Procura-se um culpado que justifique o encerramento trágico do seqüestro de Eloá, ocorrido em Santo André na semana passada. A polícia agiu corretamente? A volta ao cativeiro da amiga de Eloá deveria ou não ser permitida? Os pais dos adolescentes envolvidos agiram corretamente? Como deveriam agir os pais? Como educar filhos? O que ocorre na adolescência?
Na minha área de atuação, surge uma curiosidade a respeito da alma humana. Qual é a personalidade do seqüestrador? O que o motivou a seqüestrar sua ex-namorada? Ciúmes? Frustração?
Estrutura familiar? Mostram-se depoimentos de amigos e familiares dos adolescentes envolvidos na situação com o propósito de procurar alguma característica psíquica de Lindemberg que justificasse seu ato.
A psicanálise estuda o requintado, sutil e delicado processo por que passa a mente humana em seu desenvolvimento desde a infância. Basicamente, esse processo envolve a vivência e a elaboração das experiências afetivas, dando um significado a elas e um sentido para o viver. Uma pena que somente em situações trágicas as pessoas se interessem pela mente humana, presente em todo seu viver, trágico e feliz, dolorido e alegre, no contato e nas relações entre seres humanos, na cultura e na sociedade. Buscar explicações somente no que ocorre no psiquismo não justifica o seqüestro de Eloá. Um seqüestro envolve uma situação muito mais complexa. Estão presentes o indivíduo, a cultura, a sociedade e muito mais em uma trama de relacionamento entre as pessoas e nessas instâncias.
O que se observou na semana passada não foi somente um seqüestro. Foi um fenômeno de psicologia de massas. O seqüestro de Eloá foi o início da explosão de um episódio muito maior que envolveu a todos, tornou-se um acontecimento do qual todas as pessoas participaram. Não fomos somente meros expectadores do seqüestro, e, sim, participantes do evento social do seqüestro. Assistiu-se TV, ouviu-se rádio, buscaram-se notícias sobre o seqüestro -que foi parte integrante da maioria das conversas entre pessoas-, produziram-se notícias. Estimulamos e fomos estimulados por tudo aquilo que podia estar envolvido na situação. Assistimos e participamos de um espetáculo.
Lembrando que não existe o culpado pelo encerramento trágico do referido seqüestro, abro espaço para uma questão.
Por que será que existe um louvável acordo entre os dirigentes dos meios de comunicação de não divulgação de seqüestros que envolvam resgate, para não atrapalhar as negociações, e os seqüestros, como o ocorrido em Santo André, viram um acontecimento midiático? Lindemberg conversou com o negociador policial e com jornalistas na frente das câmaras de TV. Estava em rede nacional 24 horas, diariamente aparecia em jornais escritos e televisivos e na internet. Foi mais citado que qualquer outra pessoa ou acontecimento do mundo na mídia brasileira, enquanto durou o seqüestro. Ele assistia e ouvia, no cativeiro, o mesmo que todos nós. Como ele mesmo disse: ‘Eu sou o cara’.
Lindemberg era participante e telespectador do espetáculo.
Tinha acesso às opiniões emitidas sobre sua personalidade, suas possíveis motivações, seu enquadramento jurídico, declarações de seus amigos e os de suas reféns, etc. Será que alguém imagina ser possível alguma negociação exitosa para a libertação de reféns no espetáculo montado? Afinal, era uma experiência terrível e catastrófica que envolvia o seqüestrador, seus reféns, familiares, amigos e companheiros ou um show?
Espero que os responsáveis pela mídia, pela produção e emissão das notícias tratem situações como a ocorrida na semana passada igualmente àquelas de seqüestro de pessoas que exigem resgate para a libertação de reféns. É necessário que surjam mais situações como essa, com perda de vidas, para se tomar uma posição?
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Psicóloga clínica e psicanalista, coordenadora da Comissão de Mídia da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, professora do Instituto Sedes Sapientia de São Paulo e do Setor de Psicoterapia do Departamento de Psiquiatria da Unifesp