O dia 17 de outubro de 2008 vai entrar para a história. Talvez vire uma marca, como o 11 de setembro, e passe a simbolizar algo mais que um número no calendário. A data foi marcada por uma total prova de despreparo de algumas instituições e principalmente, de desrespeito para com a vida do outro.
Assim como todo brasileiro, fui obrigado a assistir ao caso do seqüestro de Santo André no ABC paulista. Fiquei impressionado com as palavras de um defensor público que, documento em punho, ostentava toda a pompa de um doutor advogado e pronunciava as seguintes palavras diante das câmeras:
‘Estou aqui para assegurar a integridade física e a dignidade do sr. Lindemberg.’
Aos menos avisados, o referido sr. Lindemberg é o facínora de 22 anos que, desde os 19, mantinha relações amorosas com uma criança de 12 e que, no referido momento, estava mantendo a sua ex-namorada em cárcere privado sobre a mira de um revólver. Esse mesmo ‘senhor’ conseguiu paralisar praticamente todo um condomínio por mais 100 horas e brincou com a PM de São Paulo diante das câmeras de jornalistas de todo o Brasil. Como se não bastasse causar tanto tormento, ainda feriu gravemente a sua ex com dois tiros, um na cabeça e outro na virilha e alvejou na boca a melhor amiga dela.
Ampla cobertura
Esse ‘senhor’ cometeu todas esses crimes bárbaros por um motivo torpe. O fim de um relacionamento. O mais interessante disso tudo foi a ausência do pessoal dos Direitos Humanos no desfecho do caso. Com certeza, se a polícia tivesse alvejado o rosto do seqüestrador-assassino com armas de precisão (snipers), os chefes da operação e o atirador estariam sendo processados neste momento por essa entidade tão respeitada, mas que só existe para auxiliar os errados.
O caso Eloá-Lindemberg deixa exposto um outro lado terrível do ser humano. A imprensa urubu. Essa parte do setor de comunicação praticamente vibra quando aparece um caso como esse. De início, foi menosprezado, como uma atitude irresponsável de um adolescente de 22 anos amargurado e armado. Ana Maria Braga ofereceu o telefone e abriu espaço para a ligação do seqüestrador, mas ele não ligou. Que pena.
Porém, pouco tempo depois, o astro desse filme de terror e suspense, concedeu uma grande entrevista pelo telefone para a Rede Record. Talvez pela emissora possuir um canal aberto de 24 horas de notícias. O mais horrendo foi ver a mudança de impostação de voz do repórter da Record News quando o caso rompeu a barreira das 100 horas. Mas isso não foi nada. O importante foi a ampla cobertura das ações da polícia e do seu grupo especial anti-seqüestro, levando essas imagens e informações para todos os lares brasileiros, inclusive o cativeiro. Será que nunca passou pela cabeça dos dirigentes da nossa imprensa a necessidade de afastamento e, principalmente, de ocultamento de algumas ações da polícia em caso de seqüestro? Será a liberdade de imprensa mais útil e necessária que o direito à vida?
Pena pode ser abrandada
Para a imprensa, o vilão da história chama-se Polícia Militar do Estado de São Paulo. A insinuação constante de despreparo por parte da PM paulista em casos como esse foi uma constante e quase unanimidade. O seqüestrador é somente mais vítima da situação que se desesperou com a invasão de policiais e quase impulsivamente atirou a esmo acertando no rosto e cabeça das reféns. Francamente, inverter os papéis dessa forma é demais. Se houve erro na operação de resgate, os meus anos de CSI (Miami e Los Angeles) ainda não me revelaram. Pensando bem, meus instintos me dizem outra coisa. Vejamos alguns fatos de acordo com meu ponto de vista.
1.
Um seqüestrador, querendo impor a sua ordem e lei, negocia com a polícia e não cumpre sua promessa de se entregar.2.
Sabe que está sendo filmado e procura chamar a atenção do Brasil para si, hasteando a sua camisa do São Paulo F.C. na janela. Falando nisso, nem Muricy conseguiu tirá-lo de lá, hein…3.
Manda por telefone o negociador se afastar da história e deixar a bomba estourar.4.
Pede proteção judicial, escrita manualmente por um desembargador, consegue e não se entrega.Essas quatro situações indicam a intenção do ‘rapaz’. Lembro de ter dito a minha esposa: ‘Ele vai matar as duas’. Por sorte, errei a previsão, e ele, um tiro.
O triste fim dessa história acompanhada passo a passo pelos brasileiros nos remete ainda a uma triste realidade. Por ser réu primário, talvez o assassino tenha a pena abrandada. Com bom comportamento na prisão, o rapaz pode ter liberdade condicional cumprindo apenas 2/3 da pena. Uma pena foi ver duas jovens sendo carregadas em uma maca, uma em estado gravíssimo e outra ferida no rosto, enquanto o atirador desceu andando.
Os únicos vitoriosos
A impunidade faz com que casos como esses virem meras estatísticas policiais. O respeito à vida do seqüestrador e das vítimas é igual perante a lei. Por isso, ele não foi morto antes de atirar.
Aos parentes e amigos de Eloá e de sua amiga, meu pesar e um conselho. Exijam assistência dos direitos humanos. E parabéns ao promotor público entrevistado pela Rede Record e ao agora ex-advogado do sr. Lindemberg. Eles foram os únicos vitoriosos na tragédia de 17 de outubro em Santo André.
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Estudante de Marketing da Faculdade 2 de Julho, Salvador, BA