Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

As coisas têm nome

O PSDB, nos tempos de Fernando Henrique, aprovou o Fator Previdenciário, que na prática reduz o valor das aposentadorias. Agora vota para extingui-lo, porque as circunstâncias socioeconômicas da dialética do pós-moderno se modificaram. Os petistas, que se esgoelaram de tanto protestar contra o Fator Previdenciário, porque na prática reduz o valor das aposentadorias, agora votam para mantê-lo, porque é necessário pagar menos aos aposentados para reequilibrar a economia e mantê-la em condições de garantir os avanços sociais da população mais carente que deixou de ser menos carente graças à sábia política de avanços estratégicos polissegmentados, mas pode voltar a ser mais carente se a lei não for feita conforme a orientação dos setores esquerdistas comandados por Joaquim Levy, Kátia Abreu e a ala mais avançada do Partido Progressista, o PP.

Os meios de comunicação, no geral, publicam essas besteiras, e fingem que as levam a sério. E toca a descrever as divergências de Renan e Eduardo Cunha com Mercadante, nebulosas conversas de que os repórteres não participaram em que políticos falam mal de aliados e manifestam sua desesperança, a divulgar declarações de Carlos Lupi a respeito de sua luta esquerdista, em defesa dos trabalhadores, a comentar a disputa entre Força Sindical e CUT sobre as melhores maneiras de garantir os assalariados neste mundo cruel. Tudo bem: se os meios de comunicação querem levar tudo isso a sério, que o façam. Difícil é pedir que os consumidores de informação acreditem em Papai Noel (e Mamãe Noela) e paguem para ler bobagem.

Papel é caro, tempo de rádio e TV é caro. Por que não dar nome às coisas, deixando de lado toda a baboseira de interesses nacionais que, considerando-se quem diz defendê-los, são sempre exclusivamente pessoais?

>> O PSDB e parlamentares da oposição votam contra o governo, mesmo que o governo adote medidas que eles mesmos tomariam se tivessem poder para isso. Seu objetivo é enfraquecer a presidente Dilma e seus aliados e mantê-los fracos até as próximas eleições presidenciais;

>> O PT e parlamentares da situação votam a favor do governo, mesmo que sejam contra as medidas propostas. A chefe falou, está falado. Seu objetivo é derrotar a oposição e enfraquecê-la, para que o governo ganhe força e tenha mais condições de ganhar as próximas eleições presidenciais.

>> Há um ponto fora da curva: rejeitar a indicação de Luiz Edson Fachin para o Supremo seria uma derrota feia para Dilma, e no entanto o PSDB não parece muito interessado em rejeitá-lo. O senador Álvaro Dias, um dos mais frequentes oradores tucanos, recomendou a aprovação de Fachin; o governador paranaense Beto Richa foi com Fachin ao Senado (se bem que sua presença, depois dos últimos eventos em Curitiba, talvez seja uma forma maquiavélica de destruição de imagem). Três senadores tucanos dos mais importantes, Tasso Jereissati, José Serra e Aécio Neves, trocaram a sabatina de Fachin por mais uma homenagem a Fernando Henrique Cardoso, em Nova York, com direito a bons jantares e excelentes vinhos.

Por que esse desinteresse? Basta verificar quantos senadores e deputados estão no alvo da Operação Lava Jato e serão julgados pelo STF para avaliar a disposição de Suas Excelências de ficar mal com seus ministros – que já estejam lá ou que possam logo vir a estar. Melhor deixar pra lá.

Enfim, a reportagem em Brasília conhece tudo isso. Mas talvez tenha perdido o hábito de chamar as coisas pelo nome que as coisas têm. Até Fernando Henrique está chamando a ladroeira de “malfeito”. Repórter também.

 

Quando os animais não falavam

Não faz muito tempo, a advogada Magda Brossard Iolovitch encontrou a carta que seu pai, Paulo Brossard, então ministro do Supremo, enviou ao presidente Itamar Franco, em 30 de dezembro de 1992, com um pedido a respeito da nomeação de seu sucessor.

Merece ser lida: é a prova de que a decência tem seu lugar no Brasil (a resposta do presidente Itamar Franco é também de notável elegância e compostura). Nestes tempos em que um cavalheiro indicado para o Supremo contrata três empresas caríssimas para ajudá-lo em sua empreitada, como se nomeação para o mais alto tribunal do país fosse uma campanha eleitoral, as duas cartas são um sopro de bons ventos numa casa poluída. A carta de Brossard:

“Ita, querido amigo. Desde ontem és o Presidente da República. Daqui te envio os mais calorosos votos de bom sucesso em tua ingente tarefa.

“Com a liberdade nascida do afeto, quero fazer-te um pedido, impessoal e em benefício do país. Uma das mais altas atribuições confiadas ao Chefe do Estado, ao seu critério, sabedoria e patriotismo, reside na escolha dos magistrados superiores da República, precipuamente do mais alto deles. No teu Governo haverá pelo menos uma vaga no Supremo Tribunal Federal. A partir de 05 de abril de 94 eu poderei aposentar-me; chegado o dia 23 de outubro, querendo ou não, serei aposentado. De modo que, se não forem outros os decretos da Providência, uma vaga ocorrerá no Supremo e a ti caberá provê-la. Tens bem mais de ano, por conseguinte, para pensar no assunto. Exatamente para que não sejas surpreendido, em meio ao alude de problemas e preocupações, é que, com antecedência, te dou a notícia.

“Pode ocorrer que surjam candidatos, mas é preciso não esquecer que ninguém, por mais eminente que seja, tem direito de postular o cargo, que se não pleiteia, e aquele que o fizer, a ele se descredencia; seu provimento é entregue à integridade, descortino e senso de responsabilidade do Presidente da República, sujeito apenas ao prazme do Senado Federal.

“Pensando no lustre do teu governo, faço esta lembrança para que possas melhor cumprir essa delicada função, “entre todas melindrosa e sagrada”, no dizer de Rui. Eu de mim ficarei feliz, por ti e pelo Supremo Tribunal Federal, que hoje tenho a honra de integrar, se o escolhido para substituir-me for, como espero, melhor do que eu.

“Este o pedido que faz o velho amigo, que te deseja os maiores êxitos no exercício da suprema chefia da nação”.

Nenhum pedido que não seja institucional, nenhum pedido de favor pessoal. Vale prestar atenção no terceiro parágrafo: quem se candidata a uma vaga no Supremo deixa, por este único motivo, de merecê-la.

 

Campanha permanente

O pior é que a campanha não é apenas por uma cadeira no Supremo. A campanha é hoje permanente, a luta pelos corações e mentes dos eleitores é contínua, caríssima (e somos nós que a pagamos). Um exemplo delicioso está em três publicações diferentes na internet, postadas por pessoas de nomes diferentes, com o texto rigorosamente idêntico – por coincidência, naturalmente. O BlogDilmaBR2, o BlogdoBrasil3 e o BlogDilmaBR3 noticiam:

>> “Brasil registra retorno de capital estrangeiro”.

A coincidência ocorre porque os receptores do material não querem ter o menor trabalho antes de divulgá-lo. O material bruto é produzido por uma central e distribuído a pessoas que devem utilizá-lo como base para suas postagens – mas que, sabe como é, ninguém está vendo, se limitam a compartilhar, que dá menos trabalho.

 

Junto aos arcanjos

Muitos garotos, focas de tudo, alguns jornalistas mais experientes, o notável Woile Guimarães, com 21 ou 22 anos, como chefe supremo. Era a Folha de S.Paulo, um jornal que iniciava o processo de recuperação que o levaria a se transformar num dos veículos mais importantes do país. Ali, entre futuros astros como Rolf Kuntz e Renato Pompeu, havia um jornalista já consolidado na profissão: Miguel Arcanjo Terra.

Muitos deixaram a Folha, Terra ficou. Integrou uma equipe famosa da Folha da Tarde, que tinha a dura tarefa de tentar competir com o Jornal da Tarde, e lá também fez sucesso; e acabou deixando o jornalismo pela publicidade, onde se firmou rapidamente como um grande redator. Jornalista, publicitário, homem de comunicações completo. E que agora nos deixa: Terra morreu na semana passada, enquanto dormia. Um amigo a menos neste mundo.

 

Como…

Acredite: houve época em que a maioria dos jornalistas era capaz de usar o pronome oblíquo com certa precisão. Mudou muito.

De um grande portal noticioso, ligado a um grande grupo de informações:

** “(…) ela fez um desabafo no Facebook acusando [o irmão] de o afastá-la da família (..)”

Até que dá sentido, embora destrambelhado. O ideal é ler sem prestar muita atenção, para que os pronomes desnecessários passem despercebidos.

 

…é…

De um grande jornal impresso, referindo-se a um de seus mais conhecidos e brilhantes colaboradores:

** “Ignácio Loyola de Brandão”.

Que, na verdade, é “Ignácio de Loyola Brandão”.

 

…mesmo?

De um grande portal noticioso, louco para usar termos em inglês na cobertura de um evento social. Só não chamaram Preta Gil de Black Gil porque não sabiam como escrever o nome em inglês errado. Mas vamos à festa: a matéria começa informando que Preta se casou com seu “personal training” – em português, seria algo como “treinamento pessoal”, e ninguém se casa com seu treinamento. Mas vai em frente: diz que o casal de conheceu numa festa promovida por uma “prometer” carioca. E que é que a jovem prometeu? Nada, claro: ela não é “prometer”, é “promoter”. Ou, naquela língua de que a gente tanto gosta, “promotora”, promotora de eventos. E que fez a “prometer”? Garantiu que na festa, promovida na casa de uma milionária carioca, e que durou a noite inteira, houvesse drinques especiais e muita comida. Que é que queriam que houvesse na festa?

Uma sugestão: surgiu na matéria um “personal training”. Já havia “personal trainer”, “personal stylist”, “personal shopper”, até mesmo “personal organizer”. Que tal providenciar um “personal revisor”?

 

Frases

>> Da diretora de TV Marlene Mattos: “Não se cria nada na TV, todos chupam tudo.”

>> Do jornalista Palmério Dória: “Este Senado está fazendo o que pode pra ser pior que o da ditadura.”

>> Do jornalista Gabriel Meissner: “Me respeita que eu sou do tempo em que o Casseta & Planeta era engraçado.”

>> Do jornalista Diego Escosteguy: “Dilma mandou oferecer a Renan até a Transpetro. Quando políticos como Renan recusam cargos desse tamanho, você sabe que o governo está a caminho do cadafalso.”

>> Do escritor Paulo Coelho, citado pelo jornalista Marco Antônio Araújo: “Quem inaugurou a delação premiada, como sabemos, foi um sujeito chamado Judas.”

>> Da jornalista Maria Júlia Coutinho, Moça do Tempo do Jornal Nacional: “Monalisa me ensinou o quanto é fundamental o olho no olho, quando você tem um parceiro no telejornal.”

>> De um anúncio não-fúnebre: “Ao contrário do equívoco publicado por veículo carioca, informamos a todos que o Sr. Francisco Camargo encontra-se muito bem e está em casa com a família, onde no dia (…) vai comemorar o seu aniversário.”

 

E eu com isso?

Agora, como diria a revista Seleções, vêm os Flagrantes da Vida Real. Nada dos jogos de sombra da política, dos ladrões repetindo o “roubei mas não fui eu”, dos prefeitos que acham que cuidar das cidades é jogar tinta nas ruas, dos administradores que não apenas conhecem todos os problemas que não foram resolvidos como sabem em quem jogar a culpa – que, naturalmente, nunca é deles. Vida real, portanto!

** “Fátima Bernardes é vista fazendo comprinhas”

** “Kim Kardashian e Kanye West vão renovar os votos de casamento”

** “Bartenders de casamento de Preta não gostaram de ser chamados de garçons”

** “Haylie Duff dá as boas-vindas ao primeiro filho”

** “Sophia Abrahão e Sérgio Malheiros viajam de férias”

** “Jennifer Aniston diz que no dia que engravidar ninguém acreditará”

** “Bruno Gagliasso e Deborah Secco prestigiam desfile”

** “Kylie Jenner esclarece que não usa drogas”

** “Yasmin Brunet aparece em foto de novela”

** “Bruce Jenner pega vestidos ‘emprestado’ e irrita a ex-mulher”

** “Vladimir Brichta relaxa surfando no Rio de Janeiro”

** “Pai de Jamie Dornan diz estar muito orgulhoso do filho”

** “Denise Del Vecchio e Paulo Gorgulho aterrissam juntos no Rio de Janeiro”

** “Jaque Khury aproveita tarde de folga e renova guarda-roupa”

** “Naldo busca a mulher e a filha no aeroporto”

** “Alessandra Negrini corre para não perder voo no Rio”

** “Fernanda Gentil se diverte com o afilhado na Disney”

** “Kelly Key quase beija Sílvio Santos”

** “Fiorella Mattheis passeia no shopping com sua cachorrinha”

** “‘Jamais enrole suas meias como bolas’, diz guru da arrumação”

 

O grande título

O mundo está confuso. E as manchetes também:

** “Chorando, vilã de Babilônia lidera desejos de telespectadoras da Globo”

** “Oposição precisam entender que Unasul não é ‘sindicato de governos’, diz secretário-geral”

Em ambos os casos, uma coisa é certa: alguém certamente será capaz de entender o que querem dizer essas manchetes. E o trecho “oposição precisam entender” é transcrição literal.

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação