Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Desafios do jornalismo online

‘Você pode sentir animação ou temor – ou uma combinação dos dois – se foi encarregado de criar um novo curso de Jornalismo Online’, afirma Mindy McAdams, professora de Jornalismo na Universidade da Flórida, em seu longo artigo ‘Teaching Online Journalism: How to Build the First College-Level Course’ (disponível em http://ojr.org/ojr/education/1081490316.php), recém-publicado na revista eletrônica Online Journalism Review (http://ojr.org/ojr/page_one/index.php). Primeira a desenvolver o conteúdo para a primeira versão online do Washington Post, é co-autora do livro Manual da internet para escritores, pesquisadores e jornalistas. No momento, ela escreve um novo livro sobre o uso do Macromedia Flash no jornalismo.

Aparentemente, todo o conteúdo do curso não poderia ser cumprido em menos de três semestres, mas tudo pode ser perfeitamente encaixado num único semestre, ou até mesmo em 10 semanas, num trimestre – acredita Mindy McAdams. Esta seria uma chance única na grade do curso, para que os estudantes aprendam jornalismo online. Mas por onde começar?

‘Em primeiro lugar, deve-se fazer algumas perguntas básicas’, ela ensina: os estudantes produzirão uma publicação online como parte do curso? O curso incluirá algum tempo de laboratório, nenhum laboratório, ou será totalmente ministrado em computador? Serão necessários pré-requisitos de jornalismo, como um curso de reportagem? Serão necessários pré-requisitos de informática, como um curso básico de internet?

As respostas ajudarão a avaliar se o curso deve ser dedicado a conhecimentos como HTML básico, Dreamweaver e Photoshop. Se o curso se prender mais à sala de aula, com uso de laboratório limitado a uma hora por semana, não será possível produzir uma revista online. Se o objetivo principal do curso, porém, é produzir um site de jornalismo online, será preciso utilizar a primeira metade do semestre para ensinar conhecimentos de informática e a outra metade para técnicas de reportagem e redação.

A necessidade de se investir o tempo do curso para o desenvolvimento de habilidades com softwares é um dos pontos a serem discutidos. As opiniões são divergentes, segundo Mindy McAdams. De um lado, acredita-se que é suficiente ensinar a escrever e ir direto ao assunto. O postulante ao cargo de jornalista online aprenderia na prática das empresas a manejar os softwares. De outro lado, defende-se que o aluno deve aprender tudo relacionado ao online, desde produzir informações em Java até editar vídeos. Os classificados de oferta de trabalho na área têm demonstrado que o domínio dessas ferramentas é crucial. O que se requer é um profissional completo, conforme pode ser lido nesse anúncio do TheUnion.com, jornal diário com circulação de 17 mil exemplares, citado no artigo:

‘O editor de web deverá manter o site atualizado com o desdobramento das notícias, ao longo do dia, e deverá trabalhar em equipe para criar conteúdo exclusivo para a web. Criatividade, inovação técnica, conhecimentos de edição de som e talento para escrever serão vitais para este cargo’.

Outra etapa do curso é deixar claro o conceito de jornalismo online. ‘Os alunos não têm uma idéia muito clara do que seja e da diferença para versões impressas de jornais ou do jornalismo radiofônico ou de TV divulgado na web’, diz. ‘Afinal, eles têm visto matérias de jornais e de TV na internet, e há muito pouca diferença entre as versões originais e as postadas nos sites.’ Para ela, o primeiro desafio é mostrar que existe algo chamado jornalismo online, e que este se diferencia de outras formas de jornalismo. Uma vez estabelecida a diferença, alguns tópicos podem ser considerados: a) a ética do link, ou escolher o que lincar como parte de uma decisão editorial; b) os tipos de mídia a serem utilizados online, como áudio, vídeo, infográficos, animação etc.; c) e a interatividade: fóruns de discussão, newsgroups, chat, e-mail etc.

Além das habilidades

Segundo o artigo, outros pontos podem ainda ser cobertos durante o curso – como a questão do copyright, tão desrespeitado na internet. Algumas perguntas devem ser discutidas: Onde os sites de notícias conseguem seus gráficos, fotos, áudios e vídeos? Qualquer um pode usar uma foto de uma agência de notícias, como a Associated Press? Pode-se puxar uma música de um CD e utilizá-la como trilha de uma seqüência de imagens? ‘Muitos alunos acreditam equivocadamente que material com copyright pode ser usado desde que se inclua uma linha com os créditos’, lembra. ‘Pelo fato de ser tão fácil usar material da web em seus próprios sites é que os estudantes precisam ouvir a respeito dessas questões’, afirma a professora.

Checar as informações, contudo, não é menos importante. ‘Editores de online sempre enriquecem uma matéria adicionando links importantes a outras fontes de pesquisa’, diz. Como saber se uma fonte é confiável? ‘Pode-se ensinar aos alunos vários métodos para apurar a exatidão da informação que se quer usar como link, assim como maneiras eficientes para pesquisar informações de base, checar e rechecar fatos e imagens.’

Além das habilidades computacionais e jornalísticas, outros tópicos podem ser abordados ao longo do curso, a exemplo de temas convergentes ligados à propriedade do negócio, a parcerias, compartilhamento de conteúdo, sobreposição de tarefas, trabalho em equipe; a escrita na web, os weblogs como prática jornalística e fonte de pesquisa; e a forma como a web pode interferir na maneira como o jornalismo tem sido exercido até hoje, em diversos países. Nesta entrevista por e-mail, Mindy McAdams comenta esses temas.

***

Como podemos diferenciar o verdadeiro jornalismo online das versões dos jornais impressos que estão disponíveis na internet?

Mindy McAdams – O jornalismo online inclui gráficos, animações, som e elementos interativos que não podemos incluir em uma versão impressa de um jornal. Se for somente uma matéria de um jornal impresso na web, então não é jornalismo online. Da mesma forma, se for apenas uma reportagem de TV na web, não será jornalismo online.

Que tipo de cuidados o jornalista que escreve para o online deve ter para produzir um bom texto?

M.M. – Escrever para a web requer concisão e objetividade. É muito factual. Links são usados com muito cuidado e deliberadamente para levar a mais informações, mas somente quando for apropriado e necessário. As seções das matérias são separadas por subtítulos curtos e informativos. Todas essas práticas tornam a leitura do texto mais fácil e mais rápida.

Que características distinguem um bom site de jornalismo online de um ruim?

M.M. – Velocidade é a consideração número 1. O site carrega rápido? Está claro do que trata a homepage, e o que pode ser feito naquela página? É uma página atualizada? Está claro, de uma forma imediata, quem é o responsável pelo site? Quais são os seus principais interesses (por exemplo, onde está localizado? qual é a sua política?) As manchetes são claras e sem ambigüidades? Os créditos e as fontes estão claros e óbvios? Os anúncios publicitários interferem nas intenções e objetivos dos usuários? O desenho da página é claro e de fácil compreensão? A resposta a estas questões deve ser sim, ou não será um bom website.

O jornalismo online pode aprofundar a informação, ao menos no nível do jornalismo impresso?

M.M. – Sim. A única diferença é que você não pode pôr 5.000 palavras de uma matéria em uma página, a menos que você tenha feito um convite ao visitante através de um resumo, ou algum outro tipo de informação rápida. Quando o visitante deseja, de verdade, ver toda a matéria, ou a sua ‘versão completa’, ele se sentirá feliz em localizá-la. Porém, na maioria das vezes, o visitante quer somente uma visão geral dos fatos mais importantes e a maneira como eles afetarão sua vida. Você pode oferecer cada vez mais informações aprofundadas, da mesma forma que pode ser feito no impresso. Pode, inclusive, incluir todo o conteúdo de arquivo relacionado com uma matéria. Mas é preciso que você lembre, em primeiro lugar, que o visitante necessita de uma versão reduzida, assim ele poderá decidir se quer mais informação.

Algumas críticas feitas ao jornalismo online reprovam a sua linguagem breve e fragmentária. Esse tipo de linguagem poderia estar criando leitores preguiçosos e desinteressados?

M.M. – Se ninguém quer ler a introdução mais lenta e demorada de uma matéria, esse alguém talvez não vá querer ler nenhuma parte dessa matéria. Qual é o papel do jornalismo? Informar ao público. Se não apresentarmos o jornalismo de uma forma que o público deseja, então não poderemos informar esse público. Acredito que matérias longas, negativas e auto-condescendentes da maioria dos jornais têm alienado o público. Os leitores percebem que os jornalistas estão escrevendo para si próprios, e são arrogantes e mesquinhos. O público não acredita que o jornalismo seja interessante, ou até mesmo necessário. Esse é um problema que os jornalistas terão de resolver, e temos de resolvê-lo, ou não teremos jornalismo adiante.

Que habilidades são necessárias para um jornalista que trabalha com online?

M.M. – Em primeiro lugar, ter o desejo de informar o público. Isso inclui o desejo de dizer sempre a verdade. Assim, a primeira habilidade é a mesma que vemos em qualquer bom jornalista de impresso, TV ou rádio. Em segundo lugar, o jornalista de online deve ser especialmente cuidadoso e especialmente cético. Online é um meio muito rápido. As matérias são atualizadas com muita rapidez, e há muitas chances de se cometer enganos. Em terceiro lugar, o jornalista de online deve, de uma maneira geral, se sentir à vontade com computadores. Se um editor dá um gravador em MP3 a um jornalista e diz ‘envie-me a entrevista por e-mail tão logo você termine’, o jornalista não poderá responder ‘isso eu não sei’. Ele deverá aprender o mais rápido possível.

Acredita-se que, no futuro, o jornalismo online servirá de convergência para todas as mídias? Concorda com essa previsão?

M.M. – O jornalismo online será o primeiro local para todo o jornalismo num futuro próximo. O melhor local para noticiar em primeira mão é numa homepage. Depois que a notícia estiver num site, você poderá ir para a frente de uma câmera, ou escrever a versão mais longa para um jornal impresso. As empresas jornalísticas (que possuem interesse em TV, online e impresso) se tornarão mais eficientes, uma vez que reconheçam esse fato. Você pode usar a informação em gráfico para o jornal impresso, para a web e para a TV. Você pode contar a história de três ou quarto maneiras. No 11 de Setembro, porém, todos foram para a internet. E também no 11 de março, em Madri. Isso não quer dizer que todo jornalista deva aprender a fazer tudo. Mas deve aprender a fazer mais de uma coisa.

Onde podemos encontrar hoje bons exemplos de jornalismo online?

M.M. – Um bom local é (www.interactivenarratives.org/). Você poderá ver exemplos de muitos novos sites por lá. Alguns dos melhores textos estão em (www.news.bbc.co.uk/). A cobertura é a mais direta e objetiva. Bons textos podem ser também encontrados em (www.english.aljazeera.net/HomePage/). Bons trabalhos interativos são realizados nos sites MSNBC.com, NYTimes.com, USAToday.com, WashingtonPost.com. Há excelentes infográficos com animação no site de El País (http://www.elpais.es), de Madri.

Segundo a sua experiência, o jornalismo online é um desafio para os seus alunos, ou eles já o assimilaram com facilidade?

M.M. – Trata-se de um grande desafio para eles, porque eles ainda não sabem o que é. Eles pensam com freqüência que o site do Yahoo News é jornalismo online, ou a América Online (AOL), porque essas são suas homepages. Algumas vezes eles acreditam que uma versão online de um jornal impresso é jornalismo online, porque eles nunca viram um exemplo de jornalismo online de fato. Eles também precisam de treinamento em informática. Apesar de estarem usando a internet desde muito jovens, a maioria não sabe como fazer coisa alguma. São consumidores, não produtores. Eles comem, mas não sabem cozinhar.

Até que ponto o jornalismo online poderá ser lucrativo no futuro?

M.M. – Não sei ‘quanto’ será lucrativo, mas no futuro o jornalismo online deve encontrar uma maneira de pagar as próprias contas. A tendência rumo ao registro [para acesso ao conteúdo do site] é um passo nessa direção.

Quais são as grandes tendências do jornalismo online para os próximos anos?

M.M. – Em primeiro lugar, veremos os efeitos da solicitação de registro. Os sites de jornalismo online fornecerão mais do que as pessoas são capazes de procurar com mais freqüência. Os sites vasculharão os tipos de usuários associados aos tipos de conteúdos, e venderão anúncios voltados para esses conteúdos. Em segundo, veremos mais fotojornalismo online, combinado com mais freqüência ao áudio do radiojornalismo. Em terceiro, veremos mais videodocumentário online, com qualidade distinta que o diferenciará das imagens das notícias para a TV. Por fim, veremos mais notícias dadas em primeira mão na web, antes da TV e dos jornais impressos.

******

Estudante de Jornalismo da Universidade Tiradentes (SE) e editor do Balaio de Notícias (http://www.sergipe.com/balaiodenoticias)