Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A redescoberta da lentidão

Quando me perguntam sobre a velha idéia da leitura dinâmica, sempre me recordo da frase de um monge beneditino: ‘A autêntica leitura é lenta…’ Não sonolenta, mas carregada de profundidade, reflexão… No entanto, sobretudo nas grandes cidades, somos impelidos a agir com rapidez. E como o tempo é escasso, somente técnicas de leitura dinâmica podem me ajudar a ler!

Pressa, pressão! Tensão – só os que têm são. E quem tem corre para manter o que tem e não perder o que ganhou. Um amigo pergunta para o outro: ‘E aí?’ O outro responde: ‘Na correria!’

Correria para onde? Isso é o de menos. O ideal é correr. Almoçar em quinze, vinte minutos (quando há tempo…). Vencer o trânsito intransitável. Ter uma internet veloz (quem não a quer?). Os motoboys simbolizam a urgência. E se alguém fala em prazos, o comentário mais inteligente é esse: ‘Isso é para ontem!’

Por isso, recomendo a todos que corram à livraria mais próxima e comprem Devagar, de Carl Honoré. E que leiam o livro em duas horas, pulando páginas desesperadamente, tentando entender por que é melhor almoçar com calma, o que ganhamos com uma relação sexual demorada, tranqüila, que vantagens há em perder tempo contando histórias para as crianças…

Sejamos humanos

O autor alemão Sten Naldony escreveu um livro (esgotado em português) chamado A descoberta da lentidão. Em dado ponto, seu protagonista, o navegador e pesquisador John Franklin, sintetiza tudo numa sentença fulminante: ‘Sem lentidão nada se pode fazer, nem mesmo uma revolução’.

Desacelerar o nosso estilo de vida, abandonar a contabilização obsessiva dos sucessos, deixar de quantificar, esquecer os recordes no trabalho ou na cama, na rua ou nos esportes… não, não é fácil libertar-se dos ponteiros do relógio, do cronômetro; não é fácil contrariar a mentalidade segundo a qual quem chega primeiro é o melhor. Quem realmente acredita que os últimos serão os primeiros?

Sem dúvida, há hora para tudo, até para sermos rápidos! Há uma hora em que devemos ser velozes. Na medicina, por exemplo, há momentos em que a velocidade é crucial para salvar uma vida.

Na maior parte das vezes, porém, até na medicina, quem tem pressa come cru e quente. Devagar, pois temos pressa! Sejamos humanos outra vez… mesmo que demore! Deixemos para amanhã o que poderíamos ter feito hoje, com o rosto crispado de medo.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; (www.perisse.com.br)