Dos mais importantes jornais brasileiros, só O Estado de S.Paulo tomou as dores do 1,3 milhão de aposentados e pensionistas que terão de retificar as suas declarações de imposto de renda para não caírem na malha fina e terem alguma esperança de que a Receita Federal lhes devolva o que pagaram a mais sem precisar ou lhes restitua mais do que o sistema calculou para eles.
Isso porque a burocracia da Previdência, com o seu sossegado corpanzil, como escreveu certa vez um jornalista, errou em prejuízo do contribuinte nos informe de rendimentos do ano de 2004 – e só se dignou a corrigir o erro, remetendo um novo informe em substituição ao anterior, em cima do prazo final para a entrega das declarações, na sexta-feira, 29.
Só dois dias antes os beneficiários do INSS começaram a receber a segunda versão do Comprovante de Rendimentos Pagos e de Retenção do Imposto de Renda na Fonte, datado de 21 de abril – como oportunamente ressaltou o editorial ‘O erro do INSS’, do Estado de sábado.
A versão original incluiu entre os rendimentos tributáveis 600 reais, correspondentes a cinco meses do bônus mensal de 100 reais (mais o respectivo acréscimo no 13º salário) que o governo instituiu em agosto para compensar a não-correção da tabela do IR. Obviamente, os 600 reais caem na categoria ‘rendimentos isentos e não tributáveis’.
Quem preparou a declaração com base nesse comprovante – todos quantos não deixaram para fazê-la em cima da hora – ou ficou com mais imposto a pagar (até 137,50 reais,segundo os tributaristas) ou menos imposto pago a receber de volta.
O Estado foi o primeiro a dar a má notícia já na quinta-feira. Na sexta, quando a concorrência entrou no assunto, discretamente, o jornal voltou à carga com manchete de página inteira no caderno Economia e chamada na primeira página.
As matérias têm passagens confusas, mas deixam clara a fria em que segurados entraram. Deixam clara também, como as dos outros jornais, o soberbo desprezo dos burocratas pelas vítimas de sua incompetência.
Situações kafkianas
O noticiário destacou a situação dos 750 mil aposentados com mais de 60 anos. Pelo Estatuto do Idoso devem estar entre os primeiros a receber as restituições a que tiverem direito – já no lote de 15 de junho.
Para tanto, porém, não basta que corram aos computadores que se presume que todos eles tenham e retifiquem a declaração já enviada. Como bem fizeram as reportagens em destacar, é preciso que a Receita receba logo do INSS o Documento de Imposto de Renda Retido na Fonte (Dirf) com os dados corretos, que batam portanto com os retificados.
Situações kafkianas possíveis que as matérias registraram. Por exemplo, a Receita examina a declaração retificada antes de receber da Previdência o novo Dirf e supõe que o contribuinte quer receber mais (ou pagar menos) do que o devido. Destino: malha fina. Ou, a Receita confere o novo Dirf com a declaração ainda não retificada e, embora identifique erro do contribuinte contra si mesmo, manda a declaração para a malha fina, por definição.
No sábado, a Folha de S.Paulo informou que o Fisco ainda não sabia como livrar os contribuintes do prejuízo. ‘Vamos estudar uma forma de facilitar a vida de todo mundo’, disse o supervisor nacional do IR, Joaquim Adir. Por via das dúvidas, ele prometeu que ‘ninguém será prejudicado’.
Na mesma matéria, o secretário da Receita, Jorge Rachid, não promete coisa alguma. ‘Estamos avaliando a situação para ver o que é possível fazer’, comunicou, burocraticamente. E com a arrogância típica dos coletores de impostos diante dos que, afinal, os sustentam, completou: ‘Mas os importante é que os contribuintes cumpram sua obrigação com a Receita’.
No mesmo dia, o Globo deixa o aposentado ainda mais confuso. No meio da matéria sobre o caso, informa: ‘Quem pagou em cota única deve se dirigir à Delegacia Regional da Receita para solicitar a devolução do que foi pago a mais’. Quatro parágrafos adiante se fica sabendo que isso não é necessário. Tendo retificado a declaração – o que só pode ser feito pela internet – o lesado deve fazer no site da Receita um Pedido Eletrônico de Restituição. O jornal descreve o caminho das pedras, que inclui baixar o programa de restituição.
Do INSS, enquanto isso, nem um pio de desculpas – e até esta segunda-feira nenhum dos jornalões, salvo o Estado, achou apropriado indignar-se com isso. ‘O governo’, diz o editorial do Estadão, mais uma vez comete um erro palmar e transfere para o contribuinte o ônus de corrigir a lambança’.
Mas o melhor é o argumento de fecho. Se o erro foi cometido por um órgão oficial, o INSS, outro órgão do mesmo governo, a Receita, ‘deveria incumbir-se de fazer ela mesma as retificações, utilizando a base de dados do INSS’, demanda o jornal, em vez de punir os contribuintes com mais essa incumbência.
[Texto fechado às 19h41 de 2/5]