Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Taken, a busca implacável

Este não é mais um filme de ação. Ou pelo menos não é apenas mais um filme de ação. Afinal, pode-se dizer que a história toda se organiza de forma a legitimar a tortura.


Um pai dedicado procura resgatar sua filha inocente que caiu nas mãos de traficantes de mulheres na cidade de Paris. O que pode ser feito num caso como este? Literalmente, tudo. Inclusive, e principalmente, torturar os malvados. Assim, pode-se dizer que o roteiro do filme foi concebido para legitimar a tortura.


A tortura é a mais repugnante forma de tratamento de prisioneiros. Repugnante e ineficaz porque, na maioria das vezes, a vítima da tortura diz qualquer coisa para se livrar dos tormentos que lhe são impostos. Nesse sentido, é inegável que a verossimilhança do filme termina onde começa a eficiência da tortura levada a efeito na tela grande.


A tortura como vingança também é uma sugestão bastante forte neste filme. O herói não se contenta em retirar do informante o que ele pode fornecer. Ao contrário, o personagem precisa submeter o prisioneiro imobilizado à mais terrível forma de execução.


Assisti a Taken ao lado de dois adolescentes. Os dois vibraram durante as cenas de tortura. Foi exatamente por isto fiquei preocupado. Na saída do cinema, disse aos dois, que são filhos de amigos, que o filme poderia ser considerado uma peça de propaganda sutil e refinada da tortura. Eles duvidaram. Então fiz uma comparação entre Taken e os filmes nazistas feitos especialmente para estimular o ódio aos judeus. Como aquele dirigido por Goebbels em que a inocente heroína ariana não pode se casar por causa da dívida que seu pai tem com um agiota. É preciso dizer qual a religião do agiota?


Torturadores, não; justiceiros


É preciso dizer qual a cor dos vilãos em Taken? Todos têm a pele levemente escura. Especialmente o árabe que compra a inocente americana seqüestrada em Paris.


Taken não só justifica a tortura. O filme faz um verdadeiro corte entre dois universos irreconciliáveis: o mundo dos castos homens brancos ocidentais e o mundo dos lascivos homens de pele escura originários do Oriente Médio e adjacências. Tendo sido concebido, produzido e divulgado neste exato momento em que a tortura é utilizada pelos americanos, em que a Guerra ao Terror originou uma verdadeira campanha histérica contra tudo que é árabe, Taken cumpre um papel bem maior do que divertir. Fixa preconceitos, justifica a barbárie sob um argumento sentimental.


Mas voltando à tortura. Na vida real, o que ocorre quando o torturado foi preso por engano? Que dizer dos torturadores brancos de olhos azuis como aqueles das fotos feitas na prisão de Abu Ghraib? Os fãs de Taken certamente dirão que os enganos são justificados pelos acertos e que os brancos dos olhos azuis não são torturadores; são justiceiros.

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Advogado, Osasco, SP