O segundo turno de uma campanha eleitoral tende a ser o ápice da bipolarização. O contexto não é um versus o outro, este contra aquele, ou direita disputando com a esquerda. O imbróglio se dá entre o bem e o mal. E a guerra, sendo de discurso, tem como campo de batalha o espaço midiático.
Nas propagandas eleitorais de TV em São Paulo, as assessorias de comunicação dos candidatos resolveram mostrar para o eleitor a situação atual da cidade. Ambas construíram seus discursos utilizando instrumentos do jornalismo televisivo para a ‘captação’ e transmissão da realidade: imagens dos locais retratados, depoimentos de cidadãos envolvidos, locuções explicativas de fundo e cabeças apresentadas pelos candidatos em estúdios impecavelmente iluminados e com cenários devidamente montados.
Em princípio, é de se supor que os programas produzidos tenham exibido diferenças mínimas de teor. Afinal, o tema de ambos é o mesmo (São Paulo) e os instrumentos utilizados, também. Mas, na prática, a semelhança não apenas inexiste, mas dá lugar à discrepância extrema. O candidato situacionista mostra uma São Paulo que caminha bem, com seu povo otimista e satisfeito. Já a candidata oposicionista apresenta uma cidade caótica, com uma população desesperançada e ávida por mudanças urgentes.
Mar de subjetividade
No jornalismo existem várias teorias que tentam entender o porquê das notícias serem como são. Uma delas é chamada de gatekeeper. Sua linha mestra consiste em considerar que as equipes jornalísticas são compostas por vários porteiros (gatekeepers) da notícia. O pauteiro, passando pelo repórter, até chegar ao editor seriam selecionadores de assuntos. Responsáveis pelas portarias das redações, eles têm critérios para decidir o que noticiar e como noticiar.
Tais critérios são pessoais, profissionais, técnicos, enfim, desprovidos de uma precisão universal e objetiva. São, portanto, subjetivos. É claro que não se pode desconsiderar que um time age sempre em busca de um ideal comum. Este ideal do grupo contamina a sua produção, sua ação. Assim como os jornalistas de uma determinada redação têm uma meta para todos, os idealizadores de uma campanha eleitoral também perseguem resultados iguais. Mas o mar da subjetividade é o mesmo.
Reflexo de contos de fada
No jornalismo sério, a diferença é a necessidade de ser mais dialético. É preciso extrair a síntese dos fatos deixando de lado a velha forma simplificadora do bem e mal se digladiando. No jornalismo sério, pelo menos em seu espaço informativo, não existe permissão para afirmações absolutas. Antes, impera a apresentação do contraditório. E do contraditório ao contraditório. No jornalismo sério, é preciso deixar que se misturem o joio e o trigo e prestar atenção na mistura nublada e brilhante nascida do encontro entre sombra e luz.
Com o tempo, a evolução democrática brasileira vai permitir que o jornalismo tenha menos certezas e mais visões. Além disso, as propagandas eleitorais serão cada vez menos um reflexo dos contos de fadas, onde a bruxa ou o feiticeiro são sempre maus (e maus sem motivos, só por ser esta a sua natureza) e o príncipe e a princesa narrados como invariavelmente bons.
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Produtor de TV e estudante de Jornalismo