Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Blog do Zé Dirceu

TV PÚBLICA
José Dirceu

O Brasil precisa de um sistema público de radiodifusão, 09/04/07

‘O sociólogo e jornalista, Laurindo Lalo Leal Filho, professor do programa de pós-graduação da da Faculdade Cásper Líbero e da USP, discute nesta entrevista, um modelo de TV pública para o país, fala sobre a chegada da TV digital e a necessidade de uma nova Lei de Comunicação de Massa.

José Dirceu: A recente polêmica sobre a criação da TV pública mostrou que existe uma confusão entre os conceitos de sistema de comunicação estatal e público. Como você vê essa questão? Como construir um sistema público de TV?

Lalo: O Brasil está atrasado 80 anos em relação a uma rede pública de televisão. Essa discussão começou no Brasil e na Europa, em 1920. Naquele momento, era o rádio. O Roquette Pinto criou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923. É muito interessante olhar a história do Brasil e da Inglaterra. A BBC foi fundada em 1922, apenas um ano antes. Os dois fundadores tinham o mesmo discurso, mesmo sem se conhecer. O Roquette Pinto aqui e o John Reith, um engenheiro calvinista escocês, que entrou, na administração pública, por concurso. Viu um anúncio em um jornal — ‘precisa-se de um diretor’ — e foi lá.

Qual era papel do rádio? John Reith dizia que o papel do rádio não era fazer dinheiro, porque é um serviço público. O Roquette Pinto dizia que era para levar aos lares brasileiros a produção cultural do país etc. Os discursos eram muito semelhantes. Nós começamos na radiodifusão com a idéia de um modelo público, como os europeus. Ao longo da história, eles caminharam para o modelo BBC. Eu fico incomodado quando ouço frase do tipo ‘não sabemos o que é modelo público’. Está lá, desde a década de 20. A BBC é o modelo mais bem acabado, embora outros países também tenham esse modelo público. Alguns combinam o modelo público com uma presença maior do Estado; outros têm até a presença de propaganda. Mas é modelo público, não estatal, de radiodifusão.

Como eles fizeram lá, na Inglaterra, para sustentar o modelo? Eles criaram uma taxa; todos os que compravam o aparelho de rádio pagavam uma taxa para manter a BBC. O Roquette Pinto fez a mesma coisa, coletava dinheiro da inteligência carioca para manter a rádio. Por isso, se chamava Rádio Sociedade, era uma sociedade de amigos que se cotizavam para ouvir música clássica, para comentar os jornais de manhã. Você, ainda hoje, sai pelo Brasil, anda pelo sul de Minas e encontra emissoras que mantêm no nome as palavras clube ou sociedade.

José Dirceu: Passa Quatro tem. Rádio Clube Passa Quatro.

Lalo: Tem Rádio Clube e Rádio Sociedade pelo Brasil todo. Essa idéia de clube e sociedade é clube e sociedade de ouvintes. Essas são as origens. Na BBC, o governo britânico fez isso institucionalmente; aqui, foi feito fora do Estado. A BBC criou essa taxa que permanece até hoje, o que a torna independente do Estado no financiamento. O financiamento é este e acabou, não tem propaganda, dinheiro do orçamento, nada. É com esses recursos que a emisora tem que se virar. Às vezes cai a arrecadação da taxa; então, tem que demitir gente.

Aqui no Brasil, na década de 30, depois que o Roquette Pinto começa, aparecem outros empreendedores do rádio e aí se percebe que o rádio pode ser um grande negócio. O Getúlio, no seu primeiro governo, em 1932, permite 10% de propaganda no rádio, e abre o caminho para que esse modelo comercial vá se expandindo. E o modelo público vai sendo esquecido. Em 50, surge a televisão no Brasil, no mesmo modelo do rádio, ou seja, é um empreendimento comercial, para ganhar dinheiro. E a TV tem, no Brasil, com o Chateaubriand e depois com Roberto Marinho, uma vinculação muito forte com empresas jornalísticas, donas de jornais, o que gera uma confusão muito bem explorada pelos donos desses meios, sob o bordão: ‘é liberdade de imprensa’; ‘rádio e televisão têm que ter liberdade de imprensa’. Confundem a liberdade de empreendimentos privados, que são os jornais, com a exploração de concessões públicas exercidas pelo rádio e pela televisão.

Do modo como o rádio e a televisão se desenvolveram e se consolidaram no Brasil, a sociedade só conheceu o modelo comercial. Na Europa, foi consolidado o modelo público.

Apenas em três momentos da história se pensou em radiofusão pública no Brasil. Com Roquette Pinto, na década de 20, e, depois, com a Fundação Padre Anchieta em São Paulo, em 1969. Para instalar a TV e Rádio Cultura, foi criada uma fundação de direito privado, nos moldes da BBC mas sem o financiamento público. O financiamento é do Estado e com controle público. O Conselho curador é um órgão autônomo. Na verdade, o Canal 2 já existia, era concessão dos Associados, e foi assumida pelo governo do Estado, na administração Abreu Sodré. Como o governo do Estado de São Paulo adquiriu a TV Cultura é uma história complicada. Mas esse foi o segundo momento de se pensar na radiofusão pública no Brasil.

O terceiro momento foi na Constituinte, que incluiu um artigo que diz ‘o modelo de radiofusão do Brasil deve respeitar a complementariedade entre os sistemas público, privado e estatal’. Mas aí ficou-se no enunciado. Temos TVs públicas mas não temos um sistema público.

José Dirceu: A introdução da TV digital não pode significar um ponto de ruptura no modelo predominantemente comercial? O Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTV-T) cria quatro canais públicos que podem ser transformados em 16 se se adotar o padrão standard, no lugar da alta definição. Me parece um momento especial porque a maior parte dos canais não comerciais, como das TVs Câmara e Senado, do Jucidiário, do Executivo e mesmo canais comunitários e universitários, hoje é transmitida na TV por assinatura, que é paga e fechada. E a TV Digital abrirá espaço na TV aberta, onde estão apenas algumas emissoras educativas.

Lalo: Sem dúvida, mas temos que ir com cuidado com essa questão da digitalização. Temos que ver onde vai ficar a TV pública, jogar nos canais 60 e no 69, como está previsto no decreto, é jogar no canto. Na Europa, a TV pública nunca foi complementar. Aqui, a idéia é que a TV pública sempre foi complementar ao modelo comercial. O que não interessava para as emissoras comerciais, a TV pública fazia. Regiões onde não havia interesse de mercado, a Radiobrás ia lá cobrir. Na época da ditadura, puseram uma emissora da Radiobrás em São Félix do Araguaia e em outros lugares. Esse é um exemplo. Havia essa questão política. Colocaram em Fernando de Noronha, quando houve a Guerra das Malvinas. Ficaram com medo de que alguém viesse invadir…

Então, sempre essa idéia da televisão pública complementar. Eu temo que, com a digitalização colocando os quatro canais no 60 ou 69, a TV pública continue complementar.

José Dirceu: É possível construir o sistema público a partir das emissoras públicas que já existem, ou o modelo deve ser construído dentro da TV digital agregando o que puder ser agregado?

Lalo: Antes de responder à pergunta, quero destacar que, talvez por causa da digitalização, foi esse o governo que, pela primeira vez, discute uma rede pública nacional de televisão. Eu participei, recentemente, do Observatório Nacional com o ministro Luiz Dulci e ele falou: ‘A discussão de TV pública é antiga’. Eu disse: ‘Realmente é antiga nos estados, mas fragmentada’. Para usar a expressão do presidente da República, nunca neste país se discutiu um projeto de uma rede pública nacional de televisão. Uma coisa que eu gostaria de ter visto no começo do primeiro governo Lula. Enquanto você não tiver um sistema público, sob controle da sociedade – não é para acabar com a comercial, mas para mostrar que existe uma outra possibilidade alternativa -, fica difícil você democratizar o país, porque você só tem uma visão das coisas.

Sobre as emissoras estaduais e regionais, há uma fragmentação e uma diversificação de formatos jurídicos, de relação com os governos e com a sociedade. É difícil você articular tudo isso num projeto só.

José Dirceu: Mas pode viabilizar uma parte de grade em comum, se tiver qualidade numa rede pública nacional e se ela tiver capacidade política, ela pode compartilhar vários programas com as emissoras estaduais…

Lalo: Pode. Eu acho que, do ponto de vista do conteúdo, essas emissoras que temos no Brasil todo, não comerciais, já têm massa crítica suficiente para compor a programação de uma rede nacional. Agora, não pode ser uma articulação entre elas porque não daria certo, nem política, nem juridicamente, porque cada uma tem um modelo de organização.

José Dirceu: Mesmo porque nos estados, cada um tem um grupo político de um partido que controla. E não é nem o partido do governo estadual.

Lalo: Tentou-se criar, em 1998, a ABEPEC (Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais) e não deu certo. Temos um problema em São Paulo sério. O grupo que comanda a Cultura quer construir a Rede Cultura, com ramificação pelo país. É um projeto que vem do governo (Geraldo) Alckmim e a Rede Cultura estaria engajada politicamente no projeto presidencial, como esteve, embora a TV Cultura não tenha virado de fato uma rede. E esse é o exemplo da rede mais pública que existe no país. Já pensou as outras? Uma é ligada à chefia de gabinete da Casa Civil, outra ao secretário da Educação, outra à secretaria de Cultura, outras são autarquias. É uma miscelânia. Não dá para montar um sistema público a partir de uma simples junção.

José Dirceu: Como você imagina a construção desse sistema público?

Lalo: A minha opinião é que o governo federal tem que impulsionar essa rede do ponto de vista institucional, jurídico e do ponto de vista técnico. Não é muito difícil. O governo federal tem duas emissoras de televisão importantíssimas, que não são Rede Globo, mas têm condições de crescer. A TVE do Rio de Janeiro e a TV Nacional de Brasília. Se você tivesse uma outra de São Paulo estaria iniciado o processo.

José Dirceu: Imagino que se tiver, nessa programação, um bom de noticiário, filmes, novelas, programas esportivos, culturais e científicos, não será difícil conseguir a adesão de emissoras educativas estaduais e de outras emissoras públicas porque a maioria delas padece da falta de recursos.

Lalo: Lógico. A própria Cultura de São Paulo já distribui sua programação. Só que não pode ser noticiário partidário, como vi algumas vezes no jornal da Cultura, durante a ultima campanha presidencial. A rede pública não é para ser nem contra, nem a favor do governo. Tem que ser o que o nome diz pública.

O conteúdo das emissoras não comerciais já dá para fazer uma boa grade de programação. As TVs legislativas estão fazendo bons programas. Outro dia, eu recebi um e-mail de Hermínio Bello de Carvalho sobre um programa que eu faço. Ele falou uma coisa com a qual eu concordo. As emissoras legislativas, TV Senado e TV Câmara, estão fazendo programas culturais que eram obrigação das emissoras educativas e que deveriam ser feitos por elas. Mas não fazem ou por falta de dinheiro, ou por entrarem no modelo comercial.

José Dirceu: Seu ponto de vista é que a base da TV pública tem que estar na TVE, do Rio de Janeiro, e na TV Nacional, de Brasília. E como vê o papel da TV digital na construção do sistema público?

Lalo: Essa história do digital ainda vai demorar um tempo. Pelo decreto do SBTVD-T, o prazo para terminar a migração do analógico para digital são 15 anos. Até todo mundo comprar o conversor de sinais, a caixinha…

José Dirceu: Mas o brasileiro tem uma capacidade enorme de assimilar as novidades. Foi assim com a loteria esportiva, o carro a álcool, a TV a cores, o celular. O Brasil tem uma capacidade… Nós não temos 2 mil anos de civilização, temos só 500 anos e é muito pouco. O país não está formado culturalmente, ele é permeável.

Lalo: Vamos até admitir que o processo se acelere…

José Dirceu: Outra coisa, tudo no Brasil é pago em dez vezes.

Lalo: Casas Bahia vai vender isso.

José Dirceu: Desde que o governo comece a implantar e fomente a universalização dos conversores, eu acredito que o processo vai andar. Como as emissoras não comerciais vão digitalizar suas redes? Quem vai financiar?

Lalo: Eu estou participando deste fórum de TVs Públicas, no Ministério da Cultura. Imaginava que o centro da discussão seria a construção do sistema de rede pública de televisão. Começamos a discutir em novembro, mas a principal preocupação das emissoras presentes era saber como governo iria financiar a digitalização de suas redes. O anúncio, pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, da Rede Nacional de TV Pública, em que pese seus equívocos, teve o mérito de ajudar a colocar a discussão do Fórum nos trilhos.

José Dirceu: Você falou há pouco que o preocupa a localização, em canais elevados, dos canais públicos da TV digital. Por quê?

Lalo: Minha impressão é que nós corremos o risco de termos, novamente, uma televisão pública complementar. Ela vai ficar no 60, 69 e as outras todas ficarão abaixo do canal 21. Existe um hábito arraigado de você assistir a Globo, o SBT, a Record, até o canal 21, no máximo. Se você passar cada canal público para o modo standard, vamos ter 16 canais, que vão ficar lá na ponta a partir do 60 ou 69. Pode ser que, com o tempo, as pessoas se acostumem, mas mudar hábito não é fácil.

O que me preocupa é que se você quiser fazer uma televisão pública séria, você vai ter uma grade de programação diferenciada. O ritmo da TV pública deverá ser um pouco mais lento, levar mais à reflexão. O povo brasileiro não está acostumado a isso; ele está acostumado ao clip, ao massacre. Você não tem idéias que levam mais do que dois minutos e meio. Em qualquer lugar, não estou falando só de jornalismo, em tudo. Porque senão, o telespectador se distrai e muda de canal. Uma televisão com um outro formato precisa de tempo para formar um outro público.

Minha opinião é que, para se ter a comparação próxima entre o canal público e o comercial, eles tinham que estar bem próximos no dial.

José Dirceu: Entre a Record, Globo e SBT.

Lalo: Isso. Eu achei estranho o decreto que cria o SBTVD-T já definir a posição dos canais públicos.

José Dirceu: Como deve ser a relação entre o sistema público e o sistema estatal de comunicação? Devem coexistir?

Lalo: Eu acho que a Radiobrás tem uma estrutura que permite uma separação entre a agência estatal, que deve continuar – agência de notícias, Voz do Brasil, o Café com o Presidente -, e esse sistema público de que estamos falando. Acho que os sistemas separados têm que ser separados, não sei se dentro da Radiobrás. Um estatal, controlado pelo Estado, e outro público, onde o Estado é só um ator ou lado de outros atores da sociedade..

José Dirceu: Qual a sua expectativa em relação a esse Fórum Brasileiro de TVs Públicas?

Lalo: A minha expectativa é que se reunissem ali todos os atores das TVs não comerciais e dali surgisse uma proposta de uma TV pública, da Rede Pública Nacional. Mas os interesses particulares começaram a se destacar, porque o grande problema é que os canais não comerciais não têm dinheiro para a digitalização. Havia o risco de o fórum se reduzir a isso. Agora, acho que esse fato novo da Rede Nacional de TV Pública vai dar outra dimensão aos debates.

José Dirceu: Vamos falar um pouco dos meios de comunicação comerciais, a concentração em poucos grupos econômicos. Há alguma possibilidade de o sistema público no Brasil conseguir fazer um contraponto a essa hegemonia, no médio prazo?

Lalo: O sistema público não tem esse poder, mas terá o poder de mostrar à população que há uma alternativa, de conteúdo e de forma de linguagem, ao modelo comercial. E só. A questão da concentração não se resolve por aí, pode ajudar um pouco, mas ela se resolve com uma nova Lei de Comunicação Eletrônica de Massa. A lei de radiodifusão é de 1962, tem 45 anos. Neste país, a radiofusão transita num vácuo legal, pela antigüidade da lei e pelo cipoal de decretos e leis particularizadas para um setor ou outro. A legislação é toda fragmentada.

A nova Lei de Comunicação Eletrônica de Massa terá de dar conta de duas questões principais. Uma é a da concentração; terá de impedir a concentração, a propriedade cruzada. Não dá para o mesmo grupo ter jornal, revista, televisão, rádio. E a outra questão se refere à agência reguladora. Não sei se chamaria de agência reguladora, mas você tem que ter uma autoridade para o setor. Não haverá democratização dos meios de comunicação de massa sem uma nova lei.

José Dirceu: Hoje, me parece que os ingleses juntaram tudo, comunicações e telecomunicações, numa agência só, a Ofcom.

Lalo: Exatamente. Diante da convergência, eles fizeram o contrário do que fizemos no Brasil. Reuniram os diferentes órgãos reguladores no Office of Communications, o Ofcom que controla rádio, televisão, telefonia, publicidade, etc. Aqui fizeram o contrário. O Código Nacional de Telecomunicações, que reunia radiodifusão e telefonia, foi desmembrado no governo FHC para permitir a privatição das teles e deixar o rádio e a TV sob a lei antiga. Na verdade, para ficar sob uma lei que não existe, tão defasada que ela é.

O outro objetivo importante para uma lei moderna, democrática de comunicação eletrônica de massas é a criação da agência reguladora, para dar conta de todo o processo de concessões. As concessões no Brasil são uma grande caixa preta. Ninguém sabe quando uma concessão começa, quando acaba. Os processos passam pelo Congresso, mas burocraticamente.

Não há nenhum mecanismo de controle. Eu morei na Inglaterra e acompanhei a concessão do terceiro canal comercial. Havia as duas BBCs e dois privados. Quanto ao terceiro, eu acompanhei o debate dos grupos que se formaram, conglomerados, porque não era uma empresa só, mas um conjunto de empresas que formaram o consórcio para entrar na licitação. Eu fui a um debate onde estavam os quatro grupos. Cada um apresentava a sua proposta – a financeira você não sabia, só depois – de programação, ‘nossa grade vai privilegiar isso, aquilo’. E o debate foi ao Parlamento, a imprensa debateu. Isso falta no Brasil. Neste ano, acabam as cinco concessões da Globo e vai passar batido. Esse é um problema, a lei de comunicação é fundamental.

O Sérgio Motta (ex-ministro das Comunicações), no começo do governo Fernando Henrique, fez um anti-projeto que avançava, falava da agência reguladora, depois ele mesmo abandonou a discussão…

José Dirceu: Uma coisa não elimina a outra, você pode começar a criar um sistema público e, em paralelo, fazer o debate da nova lei.

Lalo: Parece que o Hélio Costa também está mexendo na lei. No site da Anatel, li uma nota recente dizendo que, até julho, ele apresenta um projeto de Lei de Comunicação Eletrônica de Massa.

José Dirceu: Mas, para aprovar uma nova lei, que atenda aos interesses da sociedade, será preciso eleger 150 deputados e 30 senadores, comprometidos com essa causa. Neste momento, uma proposta desse tipo não passa. O Congresso hoje tem 120 deputados que podem votar a favor dessas teses, e 15 senadores. De um total de 513 e 81, respectivamente. Você precisa mudar a composição do Congresso, fazer a reforma política. É assunto para oito, 12 anos. Eu acho que tanto o Fórum, a discussão da nova Lei de Comunicação Eletrônica de Massa e esse debate de TV pública estão ajudando. Nós estamos num momento em que a reação contrária não foi tão grande. Os radiodifusores estão com muitos problemas, estão divididos e têm um assunto grave os ameaçando, que é a convergência da mídia. Eles temem que as teles distribuam conteúdo.

Lalo: Eu participo desse debate desde o início dos anos 90. Já tive debates em audiências públicas com o pessoal da Globo. Eles não podiam ouvir falar em mudar a lei, em se ter uma lei moderna. Agora, tem que ter uma lei. Tem que regular.

José Dirceu: O que os radiodifusores querem é a reserva de mercado

Lalo: Com o discurso da defesa do conteúdo nacional.

José Dirceu: Em parte, eles têm razão, porque a Globo é a única, na América Latina, que não foi desnacionalizada. Isso não quer dizer que a grade dela é melhor ou pior do que as outras que foram. Muitas foram desnacionalizadas por grupos latino-americanos. Sou a favor da proteção do conteúdo nacional, mas não pode haver reserva nas redes de distribuição de conteúdo. Isso vai contra o princípio da democratização dos meios de comunicação.

Lalo: Quando se começou a discutir que a TV digital era a grande oportunidade que a tecnologia oferecia à sociedade para democratizar a radiodifusão, eu até escrevi um artigo, ‘A última chance’. Mas é preciso saber como vai ser usada essa tecnologia no novo modelo de negócios. Esse é o problema. Corremos o risco, na TV digital, de repetir o que aconteceu com a TV a cabo.

No final dos anos 80, se discutia essa questão da concentração, da qualidade da programação: ‘Não, isso não será problema porque teremos a TV a cabo, com 100 canais para as pessoas escolherem’. O que aconteceu? Duas coisas. Primeiro, o mercado brasileiro não absorveu como se esperava a TV a cabo. Se falava em dez milhões de assinantes no ano 2000. Era essa a previsão em 1990. E temos hoje 4,6 milhões. Dois, os mesmos grupos que controlam a televisão aberta são os que controlam a TV a cabo. Quantos canais a Globo tem na Net? Teve ter uns oito.

Então, o temor é que se repita, com a TV digital, o que aconteceu com o cabo. E pelo andar da carruagem, se nada for feito, vai acontecer isso. O que os concessionários estão querendo? A aposta na alta definição, usar os 6 megahertz para a alta definição e uma mini interatividade que permita um comércio fácil através da televisão. O que esperávamos era um aumento dos players, dos jogadores nesse negócio, dos produtores. Que esses canais fossem divididos, esses outros quatros, para mais produtores.

José Dirceu: A definição pelo padrão japonês e o fato de o decreto do SBTVD-T contemplar a alta definição não afastaram, de vez, essa possibilidade no caso das emissoras comerciais?

Lalo: Mas ainda há a possibilidade da multiprogramação, mesmo com esse padrão. Cabe a sociedade exigir uma regulamentação do uso do espectro que dê essa garantia. Caso contrário, para que servirá a TV digital? Para vermos o mesmo conteúdo, invariavelmente pobre, das TVs comerciais, em imagens mais nítidas? E para que o consumismo se torne ainda mais exacerbado, com a possibilidades de compras instantâneas pela TV? Se for para isso, é melhor ficar como está. Será fazer um uso medíocre de uma tecnologia de ponta, potencialmente capaz de alargar nossos horizontes culturais e ampliar os nossos níveis de cidadania.’

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