A democratização da comunicação no Brasil ainda precisa amadurecer. O favorecimento das classes dominantes, a concentração na propriedade dos meios de comunicação e até mesmo o comando de empresas do setor por políticos são freqüentes na mídia nacional. Desta forma, a liberdade de expressão e o acesso às informações sem censura – direitos, hoje, assegurados por lei – acabam comprometidos.
Diante disso, o Monitor de Mídia investigou como se configura o cenário da comunicação em Santa Catarina, apurando quais são os proprietários de emissoras de rádio e televisão. Para este estudo, foram consultados o banco de dados do Ministério das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), onde tivemos acesso aos nomes que compõem os quadros societários e outras informações dos veículos no estado. Também ajudou neste diagnóstico o site Donos da Mídia, que faz o cruzamento entre políticos e meios de comunicação.
As conclusões a que esta pesquisa chega apontam para a formação de oligopólios na radiodifusão catarinense e a pequena presença de políticos na cúpula de empresas de comunicação, ocorrências preocupantes para a democracia local.
Informação e poder: mídia e política
No panorama nacional, existem mais de duas centenas de políticos como proprietários de meios de comunicação. Ilegal, a prática é utilizada como artifício para se manipular a opinião pública. O termo utilizado para denominar o fenômeno, coronelismo eletrônico, remete ao final dos séculos XIX e início do XX, quando a relação entre os coronéis e líderes das oligarquias locais com o governo se baseava na troca de favores. Nesta época, a autoridade dos coronéis era sustentada pela posse de terras, sinônimo de poder. Os senhores da terra usavam o seu domínio para obrigar a população a votar nos candidatos que apoiavam – o voto de cabresto. Estes candidatos, uma vez no governo, favoreciam os coronéis direta ou indiretamente.
Atualmente, o voto não é mais conseguido através da força, nem o coronelismo se dá pela propriedade da terra. Os instrumentos e mecanismos utilizados hoje são a posse dos meios de comunicação e a manipulação que possibilita como forma de se conquistar votos e o controle da população. Um exemplo foi o governo do ex-presidente José Sarney, que entre 1985 e 1988, concedeu 1028 outorgas de rádio e televisão; parte delas para empresas ligadas a parlamentares federais, os mesmos que o ajudaram a aprovar a emenda que lhe possibilitou cinco anos de mandato.
No Brasil, os meios de radiodifusão pertencem à União, e a lei determina que esse serviço deva ser outorgado por meio de licitação, a ser apreciada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Executivo. O Congresso Nacional passou a interferir no processo somente a partir da Constituição de 1988. Antes disso, cabia apenas ao Executivo a autorização dos serviços de radiodifusão. Com a entrada do Legislativo no trâmite, acreditava-se que diminuiria o uso das concessões como moeda de barganha. Episódios recentes contrariam a hipótese, como na era Fernando Henrique Cardoso (FHC), quando foram autorizadas 1848 licenças de repetidoras de televisão até setembro de 1996, das quais 268 foram para entidades ou empresas dirigidas por 87 políticos, todos favoráveis à emenda de reeleição. Tal vitória pode ter sido decisiva para que FHC permanecesse mais quatro anos no poder.
Brechas legais perigosas
Dados de março de 2008 do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), mostram que no Brasil, pelo menos 271 políticos são sócios ou diretores de emissoras de rádio e televisão. Uma dúvida pertinente é de como os políticos conseguem burlar a lei, que não permite essa posse. Entre todas as lacunas existentes nas normas que regem o processo de concessão, duas são preponderantes para esta irregularidade constitucional: em 1995, FHC, por meio do Decreto 1720/95, determinou que as outorgas de radiodifusão só fossem realizadas através de licitação. No entanto, a nova regulamentação incidia exclusivamente nas emissoras de radiodifusão comercial, ou seja, rádios e televisões educativas poderiam ser outorgadas sem edital. Assim, foi possível que muitos políticos se tornassem concessionários, mesmo que a programação veiculada nos canais adquiridos não fosse de caráter exclusivamente educativo.
A segunda brecha diz respeito à transformação das retransmissoras (RTVs) mistas, que, até o ano de 1998, eram serviços explorados por entidades com ou sem fins educativos. Com o Decreto 2593, de 15 de maio de 1998, entrou em vigor o Regulamento dos Serviços de Retransmissão e Repetição de Televisão, que extinguiu o serviço, mas possibilitou que as RTVs mistas se tornassem geradoras educativas. Segundo levantamento da Folha de S. Paulo em 2002, Minas Gerais – estado do então ministro das Comunicações Pimenta da Veiga – apresentou a maior incidência de RTVs mistas transformadas em geradoras, o que demonstra indícios de influência política. Desta forma, o proprietário escapava das exigências para regulamentar o canal.
De acordo com informações veiculadas este ano pelo site Donos da Mídia, em todos os estados brasileiros existem casos de políticos proprietários de meios de radiodifusão. A maior ocorrência se dá em Minas Gerais, com 38 casos. Santa Catarina possui nove políticos à frente dos referidos meios, ocupando o décimo terceiro lugar na lista. Dois dos três senadores catarinenses – Neuto De Conto (PMDB) e Raimundo Colombo (DEM) – e, inclusive, o vice-governador do estado, Leonel Pavan (PSDB), são sócios dirigentes de veículos de comunicação. Além disso, outros cinco prefeitos e um deputado são proprietários na mídia:
Famílias no controle da mídia
Políticos não podem ser donos de meios de comunicação por razões legais e éticas. A Constituição proíbe a prática, e a moral impede que um detentor de cargo público seja também concessionário de serviço público, o que causaria evidentes conflitos de interesse. Como no resto do país, há políticos na mídia catarinense, mas aqui, o que mais preocupa mesmo são os oligopólios familiares que dominam os principais mercados da radiodifusão.
‘Oligopólio’ pode ser entendido como a concentração de poder nas mãos de poucos, ou também como a oferta de um produto ou serviço, que tem vários consumidores, controlado por um pequeno grupo, restringindo a escolha e determinando condições de oferta e de preço, por exemplo. Isto é, a concorrência – sempre saudável nas economias de mercado – fica restrita a poucos, prejudicando o consumidor, o elo mais vulnerável nesta corrente.
Hoje em dia, quatro famílias predominam na radiodifusão catarinense. Como nenhum dos políticos citados anteriormente faz parte destas famílias, não se configura no estado o coronelismo eletrônico. Mas a concentração dos meios é também preocupante em Santa Catarina. A tabela a seguir mostra o poderio desses clãs, levando-se em conta apenas as emissoras geradoras e retransmissoras de radiodifusão.
Os quatro grupos que controlam a radiodifusão no estado não apenas ocupam os espaços mais privilegiados no mercado de mídia como também associam suas empresas aos grandes conglomerados nacionais.
Controlado pela Família Sirotsky, o Grupo Rede Brasil Sul (RBS) foi fundado em 1957 por Maurício Sirotsky Sobrinho, em Porto Alegre. Hoje, opera nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com 5,7 mil funcionários. Em Santa Catarina, os Sirotsky detêm emissoras de TV (aberta, comunitária e segmentada) e de rádio (FM e AM) e quatro jornais (Diário Catarinense, A Notícia, Jornal de Santa Catarina e Hora de Santa Catarina). Além disso, possuem dois portais na internet (ClicRBS e Hagah), uma editora (RBS Publicações), uma gravadora (Orbeat Music), entre outros negócios. Na TV aberta, a RBSTV retransmite a líder de audiência – Rede Globo –, e no rádio o sistema CBN. Com faturamento que beirou os R$ 900 milhões em 2006, é o oitavo grupo de mídia no Brasil.
A família Amaral controla o Sistema Catarinense de Comunicações (SCC), que existe há 67 anos. O grupo retransmite o SBT em Santa Catarina, além de compreender as rádios Clube Lages, Globo Lages e Gralha Azul. Tem, ainda, redes de televisão (por assinatura) e provedor de internet banda larga, além de atuar também na área de comunicação empresarial.
Os Petrelli têm a Rede Independência de Comunicação (RIC), fundada em 1980. O grupo opera nos mercados do Paraná e Santa Catarina em mídia eletrônica (televisão, rádio e internet) e impressa (jornal e revistas). Atualmente, a RICTV é afiliada da Rede Record de Televisão, já a RICRádio é afiliada da Jovem Pan Sat. O grupo tem hoje três emissoras de rádio no Paraná: Rádio Jovem Pan Curitiba, Rádio Jovem Pan Ponta Grossa e a Rádio Classic Pan em Maringa. Apesar de não ter nenhuma rádio em Santa Catarina, a RIC mantém no estado o jornal Notícias do Dia, nas maiores cidades do estado: Florianópolis e Joinville.
Os Brandalise têm a Central Barriga Verde de Comunicação, que opera nos três estados do sul desde o início dos anos 1980. Possui emissora de TV, produtora de vídeo e 14 emissoras de rádio. A TVBV, com matriz em Florianópolis, tem sucursais nas cidades de Tubarão, Itajaí, Blumenau, Joinville, Chapecó, Joaçaba e Lages, e retransmite a programação da TV Band.
A tabela abaixo faz um comparativo entre as famílias em termos de veículos:
Segundo o IBGE, Santa Catarina tem 293 municípios e as quatro famílias mais poderosas da mídia têm controle em 97 deles, ou seja, elas detêm emissoras de radiodifusão em 33,1% das localidades. Na verdade, as principais cidades de todas as regiões do estado, exercendo influência nos diferentes cantos de Santa Catarina.
As famílias rivalizam suas hegemonias nas regiões do estado, conforme se pode observar na tabela abaixo:
Estratégias de concentração e manutenção
Assim como brechas legais possibilitam que políticos sejam donos de meios de radiodifusão, há fatores que favorecem a formação das denominadas empresas familiares no Brasil. Um deles é a não obrigatoriedade de divulgação dos verdadeiros concessionários, contrariando uma necessária transparência no setor. O decreto-lei 236 de 1967 permite a concessão de apenas duas TVs por Estado para cada pessoa física. Entretanto, há uma manobra que possibilita às famílias expandir seu poder, ao distribuir as concessões entre os parentes – assim, quanto maior a família, maior poderá ser o patrimônio. Cada um dos acionistas permanece dentro da lei, mesmo que o veículo de comunicação não seja dirigido, de fato, por um deles.
Assim, os clãs registram seus veículos em nome dos diferentes familiares nos quadros societário e diretivo das emissoras. Isso se dá com os Sirotsky, com os Brandalise e Petrelli e com a família Amaral. É ilegal? Não. Brechas na legislação permitem, e não existem mecanismos que coíbam esses contornos.
Os movimentos de mercado, como as parcerias e fusões, são outras formas de fortalecer os grupos na tentativa de manter posições no mercado e expandir para novos nichos. Essas estratégias não são inovadoras, já que se repetem em outras partes do país e do mundo globalizado. É um jogo para quem pode mais. Quem pode, enfrenta os concorrentes; quem não pode, ou se associa ou entrega os pontos. Não há espaço desocupado.
A radiodifusão catarinense se desenvolve à sombra da política e do mundo dos negócios, da rotina familiar e de soluções jurídicas. A ocorrência de políticos donos de meios de radiodifusão e a formação de grupos familiares são resultados de uma legislação permissiva, da inoperância de agências reguladoras, entre outros fatores. Uma revisão das leis da comunicação no Brasil, visando a democratização da área, talvez seja uma solução eficaz. Isto é, eliminar as brechas que permitem a formação de grupos familiares, bem como a propriedade dos meios de comunicação por políticos. Ainda, uma leitura mais crítica dos meios, por parte de toda a sociedade, pode contribuir para que um dia a democracia na comunicação brasileira seja efetiva.
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Do Monitor de Mídia