Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Notícias sobre a ganância

A imprensa deu a volta e não encarou o problema da resistência dos grandes bancos a repassar ao mercado os benefícios que lhes foram proporcionados pelas medidas oficiais contra os efeitos da crise financeira mundial no Brasil.


O risco de o Brasil vir a sofrer mais ou menos com a expansão da crise nascida nos Estados Unidos depende bastante da capacidade do sistema financeiro de continuar financiando negócios e o consumo. Para isso, o governo vem tomando medidas que, segundo os analistas selecionados pelos jornais, podem estimular o mercado e reduzir o impacto de uma recessão internacional.


Mas, dos grandes jornais, aqueles que têm a pretensão da circulação nacional, apenas a Folha de S.Paulo foi ao cerne do problema, ou seja, o jornal paulista tenta explicar aos seus leitores por que os grandes bancos, em vez de colocar o dinheiro em circulação, estão usando os recursos para garantir seus próprios patrimônios.


Círculo vicioso


A Folha noticia na terça-feira (28/10) que o presidente da República telefonou pessoalmente para os maiores banqueiros do país para pressioná-los a abrir as torneiras do crédito, mas as respostas foram desanimadoras.


Segundo a Folha, os grandes bancos preferem usar o dinheiro disponível por conta do incentivo do governo para comprar títulos do próprio governo, atraídos pelas altas taxas de juros. Com isso, a maior parte do dinheiro repassado ao sistema financeiro para estimular o crédito fica no caixa dos próprios bancos.


Com o crédito dificultado, as empresas reduzem atividades e o consumo se restringe, o que pode comprometer o crescimento do Brasil nos próximos anos.


O fato de que os grandes bancos se tornaram mais seletivos no repasse do dinheiro é amplamente conhecido, mas os outros jornais têm evitado essa pauta.


A Folha de S.Paulo apurou que, além da preocupação em reforçar seu patrimônio em meio às incertezas gerais, as principais instituições financeiras do país também estão usando a ajuda do governo para se capitalizar e aproveitar a crise para adquirir alguns dos bancos menores.


Assim, fecha-se o círculo vicioso no qual o medo restringe o crédito e a ganância pode desestruturar o sistema financeiro consolidado há dez anos, a partir do Proer.


Mas apenas uma parte da imprensa está enxergando esse risco.


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Os riscos da política


Os riscos de contaminação da economia brasileira pelos efeitos da crise internacional não se restringem ao movimento natural dos bancos, de buscar mais segurança antes de repassar os recursos ao mercado.


Com as especulações sobre o resultado das eleições municipais nas principais cidades do país, e o lançamento prematuro da disputa pela Presidência da República em 2010, algumas propostas do governo podem esbarrar nos interesses das alianças que já se articulam na política.


Um exemplo do que pode vir a ocorrer já pode ser percebido na reação de parte da imprensa e do Congresso Nacional à proposta de autorizar os bancos estatais a adquirir participação em empresas privadas.


A medida, anunciada como uma forma de criar instrumentos para os bancos oficiais se anteciparem à possível quebra de instituições privadas de menor porte, foi recebida por uma parte dos analistas como uma proposta de estatização do sistema financeiro.


Novas alternativas


Com a campanha presidencial lançada pela imprensa, ficará cada vez mais difícil definir se as reações dos políticos às propostas na economia têm a ver com economia ou com política.


Há cinco anos, quando o atual governo instruiu sua diplomacia a reforçar as alianças com os países vizinhos e buscar alternativas em outros mercados emergentes, a imprensa brasileira, em peso, condenou essa estratégia, que chegou a ser chamada de ‘terceiromundista’.


Hoje, essa medida se mostra positiva, pela posição alcançada pelo Brasil no mercado latino-americano e nas relações com a China e a Índia, o que dá mais alternativas ao Brasil no momento em que a economia americana corre o risco da recessão.


A imprensa errou, e pode errar sempre que a análise da economia é contaminada pelo viés político.