‘Um texto jornalístico nunca dá conta de toda a realidade que pretende descrever. O jornalista faz o que os estudiosos do assunto chamam de ‘recorte da realidade’, ou seja, narra alguns aspectos de determinado fato, mesmo porque, em qualquer hipótese, é impossível apreender toda a realidade. Naturalmente, o jornalista é treinado para revelar os aspectos principais do que vai noticiar. Se ele escrever sobre um acidente, por exemplo, terá, obrigatoriamente, de informar se houve mortos ou feridos. Se o redator descreve um jogo de futebol, tem de dizer aos leitores qual foi o placar, quais jogadores marcaram gols, descrever os principais lances da partida.
Mas, nem sempre as coisas são simples e objetivas. Um aspecto de determinado assunto pode parecer de pouca importância para um repórter e ser visto como relevante para outro. Além disso, cada vez mais, o jornalista vem perdendo o poder de determinar sozinho, como ‘especialista’, o que é e o que deixa se ser essencial em determinado fato. Escrever deixou de ser uma via de mão única na qual só trafega o jornalista. Os leitores, como já anotei por várias vezes nesta coluna, estão cada vez mais atentos e preparados para confrontar o que lêem.
Na edição de domingo passado, o caderno Ciência & Saúde publicou a reportagem ‘Retrato do alcoolismo’, tendo como principal fonte de informação o médico Arthur Guerra de Andrade, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). Guerra também é presidente do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), organização não-governamental (ONG), com a qual ‘pretende angariar fundos para a pesquisa’ sobre ‘os padrões de consumo de álcool em países latino-americanos’, objeto principal da reportagem. O texto da matéria é assinado por Fábio de Castro, editor da Agência Fapesp (veja abaixo como funcionam as agências de notícias).
No mesmo dia da publicação, recebi correspondência da leitora Regina Stella Façanha Elias Cymrot, pesquisadora do assunto, tendo ela apresentado uma dissertação sobre políticas públicas ligadas ao álcool para concluir o mestrado em Saúde Pública pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Regina Stella questionou o fato de a matéria não informar que o Cisa é ‘patrocinado pela indústria do álcool’, pois a Ambev (a maior cervejaria da América Latina) ‘é financiadora das pesquisas do Cisa e do dr. Arthur Guerra de Andrade’. A leitora acrescenta outras críticas à matéria, vendo ‘nitidamente a omissão, provavelmente, proposital de informações, pesquisas e propostas de combate ao problema (do alcoolismo)’.
À leitora respondi, de pronto, concordando que a reportagem deveria ter informando, obrigatoriamente, que o Cisa é financiado pela Ambev, por ser um aspecto significativo no contexto do assunto. Entendo, porém, que o fato de o médico presidir uma ONG financiada por uma cervejaria não desqualifica, a priori, o seu trabalho. Escrevi também ao editor da Agência Fapesp, Fábio Castro. Ele anotou em sua resposta: ‘Acho que você tem absoluta razão ao afirmar que a informação sobre a ligação de Guerra com o Cisa não poderia ser omitida’, mas pondera ser necessário, ao se redigir uma notícia, fazer ‘escolhas editoriais’, tendo ele optado ‘por fechar o foco no aspecto científico, que é o objetivo da agência Fapesp’.
Fábio argumenta sobre a importância de retomar o tema em ‘outras matérias’, dar voz ao contraditório e à ‘sociedade civil’, o que, diz ele, a agência Fapesp faz ‘ao longo dos dias’, no ‘conjunto’ de suas reportagens. Mas, diz o jornalista, ‘não se pode colocar em cada notícia todos os aspectos e desdobramentos éticos, sociais, econômicos, políticos e mesmo científicos dos temas’. E continua: ‘A matéria não era motivada pela ONG, propriamente, mas pela informação relevante que um especialista renomado na área defende a realização de uma ampla pesquisa sobre o consumo de álcool’. Fábio ainda ressalta ser Arthur Guerra um ‘especialista importante’ em sua área de estudo, sendo fundador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea). Para o jornalista, pode-se ‘contestar dados de suas pesquisas de forma objetiva; mas, como você disse (o ombudsman), não acho que se possa desqualificá-lo cientificamente a priori’.
Juliana Matos, editora do caderno Ciência & Saúde do O Povo, disse o seguinte: ‘Regularmente, uso o material da agência Fapesp, por ser uma agência de notícias séria e que disponibiliza vasto material sobre as mais novas pesquisas científicas desenvolvidas no Brasil e no mundo. Nunca tive problema com as matérias. Neste caso, acho, realmente, que uma informação importante foi suprimida da reportagem (a ligação do especialista com a Ambev)’. Portanto, pelo que se pode ver, não há discordância, nem mesmo do autor da matéria, sobre a necessidade de se ter informado sobre a ligação do Cisa com a Ambev. Mesmo porque, a própria matéria revela, a ONG teria como objetivo ‘angariar fundos para a pesquisa’, sugerindo que ela não os tem. Se a Ambev a financia, ela tem recursos, pelo menos uma parte. Informação a que os leitores teriam (e têm) direito de ter.
Agência de notícias
Todos os jornais trabalham com agências noticiosas, pois não têm como estar em todos os lugares. As agências de notícias mantêm correspondentes nos principais lugares do mundo (se internacionais) ou nas principais cidades do território nacional, no caso das brasileiras. A produção dessas agências é comprada por jornais, rádios e TVs, que têm o direito de reproduzir os textos, editando-os da forma que for mais conveniente ao veículo.
O surgimento da internet possibilitou a várias instituições oferecerem notícias via rede. Algumas delas fundaram agências noticiosas para assuntos específicos, como é o caso da Agência Fapesp, ligada à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Das agências comerciais, O Povo assina a Folhapress, Agência Estado e a France-Presse (internacional). As agências não-comerciais, o jornal as escolhe avaliando a sua credibilidade.
A maioria do noticiário nacional e internacional do O Povo é fornecida por agências noticiosas. O leitor poderá identificar as matérias oriundas das agências quando vir a observação ‘das agências’ entre parênteses, no fim do texto. Quando a matéria é assinada, no início do texto vem o nome do autor, seguindo o nome da agência de notícias para o qual ele trabalha.
Atendimentos do Ombudsman nos meses de jan. fev. e mar de 2007
Total de atendimentos 371
E-mail 258
Telefone 100
Fax Cartas 08
Pessoalmente 05
Atendimentos por assunto
Erros apontados 28
Críticas 181
Reclamação sobre assinatura 50
Elogios 14
O Povo on Line 28
Comentários/ sugestões de pauta 70
Erros corrigidos
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Ciência & Saúde 1
Economia 10
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