O Observatório da Imprensa de terça-feira (28/10), veiculado pela TV Brasil e pela TV Cultura, exibiu o segundo programa da série de três especiais sobre a mídia argentina, gravados em Buenos Aires. Nesta programa, o jornalista Alberto Dines conversou com os correspondentes brasileiros sediados na capital portenha sobre os desafios de cobrir a região.
Foram convidados os correspondentes Ariel Palacios, da Globonews e de O Estado de SPaulo, que vive em Buenos Aires há mais de dez anos; Janaína Figueiredo, de O Globo, sediada na Argentina há nove anos; Ari Peixoto, que cobre o país para TV Globo há um ano e seis meses, e Jacques Gomes, do SBT, que vive na Argentina há cerca de um ano e estuda a América Latina há uma década. O cenário para a conversa foram os estúdios da Rádio Palermo, uma das mais tradicionais do país.
Dines perguntou para Ariel Palacios sobre o que mais interessa ao leitor brasileiro em relação às notícias argentinas. Palacios comentou que cresce o número de brasileiros que desejam informações sobre o país devido aos vínculos comerciais bilaterais. O interesse mais forte é sobre os rumos da economia, mas a política também tem destaque. Janaína Figueiredo relembrou que durante as crises econômicas de 2001 e 2002 chegava a enviar até três matérias por dia para o Brasil.
Pólo gerador de notícias
Palacios explicou que, diferentemente do Brasil, os escândalos políticos na Casa Rosada geram instabilidade na área econômica argentina. Outro foco de interesse, na visão do correspondente, são as notícias sobre Direitos Humanos e sobre o julgamento de militares envolvidos em crimes cometidos durante a ditadura militar.
‘Buenos Aires, assim como Washington, Paris e Londres, tem que estar presente no cardápio diário do leitor brasileiro’, disse Palacios. A Argentina produz notícias para o Brasil constantemente, enquanto outros países da América Latina merecem destaque apenas ocasional. Além de notícias sobre política e economia, o leitor brasileiro também se interessa pela cultura e pelo esporte argentinos, informou a correspondente de O Globo.
O primeiro interesse dos brasileiros, na visão de Ari Peixoto, é ‘saber se está mais barato’, se o câmbio está favorável. Muitos turistas brasileiros escolhem como destino da primeira viagem internacional a capital argentina. Mas o correspondente considera que hoje os viajantes estão também interessados em conhecer o país e não apenas em fazer compras. Há uma consciência de que o que ocorre na Argentina repercute no Brasil porque o continente está interligado.
América Latina mais integrada
Dines comentou que a imprensa brasileira não dava atenção aos vizinhos ‘cucarachos’, mas que o panorama está mudando. Jacques Gomes concordou e acrescentou que a integração foi promovida por iniciativas como o Mercosul. Além das trocas comerciais, há também um intercâmbio cultural. Para o correspondente do SBT, o motor das notícias é a economia, mas os assuntos não se restringem ao setor. Hoje, informações sobre as peculiaridades da Argentina interessam aos leitores brasileiros.
Após décadas de uma ditadura sangrenta, a Argentina está vivendo um ‘bom momento’, na opinião de Ari Peixoto. O correspondente da TV Globo destacou que presidentes como Fernando Lugo (Paraguai), Hugo Chávez (Venezuela), Michelle Bachelet (Chile) e Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) estão mudando o perfil da região. Janaína Figueiredo ressaltou que a ‘onda esquerdista’ aumenta o interesse na América Latina.
Outra questão levantada por Dines na conversa com os correspondentes foi se o governo argentino tenta impor a sua versão dos fatos na cobertura de escândalos que ficaram conhecidos como ‘valisagate’ e ‘banheirogate’. Ari Peixoto afirmou que isso não ocorre porque o casal Kirchner sequer recebe a imprensa estrangeira. A correspondente de O Globo destacou que o ‘valisagate’ interessa a toda a América Latina porque há muito tempo especula-se sobre uma suposta ingerência do presidente Hugo Chávez em governos da região. Caso fique comprovada a ligação do presidente venezuelano com o dinheiro encontrado na Casa Rosada, haveria provas concretas de que Chávez de fato injeta dinheiro nos governos aliados.
Um modelo de imprensa?
Para Janaína Figueiredo, é preciso olhar para a mídia argentina de forma crítica. Apesar de os jornalistas serem bem preparados para a profissão, os meios de comunicação argentinos são pouco transparentes em relação a seus interesses. ‘Não se sabe para quem jogam’, observou a jornalista. Será preciso olhar com cautela o trabalho da imprensa argentina e ler as matérias pensando no interesse que poderia haver ‘por trás’ delas.
A imprensa argentina é uma das melhores da América Latina, na opinião da correspondente de O Globo. Na Venezuela, por exemplo, a mídia opositora é um ‘partido político’ e a de direita, ‘oficialista’. Por isso, é preciso cuidado e independência para não ser contagiado pela ‘paixão’ dos jornalistas locais. Ari Peixoto acrescentou que a mídia venezuelana, de forma geral, é ‘encardida’. Para Janaína Figueiredo, os venezuelanos exercem o jornalismo com intenção política.
Dines questionou se há interesse, no Brasil, sobre notícias a respeito da mídia argentina. Ariel Palacios comentou que apenas ocasionalmente há espaço para informações sobre os meios de comunicação argentinos em jornais brasileiros. Não há uma regularidade, já que é uma pauta que depende da conjuntura do momento. O surgimento de jornais como Perfil e Crítica e o aniversário de vinte anos do Pagina12 foram objeto de reportagens, mas isso não é uma rotina. A conflituosa relação do casal Kirchner com a imprensa, principalmente o Grupo Clarín, também foi alvo de matérias.
La Nación, Clarín e Pagina12
Um dos ícones da imprensa na América Latina, La Nación foi fundado em 1870 por Bartolomé Mitre, um dos pais da república argentina, e ainda hoje é referência na área. Dines pediu aos convidados que comentassem sobre a influência atual do jornalão. Janaína Figueiredo destacou que a posição do jornal em relação ao governo é clara: ‘Sabemos que o jornal é opositor e o lemos como opositor’. Já o Clarín não teria um posicionamento claro. A correspondente avaliou que o La Nación tem os melhores colunistas da imprensa argentina e conta com um bom time de repórteres.
Ariel Palacios comentou que o jornal é mais rigoroso em relação à publicação de números e estatísticas se comparado com os outros periódicos argentinos. O Clarín, por exemplo, pode publicar determinado número na primeira página e dentro do jornal informar outro valor. A imprensa argentina tem um texto elegante, mas falta seriedade e precisão. Outra característica do La Nación levantada por Palácios é a pouca atenção ao tema dos direitos humanos. Para o correspondente, o fato de os leitores desse periódico serem identificados com posições de direita e ligados aos militares pode determinar a linha do jornal. Ari Peixto avaliou que o La Nación em geral é coerente com suas posições políticas, mas que também faz o jogo do ‘morde e assopra’.
Dines relembrou que o inovador Pagina12 foi fundado na década de 1980 como uma ‘revista diária’. Satírico, fez grande sucesso quando era dirigido pelo jornalista Jorge Lanata, mas hoje é considerado menos criativo. Ariel Palacios comentou que desde o século 19 a imprensa argentina é marcada por um viés irônico e sarcástico. O correspondente destacou que o Pagina12 era ‘genial’ e que tratava até os casos de corrupção com enfoque divertido e criativo. A crise econômica dos anos 2000 teria afetado o equilíbrio financeiro do jornal e diminuído seu brilho.
A volta para a casa
No final da entrevista, Dines perguntou aos jornalistas sobre o tempo ideal para correspondentes permanecerem em um país, e se já estavam com saudades da terra natal. Ariel Palacios contou que sente falta da família e de algumas iguarias brasileiras, como o brigadeiro, mas que as novas tecnologias de comunicação fazem com que se sinta mais perto de casa. Ari Peixoto ainda não tem vontade de retornar ao Brasil. O jornalista lembrou que em 24 dos seus 26 anos de carreira recebia a pauta pronta, cumpria o determinado e voltava para a redação. Agora, a realidade é outra.
Jacques Gomes também pretende permanecer em Buenos Aires por mais tempo. Admite que já sente falta do calor brasileiro, mas que somente agora começou a ‘entender a Argentina’. O correspondente destacou que o Brasil está vivendo um bom momento e ‘espalhando suas garras’ no continente. ‘A gente têm que fazer um trabalho para manter uma certa distância e ter um olhar brasileiro sobre a notícia’, advertiu Janaína Figueiredo. A jornalista afirma que ainda não se ‘argentinizou’ e pretende permanecer no país enquanto conseguir este distanciamento. ‘Sou uma brasileira olhando para a Argentina’, disse.
******
Jornalista