Às vezes fico me perguntando… Aonde vamos parar com o jornalismo atual? E me assusto! O caso Eloá me faz ter vergonha de ser jornalista. Primeiro, porque pseudo-jornalistas tiveram a cara de pau de entrevistar, ao vivo, a celebridade eleita por eles mesmos… Lindemberg Alves, um dos personagens principais do filme, o maldoso antagonista… Pra quê falar com ele? Será que esses interlocutores tinham a arrogância e a prepotência de pensar que o convenceriam a parar com aquilo? Ora me poupem, por favor! Onde está a ética? A preocupação com as vítimas, a qualificação, a experiência no caso? Fazer isso por causa do Ibope? Meu Deus! Que vergonha! Me pergunto, o que passa na cabeça de um jornalista ao dar essa ‘moral’ para um criminoso visivelmente desequilibrado? Que tristeza. Os nossos valores morais, éticos e humanos não existem mais… Que pena… No século 21, por audiência… vale tudo.
Me pergunto ainda… Será que dar o ar de ‘filme de aventura’ a um episódio tão animalesco, porém nem tanto incomum (visto que a violência contra a mulher é vivenciada diariamente nas delegacias do país inteiro), não poderia reforçar o ato criminoso dando essa fama instantânea ao meliante? Será que alimentar o ego do criminoso que se assistia na TV, ao vivo, não é também um crime? Veja que absurdo: o antagonista da vida real sabia que todo Brasil estava de olho nele! Que importante, não? Ele sabia do cerco dos policiais, via que não tinha nenhum policial escalando o prédio, atrás da porta, ou coisas do gênero, e assim por diante…
Faminta por um erro
Me pergunto, que imprensa é esta que atrapalha o trabalho da polícia em nome do Ibope? Suas câmeras deram mais força ao criminoso, que ‘se sentia’ protegido pela opinião pública caso alguém atentasse contra ele. E ele soube usar isso, se aproveitar dos pobres jornalistas desmiolados.
Agora depois do trágico desfecho que culminou na morte da jovem Eloá e no quase assassinato da bela Nayara. (que vai virar celebridade do momento), por que ficar batendo na tecla ‘o criminoso atirou antes ou depois da invasão da polícia?’ O que a imprensa quer agora? Desmoralizar os pobres dos policiais que recebem salário de vergonha? O criminoso é o Lindemberg. Ponto final. Se ele atirou antes ou depois, pouco me importa. O que importa é que ele matou friamente uma garota que tinha uma vida inteira pela frente por pura maldade, com um tiro na cabeça e tentou fazer o mesmo com a outra. E se ele fez isso com tanta agilidade e destreza é porque já estava decidido. Ia fazer mesmo, de um jeito ou de outro. Pois se esse cara tivesse um pingo de dúvida ficaria inseguro ao atirar, hesitaria. Ele tinha certeza de que o final seria aquele e, a meu ver, na cabeça doentia daquele malandro, a ordem dos fatores não alteraria o produto.
Agora me parece que a imprensa quer culpar os pobres policiais que invadiram o apartamento? É essa a impressão que tenho. Os policiais que tiveram que atuar durante toda a negociação, calculando cada passo, pisando em ovos, pressionados pela imprensa faminta por um furo, um erro, um impasse, sangue… ‘Matar Lindemberg com um atirador de elite? Nem pensar… Ao vivo, pro Brasil inteiro ver! A gente vai ser crucificado!’ devem ter pensado os policiais.
Minissérie da vida real
E agora o que mais me entristece… Moro no Vale do Paraíba e aqui temos uma das afiliada da maior emissora de TV do país, temos jornais locais pela manhã, pela hora do almoço e à noite. E quando ligo a TV, lá está um pobre repórter de plantão em frente à Casa de Detenção onde está recluso o tal do Lindemberg. Em todas as três edições do jornal está lá, ao vivo! Me pergunto: afinal, que importância tem, para minha vida, se o tal do Lindemberg comeu, deixou de comer ou tomou banho de sol? Dane-se ele! Qual é o meu interesse nisso? Assim foi com Suzane, com os Nardoni e agora com esse louco do grande ABC.
Que vergonha de ser jornalista. Quanta notícia fútil! Me deixa indignada saber que uma emissora de TV deixa de cobrir matérias de cunho popular para alimentar essa mórbida curiosidade, típica de pessoas mesquinhas, que nada acrescenta à vida de ninguém.
A polícia tem suas falhas, sim, pode ter. Não é de minha alçada julgar. Porém, por tudo que assisti, ouvi e li nos jornais, me leva a ver que no caso específico da Eloá, cuja sua história fatal transformou-se, do dia para noite, em uma minissérie da vida real pela mídia, a imprensa também tem sua parcela de culpa. Melhor seria repensar o ‘ser jornalista’ até a próxima tragédia ao vivo!
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Jornalista, Lorena, SP