Depois de trabalhar como freelance para jornais como The Boston Globe, Los Angeles Times, Dallas Morning News e The Chicago Tribune, a jornalista Christine MacDonald ingressou em 2006 na área de comunicação da Conservation International, ONG sediada em Washington com atuação internacional, inclusive no Brasil. Em agosto deste ano, já fora da entidade, ela publicou o livro Green, Inc.: An environmental insider reveals how a good cause has gone bad, no qual ela afirma que a política de captação de recursos de muitas ONGs tem proporcionado a ‘lavagem verde’ (greenwashing) da imagem de empresas apontadas como devastadoras do meio ambiente.
Além da Conservation International, Christine MacDonald critica também entidades que atuam em diversos países, como The Nature Conservancy (TNC), Sierra Club, Environmental Defense Fund (EDF), World Wildlife Fund (WWF) e outras. Segundo a autora de Green, Inc., a relação com grandes empresas agressoras do meio ambiente tem sido gerenciada por dirigentes dessas ONGs cujos altíssimos salários os colocam no patamar dos maiores contribuintes de impostos dos Estados Unidos, a faixa do ‘top 1%’.
O livro, cujo título em português pode ser traduzido como ‘Verde Ltda.: Uma fonte dentro do ambientalismo revela como uma boa causa se tornou má’, é coincidentemente homônimo do blog Green Inc., hospedado no site do jornal norte-americano The New York Times. Em sua postagem ‘When green becomes Inc’, de 8 de outubro, Tom Zeller Jr., editor do blog, apresenta uma entrevista com MacDonald, na qual ela declara:
‘Não há nada errado em grandes corporações adquirirem um ethos ambiental. Mas é importante lembrar que poluidores têm uma longa tradição de silenciar seus críticos. É um problema real. Sempre que uma corporação faz uma grande doação para um grupo ambiental, temos de nos resguardar contra a possibilidade de isso ser um suborno, de a companhia dar o dinheiro para cooptar o grupo e enfraquecer sua missão.’
Em sua resenha ‘Green, Inc., by Christine MacDonald’, na edição de 11 de outubro da revista semanal britânica New Scientist, o jornalista Fred Pearce, colaborador de diversos jornais britânicos e autor de livros sobre meio ambiente, afirma:
‘Green, Inc. não é, como alguns querem mostrar, uma condenação do ambientalismo como um todo, muito menos uma trombada maliciosa da direita antiambientalista. É mais propriamente um apelo para pôr um fim à transigência autovantajosa e para o retorno ao zelo com a retidão de esforços. Desse modo, ele será aplaudido por muitos dentro dos próprios grupos ambientais.’
Quatro dias antes de serem publicadas essas palavras de Pearce na New Scientist, o livro de MacDonald já havia sido aplaudido por Rini Sucahyo, coordenadora de relações externas da Conservation International na Indonésia: ‘Tudo, sim, … tudo o que Christine escreveu em seu livro é certo’. Sucahyo publicou essa declaração no espaço de comentários da entrevista ‘Christine MacDonald on the corruption of the environmental movement’, concedida pela jornalista à California Literary Review, e disse também que houve casos de greenwashing de empresas patrocinadoras da entidade em seu país. ‘Estou aliviada porque finalmente alguém de dentro falou sobre isso. Obrigado, Christine. Quero seguir seus passos’, acrescentou.
Sojicultura no Brasil
Nessa entrevista à California Literary Review, MacDonald afirma que ações conservacionistas no Brasil, realizadas com recursos de empresas diretamente ligadas ao avanço da sojicultura sobre o Cerrado, tiveram um resultado ambiental desvantajoso na relação custo-benefício entre o que foi preservado e o que foi devastado. [Este blogueiro, que não é trouxa e vive em um país onde há juízes que se mostram ignorantes sobre o direito de expressão, se abstém de citar nomes de tais empresas em um texto opinativo. Para os interessados, basta consultar os textos aqui citados, que permanecem incólumes por terem sido publicados lá fora.]
Os websites das ONGs citadas não mostram nenhum pronunciamento sobre Green, Inc. Pessoalmente, conheço uma boa parte do trabalho realizado no Brasil pela Conservação Internacional. Em minhas funções anteriores como repórter e editor, fiz várias matérias com informações importantes prestadas por essa entidade, e obtive em 2002 o terceiro lugar no Prêmio de Reportagem sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica, promovido por ela. Em 2001, participei como jurado do Prêmio Ford de Conservação Ambiental, e posso testemunhar que a instituição procedeu com total lisura junto ao júri.
Ainda não tive acesso ao conteúdo do livro de MacDonald, exceto o primeiro capítulo, disponibilizado no site da Amazon. Apesar dessa limitação, concordo com a abordagem de Pearce, na New Scientist, no que se refere a não condenar o ambientalismo como um todo nem dar razão para o conservadorismo antiambientalista.
Terceiro setor
No entanto, independentemente do que pode vir a ser confirmado ou contestado em relação às acusações feitas em Green, Inc., a imprensa, de um modo geral, precisa rever seus procedimentos em relação às ONGs, inclusive aquelas que atuam em outras áreas além da ambiental. Uma coisa é tê-las como fontes de informações, e nisso elas muitas vezes são mais bem estruturadas que governos e empresas privadas. Outra coisa é produzir reportagens com posicionamentos de ONGs partindo do pressuposto de que elas seriam instâncias independentes do Estado e do mercado.
Uma avaliação crítica desse pressuposto, baseada na tese de uma perda de direito do cidadão no acesso às respostas para suas necessidades e de uma desresponsabilização do Estado, foi apresentada em 2001 por Carlos Montaño, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em seu livro Terceiro Setor e Questão Social: Crítica ao padrão emergente de intervenção social (São Paulo: Cortez Editora, 2001).
A atuação de ONGs vem sendo estudada no Brasil já há algum tempo. No que se refere à sua ligação com os setores público e privado, por exemplo, o livro A Perda da Radicalidade do Movimento Ambientalista Brasileiro: Uma contribuição à crítica do movimento (Florianópolis: Editora da UFSC, 2000), de Agripa Faria Alexandre, professor do Instituto de Ecologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina, afirma que o ambientalismo perdeu sua espontaneidade, o seu ativismo político crítico e ganhou força como bandeira oportunista para empresários, publicitários e agências ambientais de governo.
Uma interessante e rica abordagem sobre as tendências do ambientalismo brasileiro, principalmente no que diz respeito à sua atuação em meio às dificuldades para implantação de políticas públicas, foi apresentada recentemente por Leila da Costa Ferreira, da Unicamp, e Sérgio Tavolaro, da Universidade Federal de Uberlândia, no artigo ‘Environmental Concerns in Contemporary Brazil: An Insight into Some Theoretical and Societal Backgrounds (1970s–1990s)’, publicado na edição de junho do International Journal of Politics, Culture and Society (2008, 19:161–177).
Enfim, longe das paranóias conspiracionistas contra as ONGs, é mais do que necessária uma revisão dos pressupostos dos procedimentos da imprensa em relação a essas entidades.
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Jornalista especializado em ciência e meio ambiente, editor do blog Laudas Críticas