O Ministério da Justiça acatou solicitação feita pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) para que o órgão federal declarasse que o horário de verão não é considerado um novo fuso horário para fins de aplicação da classificação indicativa dos programas de televisão. O pedido das emissoras busca desobrigá-las de obedecer o horário local nos estados do Nordeste, onde o relógio estará uma hora atrasado em relação ao horário das cidades onde estão as cabeças-de-rede das emissoras a partir da 0h do domingo (19). Ou seja, as empresas queriam um salvo-conduto para, de outubro a fevereiro, transmitir programas em horário inapropriado para esta região.
Segundo a Assessoria de Imprensa do Ministério da Justiça, a decisão foi baseada em declaração feita pelo próprio órgão no ano passado, em que se reconheceu que horário de verão e fuso horário não se equiparam. Mas a pasta irá rever a medida caso haja um posicionamento desfavorável do Ministério Público Federal, que é, em última instância, o responsável pela fiscalização da aplicação da classificação indicativa.
Procurada pelo Observatório do Direito à Comunicação, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão declarou na noite de ontem (16) que ainda não havia sido informada oficialmente sobre a decisão. Apenas depois deste comunicado oficial, o MPF poderá decidir sobre uma recomendação ao Ministério da Justiça.
A reação de entidades da sociedade civil foi imediata. O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social enviou carta ao MPF solicitando que este pronuncie-se contra a suspensão da validade do artigo 19 da Portaria 1.220/07 que regulamentou a classificação indicativa durante o horário de verão. O texto lembra que as outorgas de TV são concedidas regionalmente, portanto o as emissoras não devem ser tratadas ‘como se fossem nacionalmente um grupo único’. Além disso, o documento ressalta que há jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, que aponta a relação de equivalência entre horário de verão e fuso horário.
Para Guilherme Canela, da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), não há nenhuma razão para que o ministério modifique o entendimento consolidado na portaria de que a aplicação da CI deve obedecer o horário local. ‘O espírito da regulamentação é que esta é uma regra fundamental’, avalia Canela. Ele ressalta, ainda, que a publicação da Portaria 1.220 teve como marca a democracia e a participação. ‘Portanto, ela traz em si um elemento que não pode ser ignorado: qualquer processo de mudança no seu conteúdo deveria contar com a participação do mesmo conjunto de atores mobilizados à época. Uma decisão monocrática do ministério, como essa, fere este princípio que está contido na regulação da classificação indicativa.’
Horário polêmico
A vinculação entre a classificação indicativa e o horário local foi um dos principais pontos da queda-de-braço entre as emissoras e o MJ, com as entidades de defesa da criança e do adolescente ao seu lado. Às grandes redes nacionais de TV não interessava ter de adaptar suas grades de programação nos estados do Norte e Centro-Oeste, onde a diferença em relação à Brasília era de duas horas no Acre e parte do Amazonas, chegando a três durante o horário de verão.
Publicada a portaria, a Abert mudou a estratégia e partiu para o Congresso Nacional, buscando modificar a lei que institui os fusos horários do Brasil. Conseguiu que se aprovasse rapidamente a extinção de um dos fusos, o do Acre, e a mudança de horário também na porção oeste do Pará, que seguia a hora de Manaus e agora ajusta-se à Brasília.
Nas últimas semanas, a mesma Abert passou a questionar o horário de verão, que entra vigor pela 38a vez no país e tem como objetivo a redução de consumo de energia elétrica. A alegação da Abert é de que o horário de verão não constitui um novo fuso horário.
Indefensável
O parágrafo único do artigo 19 da Portaria 1.220 estipula que a ‘vinculação entre categorias de classificação e faixas horárias de exibição implica a observância dos diferentes fusos horários vigentes no país’. Portanto, por uma questão lógica, a argumentação da Abert não sustenta a modificação das transmissões na região Nordeste uma vez que a mudança no horário local se dá nos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste (Goiás e Distrito Federal).
Assim, as emissoras teriam duas opções. A primeira é ignorar, como defendem, o horário de verão e seguir transmitindo de acordo com o fuso horário original de Brasília, o que não acarretaria nenhum problema em relação à classificação indicativa. Isso porque um programa classificado para as 20h chegaria às casas do Sul, Sudeste e Centro-Oeste às 21h, respeitando a indicação da portaria. A segunda é adiar a transmissão dos sinais em uma hora para as regiões onde os relógios serão adiantados, caso queiram manter com rigor as suas grades de programação históricas em todo o país.
O problema para as grandes redes é que suas ‘cabeças’ estão em São Paulo e no Rio de Janeiro. Inverter esta lógica em favor do respeito aos direitos das crianças parece ser um custo muito alto para os empresários.
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Do Observatório do Direito à Comunicação