Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mediocridade dominical

O domingo é considerado por alguns telespectadores como ‘o dia de assistir o Domingo Legal, conhecido também como Programa da Gugu, e/ou o Domingão do Faustão‘. E claro, o Fantástico – ‘a sua revista eletrônica semanal’ – que não poderia ficar fora dos comentários. Programas de caráter emotivo tornaram-se recordistas de Ibope. O motivo é simples. Programas dominicais dessa espécie são cada vez menos informativos, tornam-se mais ‘interessantes’ e prendem o telespectador em frente à ‘telinha’.

Para o sociólogo Elder Hosokawa, os programas dominicais são reflexos da sociedade consumista que, apoiados na audiência, vendem seus comerciais. ‘Imagino que, muito além do puro entretenimento, o indivíduo é levado subliminarmente a comprar marcas e produtos, preferencialmente aqueles que foram `vendidos´ pela propaganda’, aponta.

Além disso, ele defende que a programação veiculada pelos canais que exploram o deboche, assuntos bizarros e a sexualidade ajudam o telespectador a estacionar mentalmente a análise crítica do conteúdo. ‘Após longa e contínua série de repetições e seqüências, imagino que geram embotamento dos sentidos e insensibilidade pela dor e sofrimento alheios, um comportamento hedonista e narcisista e uma sobrevalorização do corpo em detrimento do espírito e da mente’, declara.

O que pensam as crianças

Valerio Fuenzalida relata, em seu livro Televisión abierta y audiencia, que um espectador ativo não tem necessariamente de estar atento e concentrado, refletindo profundamente sobre o que está vendo. A audiência outorga aos televisores ligados em casa uma atenção variável, que pode ser concentrada em alguns programas, pode ser mais auditiva que visual em outros e pode ser completamente distraída nos momentos em que o telespectador olha o televisor de passagem, apenas para tomar ciência do que está sendo exibido.

O sociólogo rebate a importância do telespectador se ater ao conteúdo que decidiu absorver. ‘A televisão, diferente das revistas, dos livros e dos jornais, não deixa espaço para a reflexão e análise, o que empobrece a percepção crítica da realidade ou simplesmente leva o telespectador a absorver e reproduzir conceitos alheios’, protesta.

Dentre os telespectadores, os ‘baixinhos’ já opinaram sobre os programas de televisão em geral. Uma pesquisa realizada pelo Grupo de Pesquisa em Educação e Mídia, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), em 2004, com o tema ‘o que as crianças pensam sobre a TV’, constatou que a maioria delas critica o conteúdo apresentado e reivindica mais programas educativos e de caráter instrutivo.

Mercantilização da cultura

A análise contou com a participação de 986 crianças; 56,1% delas estudavam em escolas públicas e 43,9% em escolas particulares; a maioria (66,8%) tinha, na época, entre nove e onze anos – mostra que eles estão antenados na programação, no seu conteúdo e sabem diferenciar o que é certo e o que é errado.

Em seu livro A televisão levada a sério, o doutor em comunicação Arlindo Machado defende que o problema dos conteúdos ‘banais’ não se encontra apenas na televisão, estendendo-se para outras mídias.

Dizer que na televisão só existe banalidade é um duplo equívoco. Em primeiro lugar, há o erro de considerar que as coisas são muito diferentes fora da televisão. O fenômeno da banalização é o resultado de uma apropriação industrial da cultura e pode ser hoje estendido a toda e qualquer forma de produção intelectual do homem. Exemplo particularmente sintomático desse fenômeno é a transformação das livrarias, tradicionais pólos de encontro das camadas intelectuais, em supermercados da cultura, especializado em best sellers e digestivos, para onde acorre um público de massa, que lota seus carrinhos de compra com uma subliteratura de consolo e manuais de auto-ajuda.

Não é muito diferente o que acontece no cinema, hoje largamente infectado pelos blockbusters de Hollywood e voltado prioritariamente para a produção de descartáveis para as salas de exibição em shopping centers. Por que deveria a televisão pagar sozinha pela culpa de uma mercantilização da cultura? (A televisão levada a sério, de Arlindo Machado, pág. 9 e 10).

Mais ou menos

Elisângela Cássia, de 20 anos, acha que os programas dominicais são ‘muito ruins’. ‘Não satisfaz e não incomoda, é `indiferente´’, julga a atendente, que aos domingos passa a tarde assistindo o Domingão do Faustão.

O instrutor de trânsito Maurício Correia, de 45 anos classifica a programação dominical equilibrada. ‘[A programação é] mais ou menos. Uns programas valem a pena e outros não’, analisa. Durante as horas que passa diante do televisor, assiste o futebol, Fórmula 1 e o quadro ‘Selvagem ao Extremo’ – do programa Domingo Espetacular, da Rede Record.

‘São fúteis e chatos. Não acrescentam em nada’, critica o estudante Pedro Henrique Rigos, de 18 anos. Ele diz não estar satisfeito com o conteúdo apresentado pelas emissoras durante o domingo e sugere mais futebol, programas sobre curiosidades – como o Discovery Channel – e sobre cultura.

Por outro lado, programas musicais deixariam a dona de casa Maria Edileuza Cardozo, de 63 anos, satisfeita. ‘Não tem nada que preste na televisão’, reclama. Atualmente, seu grau de satisfação varia entre o ‘mais ou menos’.

O fator econômico

Segundo o sociólogo Elder Hosokawa, outros gêneros televisivos devem compor a programação. E o governo deveria dar mais atenção ao conteúdo exibido pelos canais. A televisão não deveria ficar apenas refém da lógica do mercado e da audiência. Ele sugere uma programação diferenciada para a sociedade brasileira.

‘[A TV] deveria premiar, com aval da sociedade civil, documentários que equilibrem a diversidade da cultura brasileira e internacional, manifestações musicais e estéticas representativas das diversas gerações, regiões e estilos (e não o predomínio de um sobre os demais), esportes (variedade, como nas Olimpíadas, e não apenas futebol), noticiário local, regional e mundial, prestação de serviços’, opina. Finalizando, ele julga necessária a ampliação de linhas de financiamento para programas educativos, culturais e profissionalizantes.

O diretor-geral e produtor do programa Silvio Santos e Uma Hora de Sucesso, Roberto Manzone, o Magrão, alega que é necessário ter variedades de gêneros na televisão, programas que agradem toda a família. O produtor diz que para montar uma grade de programação, ou mesmo um novo programa ou quadro, existem pesquisas e reuniões para encontrar o interesse do público.

Mas, de acordo com ele, cada emissora tem sua estratégia de trabalho e é impossível viver com apenas uma linha. ‘A maioria das emissoras tem seus programas culturais e de entretenimento. Se não tiver audiência e qualidade, você não tem um retorno comercial’, explica. ‘Se ela fizer só isso, não tem ibope. Os gêneros devem ser mesclados. Quanto mais audiência você tem, mais popular fica seu programa.’

Para Leandro Lopes, diretor do programa FIZ + Sotaques, do FIZ TV, a situação não é bem essa. De acordo com ele, o problema da TV está em sua origem. E as programações refletem o interesse de suas emissoras, e não do seu público. ‘O fator econômico sempre será a mola propulsora, o meio e o fim de uma discussão de grade de qualquer TV aberta comercial. TV nenhuma quer arriscar perder um ou dois pontos no Ibope em um domingo de sol ou de chuva. Por isso é que programas como o de Faustão e de Gugu permanecem na tela por `anos a fio´. Enquanto as pessoas não desligarem seus televisores, eles permanecerão’, expõe.

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Estudantes de Jornalismo no Centro Universitário Adventista de São Paulo em Engenheiro Coelho, SP