos que nossos programas de TV estejam de acordo com nossa cultura e que sejam aceitáveis ao povo afegão’. Hoje, há poucas novelas afegãs, incluindo uma na Tolo TV, com enredos semelhantes aos das novelas indianas.