Ação policial desastrada, especulações, uma cobertura patética, sensacionalista, em que só os profissionais que pegam no pesado da rua e da apuração tiveram méritos, fizeram com que a postura de imprensa frente à tragédia de Santo André se tornasse um circo de horror.
Que a imprensa glamouriza o bandido, isso não é de hoje. Que maníacos do parque da vida se tornam ícones, também é um fato lamentável.
Mas a cobertura sobre o caso Eloá, o mais longo de retenção de vítima sob a ameaça do país, extrapolou todos os limites.
Sim, é um caso notório, que merecia destaque, que revela o despreparo de alguns policiais, que revela o poço em que vive a juventude de hoje… que levantaria várias discussões. Que muitos profissionais de imprensa tiveram destaque e valor na cobertura, principalmente os anônimos, e não os apresentadores que ficam esbravejando nos estúdios, também é inegável.
Não houve ‘entrevista exclusiva’
No entanto, a bendita guerra pelo furo, pelo Ibope e por querer ser a primeira em tudo, foi um dos fatores que contribuíram para a morte de Eloá.
Claro, a imprensa não foi a principal culpada. Primeiro foi o lado transtornado do sujeito que reteve as duas garotas (e não me venham falar que ele é vítima de exclusão ou de problemas sociais, pois já vi muita gente em condições de vida piores, mas com dignidade), depois, a falta de planejamento da polícia e para o fim, aí sim, nossa glamourização – (afrancesado mesmo).
Gente, pensem bem….O cara ligava a TV e se via lá… Com seu nome citado, seu perfil, sua biografia… Depois, as emissoras colocavam o criminoso no ar. Ele falava, era procurado.
Juro que não vi um destaque assim para o cara que inventou várias vacinas, para o último Nobel da Paz, para quem descobriu a cura de uma doença… aliás, quem são eles mesmo? Ah, mas o seqüestrador da Eloá, todo mundo sabe… e não vou dizer o nome desse sujeito aqui porque ele já tem seus horários em grandes emissoras.
E o patético furo. O pai da adolescente morta deu duas entrevistas exclusivas para as duas maiores redes de TV do país… Mas, peraí… duas entrevistas, duas emissoras… ué, meu professor de matemática, no segundo ano, eu tinha uns 8 anos de idade, falou que dois é mais que um, meu professor de português falou que um é singular e a partir de dois é plural e que exclusivo é algo único… Então, não teve entrevista exclusiva.
Sem vontade de participar
Aliás, os exclusivos e plantões me irritaram… Exclusivo: uma linha do depoimento; exclusivo: a Nayara se alimentou hoje… Exclusivo: imagem do sujeito a 500 metros… Chega de exclusivos inúteis, de furtos furados.
Mais uma vez, a vida não me agraciou com a saúde que preciso e tive de me afastar, retornando talvez em dezembro.
Nos meus dez anos de carreira, e afastamentos por causa da saúde (que muitos têm e não valorizam), foi a primeira vez que vi um grande caso e não tive a menor vontade de participar de sua cobertura.
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Jornalista, São Paulo, SP