Por que a imprensa tem tanta dificuldade em fazer autocrítica? É claro que essa pergunta não me surgiu hoje, mas o que me fez escrever foi o papel da imprensa no seqüestro da estudante Eloá Cristina Pimentel.
Na segunda-feira (13/10), o Brasil recebeu a notícia de que um rapaz de 22 anos estava fazendo refém sua ex-namorada, de 15 anos. Foram inúmeras reportagens sobre Lindemberg Fernandes Alves, um rapaz trabalhador, que não bebe, não fuma, tem dois empregos para ajudar a família.
Com o passar das horas, o rapaz foi sendo narrado como um criminoso seqüestrador desequilibrado. Diante disso, uma gama de profissionais passou a ser entrevistada: psiquiatras, advogados, especialistas em segurança, psicólogos, criminalistas foram submetidos a perguntas do tipo ‘o que o rapaz estava pensando quando entrou no apartamento?’, ‘qual o objetivo dele ao colocar uma camisa do São Paulo na janela?’. E por aí ia um festival de sandices.
No segundo dia, o rapaz falou com uma emissora de TV e o espetáculo ficou mais dantesco quando apresentadores José Luiz Datena e Sonia Abraão chegaram a bater boca no ar para decidir quem tinha a equipe de reportagem mais competente, quem fazia um jornalismo mais ético.
É possível?
A partir daí, entrevistados, apresentadores, pastores passaram a falar com o rapaz por intermédio da televisão. Ao mesmo tempo, vários comentaristas de segurança (nova denominação para repórter policial) começaram a repetir a seguinte frase ‘este rapaz está fazendo um passeio pelo Código Penal’, enquanto outros estimaram a pena dele em 40 anos.
Considerando que no contato telefônico o rapaz deixou muito claro que seu maior medo era ir para prisão e levar tiros, segundo suas próprias palavras, não seria uma questão ética evitar comentários sobre a punição que ele iria sofrer ao sair de lá? Era de conhecimento de todos que ele estava assistindo televisão e ouvindo tudo. Não seria prudente evitar esse tipo de comentário com o objetivo garantir o sucesso da operação?
Em relação à imprensa, qualquer questionamento de seu papel nisso tudo é respondido pela seguinte frase: ‘Estamos fazendo nosso trabalho’. Vocês acreditam que é possível fazer jornalismo nos meios de comunicação de massa de forma diferente, mais humana e com mais respeito?
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No meio de uma agonia como um seqüestro, cárcere privado, ou o ‘ mano que pegou a mina para provar seu amor’. Muita gente ficou na expectativa do desfecho. Diante do final mortal desse fato (estou escrevendo as 14h54 de sábado, 18, e Eloá não foi dada como morta, mas viver em estado vegetativo é estar viva?) abriram-se várias rodas de conversas, dentro delas especialistas em segurança, promotores, psicólogos, o diabo a quatro. Coletivas sendo cobertas, frases feitas, questionamentos constantes e um bocado de lamentos e condenações.
Afinal, nessa muvuca alguém vai confrontar o trabalho da imprensa? Alguém vai ‘cortar na própria carne’? Alguém vai admitir que não tinha preparo e mesmo assim falou com uma pessoa desequilibrada que mantinha reféns? Alguém vai tomar do remédio amargo do fracasso e vai dizer que não deveria ter dado tanta notoriedade para um rapaz que estava ameaçando pessoas? Alguém vai admitir que nessa infindável procura por ‘furos’ a dita ética jornalística foi pras cucuias? Alguém admite que com o estandarte do ‘Essa é a função do jornalista’ todos os limites éticos, morais, pessoais, civis, políticos, econômicos que sejam respeitados ou/e desrespeitados são coisas justificáveis? E são?
A imprensa é holofote para um bocado de coisa, mas ela precisa urgentemente voltar o holofote para si. (Andreia Neves, bancária, Salvador, BA)
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Gostaria de saber se a cobertura da imprensa sobre o seqüestro das adolescentes não poderia ter sido mais discreta, uma vez que o agressor obteve pela televisão a posição dos policiais, suas estratégias (até certo ponto) e entrevistas exclusivas (o que pode, psicologicamente, ter dado força para ele). Há possibilidade de alguma emissora ser responsabilizada? Houve agressão ao Estatuto da Criança e do Adolescente quando expuseram os nomes das adolescentes, suas imagens e a situação em que se encontravam? (Paulo Henrique de Brito Oliveira, bancário, Fortaleza, CE)
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Até quando sofreremos esse complexo de Super-Homem (Clark Kent) para querer ter visão de raio-X para penetrar numa parede de apartamento do CDHU onde se desenvolve um drama humano na periferia de Santo André?
Dessa vez as redações se superaram conseguiram o telefone do seqüestrador Lindemberg Alves, de 22 anos, guindado da noite para o dia a grande estrela de televisão. Além da Rede TV!, que colocou no ar o autor da façanha, a Rede Record também falou diuturnamente com o menino de dois revolveres.
Os erros foram se avolumando. O menino assustado cedeu lugar ao homem fanfarrão, auto-suficiente e autojustificado, para gáudio da audiência e também dos militares, que esfregaram as mãos pressentindo um desfecho na base do bangue-bangue a que estão acostumados principalmente na periferia, manipulando gente que eles não respeitam.
Patético foi ver uma apresentadora tentando manter a linha de conduta perante o seqüestrador, que a tratou como uma negociadora leiga por vários minutos no ar. Depois, no dia seguinte, reagindo a vociferações de outro programa sensacionalista, p seqüestrador se defendeu, gabando-se de seu caráter ilibado do réu primário que havia dado a honra de falar aos microfones da rede TV. E àquela hora, o novo herói de papel da periferia falava à Rede Record congestionando as linhas de negociação. Confronto e constrangimento no ar.
A Record resolveu partir para o ataque tirando o caráter sagrado do ex-santo do dia, que mesmo com dois revolveres na mão submetia duas garotas à sua sanha. Ninguém é covarde com revolver na mão.
O certo é que o rapaz manteve o medo constante da prisão com o qual entrou no apartamento da ex-namorada. Pendurou até a camisa de seu time na janela, mas não disfarçou que temia aquela polícia que todos nos acostumamos a ver com um certo receio. Será que ele teve alterado o desejo de se entregar quando vislumbrou a fama diante de tantos apresentadores de TV?
Até quando participaremos sem culpa deste circo da audiência? Até quando participaremos do trabalho de dificultar à musa Têmis a tarefa de fazer justiça? Lembremos que ela é cega e, desorientada pelos nossos gritos e vociferações, não será capaz de distribuir o que sua balança promete. (Fausto José de Macedo, jornalista, São Paulo, SP)
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Está aí o desfecho que a imprensa queria. Era necessário invadir o apartamento pois o programa do Datena estava para terminar e não seria justo atrapalhar o final de semana do jornalista. Bebam o sangue das vítimas da televisão. Os jornais estampam fotos imensas, está garantido o final de semana dos editores, temos assunto para pelo menos mais uma semana. Bebam o sangue das vítimas dos jornais. As rádios, missão cumprida. Bebam o sangue das vítimas das ondas do rádio. Saúde malditos, saúde. Se empapucem nesse mar de sangue e de insanidade, se lambuzem, se fartem. Saúde malditos, missão cumprida. Jornalista não é fiscal de nada, não foi eleito para isso, e este Observatório é só mais um observatório fascista ao governo federal [sic]. (Francisco de Assis Freire, pedagogo, São Paulo, SP)
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Gostaria de saber a avaliação dos profissionais do OI sobre a ação das emissoras de TV no caso do seqüestro de Santo André. Com o desfecho do fato, vejo apenas a imprensa culpando a polícia. Mas, e os veículos de comunicação de massa, especialmente TV, que o seqüestrador tinha constante acesso? Tratavam-no como coitado, usavam pseudoespecialistas (por sinal sem ética ao abordar um caso apenas em tese, sem conhecer o fato), informavam sobre ações da polícia, mostravam a movimentação da polícia, faziam um perfil de star do acusado, brigavam para falar com ele (ocupando o celular do acusado para interesses de cada emissora), inclusive dar conselhos! Tudo por uma luta por audiência.
Onde está a responsabilidade e ética da imprensa? Alguns cogitando a morte da jovem Eloá para dar mais dramaticidade. Onde está a checagem das fontes? Onde estão os princípios do jornalismo? Todos precisam rever suas ações. (Katia Muniz, professora, Rio de Janeiro, RJ)
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Buscam o verdadeiro culpado? Esta culpabilidade foi a primeira pergunta de ‘jornalistas’ para a polícia de São Paulo. No meu entender, os verdadeiros culpados e responsáveis pelo desfecho deste e de outros casos horripilantes são jornalistas, apresentadores de programas mundo-cão e outros que tais, que feito urubus andam atrás de qualquer carniça para explorar, explorar e explorar… sem nenhum profissionalismo, sem nenhuma capacidade investigativa e de ouvir. A começar dos holofotes permanentes sobre bandidos e manchetes diárias sobre brutalidades 24 horas ininterruptas pelos canais de comunicação, além das perguntas/coberturas medíocres e burras que dirigem àqueles que prestam serviços. Senhores deuses da verdade! Ouçam-se, assistam-se e envergonhem-se! Assina: ser humano envergonhado por tanta falta de humanidade. (Sônia Cristina Silveira, turismóloga, São Paulo, SP)
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Acompanho regularmente o Observatório da Imprensa pela TV Cultura e gostaria de sugerir uma discussão para o próximo programa: a cobertura do seqüestro das adolescentes em Santo André. Em que pese que a atuação da polícia possa ter sido para lá de desastrada – colocando de novo a adolescente Nayara sob a mira do revólver do seqüestrador –, não teria contribuído para o desfecho trágico a própria atuação dos canais de televisão que, em busca da melhor audiência, se dedicaram a entrevistar o seqüestrador? Isso não teria interferido na negociação entre a polícia e o criminoso? E as câmeras focadas 24 horas por dia também não se puseram a serviço do seqüestrador, uma vez que ele estaria sendo plenamente informado de cada passo dos policiais apenas ao ligar a TV? Questão: acima da liberdade da imprensa, não deveria se colocar a responsabilidade social dos próprios órgãos de imprensa? (Andrea Ferreira, tradutora, São Paulo, SP)
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Caro Dines, gostaria do seu comentário sobre a cobertura da mídia sobre esse seqüestro de Santo André, pois houve um tremenda especularização com o episódio, principalmente da TV Record, que a meu ver não tem ética jornalística nenhuma. Seus repórteres chegaram a fazer insinuações sem fundamento técnico algum e, mais absurdo, entrevistaram o seqüestrador (a Rede TV! Também) num claro desrespeito aos seus telespectadores nessa busca desenfreada pela audiência. (José Rocha, administrativo, Bauru, SP)
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Alberto Dines, diante do lamentável episódio em Santo André, gostaria que você opinasse sobre qual foi a produtividade da imprensa em entrevistar o seqüestrador. A imprensa não tem que avaliar riscos antes de tomar uma posição como essa ou foi um ato somente jornalístico? (Sabrina Rodrigues. estudante de jornalismo, Rio de Janeiro, RJ)
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Eu gostaria de saber o que vocês acham da imprensa que ficou telefonando para o seqüestrador sem ter preparo de negociador, e depois só fala da policia e não fala do seu papel como se tudo fosse possível em nome da liberdade de imprensa. Inclusive colocar em risco a vida das pessoas, pois nunca vi tanto analista falando do que ia acontecer com o rapaz e falando com ele como se conversasse com um pop star. (Silvia Monteiro, artesã, São Paulo, SP)
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Gostaria que comentassem a atuação da Rede TV! durante o seqüestro das duas meninas em São Paulo – Eloá e Nayara. A emissora telefonou para a casa de Eloá e falou com o seqüestrador. Essa exposição da mídia não poderia ter incentivado o Lindemberg a agir da forma que agiu?
A imprensa não deu também a devida cobertura ao fato de nossos policiais não estarem preparados para fazer essas negociações e permitir contatos amadores como o que a Rede TV! tomou a liberdade irresponsável de fazer. Vejam o fato noticiado aqui. (Woodson F. de Carvalho, professor e doutorando em semiótica, Belo Horizonte, MG)
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Gostaria de sugerir um programa sobre a atuação da imprensa nesse episódio. Para mim, ela foi uma das grandes responsáveis pelo desfecho trágico. (Márcia Mendes, jornalista, Rio de Janeiro, RJ)
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Professora, Porto Alegre, RS