O tsunami político chegou enfim ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, mas ele conseguiu resistir aos primeiros vagalhões. Foi a maior ameaça, até agora, ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não faz diferença para o mercado financeiro saber se Palocci tomou dinheiro para o PT, quando prefeito de Ribeirão Preto, ou se as acusações só refletem mágoas de um ex-assessor. Importa saber se o ministro será derrubado ou se continuará garantindo o rumo da política econômica.
Na quinta-feira (25/8), Rogério Buratti depôs à CPI dos Bingos sem apresentar provas contra o antigo chefe. No dia seguinte o dólar foi negociado a R$ 2,40 no fechamento, 2 centavos abaixo da cotação de 3 de junho. O índice Bovespa ficou em 27.094 pontos. No começo da crise estava na faixa de 26 mil.
Os abalos causados pela denúncias e confissões têm sido passageiros e insuficientes, pelo menos até o fim de agosto, para mudar as tendências dos mercados. A maior parte das empresas tem mantido os planos de investimento produtivo, como indicam os dados do BNDES e a última pesquisa conjuntural da Fundação Getúlio Vargas, divulgada na sexta-feira (26/8).
Garantia de continuidade
Não só no setor financeiro, mas também noutras áreas da economia, a prioridade, em face da crise, tem sido preservar as condições de estabilidade. A sobrevivência de Palocci é a principal dessas condições. Mas será essa a visão do presidente e dos colegas do ministro da Fazenda? Os jornais têm dado tratamento desigual, e talvez insuficiente, a essa questão.
A imprensa econômica vem seguindo a crise com atenção principalmente às bolsas, ao câmbio e aos juros futuros. Os sinais de nervosismo, embora passageiros, intensificaram-se nesses mercados quando os escândalos se aproximaram do ministro da Fazenda. Os momentos de maior tensão ocorreram na manhã do dia 19, uma sexta-feira, quando as agências transmitiram quase em tempo real o interrogatório de Buratti por promotores do Estado.
O comportamento desses promotores foi censurado pelo ministro da Fazenda, pelo procurador-geral da República e pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Foi defendido pelo procurador-chefe de São Paulo. Se algum respingo tiver sobrado para a imprensa, terá sido muito pequeno. As agências não poderiam, nem deveriam, deixar de transmitir as informações passadas pelo procurador. Se não divulgassem os dados, alguns especuladores com certeza saberiam da história e lucrariam com isso.
O estrago nas bolsas e no câmbio poderia ter sido muito maior, se os detalhes do depoimento fossem conhecidos de outra forma. Não é um caso comparável com o da Escola Base. Neste episódio, os jornais poderiam ter tido a iniciativa de evitar o linchamento moral dos acusados.
Mas o ataque a Palocci poderia afetar a segurança de Lula e a distribuição de poder no governo. São questões diferentes, mas ambas importantes. Se Palocci ficasse muito fraco ou tivesse de abandonar o ministério, a nomeação de alguém afinado com sua política poderia ser insuficiente como garantia de continuidade. O secretário-executivo da Fazenda, Murilo Portugal, poderia ser um bom nome, segundo os defensores da manutenção da política. Mas teria a força de Palocci?
Assunto quente
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrou que tem pensado no risco. O ministro da Fazenda só será descartável se ele mesmo, o presidente da República, for visto como o fiador consciente e convicto da política econômica. Ele defendeu essa política enfaticamente no dia 23, num ato público em Cuiabá. Defendeu-a também, no mesmo dia, numa reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI).
Não era esperado na reunião, mas apareceu para falar da importância da estabilidade e de como tem resistido a pressões para afrouxar a política. Disse com todas as palavras, segundo um empresário participante do encontro, que a política é do governo e será mantida com ou sem Palocci. O ministro estava lá. Terá sugerido o pronunciamento sobre a própria dispensabilidade? No dia 25, numa sessão do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), usou quase a mesma linguagem do discurso de Cuiabá.
O Estado de S.Paulo e a Folha de S.Paulo destacaram a promessa de Lula de sustentar o rumo da economia com ou sem Palocci. Valor deu a matéria num pé de página. Citou uma boa frase: ‘A política econômica não é de pessoas, mas do governo. Por isso, ela tem sentido de permanência’. Mas não explorou a hipótese de substituição do ministro. O Globo noticiou o compromisso de Lula, sem destacar a referência à idéia de renovação ministerial.
Cuidar explicitamente dessa possível mudança faria diferença. O presidente Lula pode ter dado a impressão, várias vezes, de não haver percebido a dimensão da crise. Mas parece haver notado, afinal, o risco de perder o ministro da Fazenda. Tem faltado, na imprensa, uma exploração mais atenta desse outro lado da crise.
Uma das poucas matérias sobre o assunto cuidou não da hipotética mudança ministerial, mas da possível vitória do presidente do BNDES, Guido Mantega, e da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, contra a idéia de aumento do superávit primário. Palocci e sua equipe nunca defenderam publicamente a elevação da meta para 5% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas o resultado efetivo tem ficado bem acima dos 4,25% definidos oficialmente. O ministro da Fazenda teria proposto a Lula, depois da coletiva de domingo (21/8), o alvo de 5%. Na sexta-feira (26/8), Claudia Safatle noticiou no Valor o sepultamento da idéia, citando Mantega: o choque fiscal já foi dado e o presidente, embora deseje manter a política de responsabilidade fiscal, pretende também um crescimento robusto em 2006.
Se a informação de Mantega for correta, Palocci terá sofrido uma rara derrota na definição das metas econômicas. Poder ser sintoma de enfraquecimento, mas essa avaliação, por enquanto, seria especulativa. Pode ser parte da preparação da campanha eleitoral. É assunto para ser explorado mais atentamente, com ou sem substituição no Ministério da Fazenda.
Se a imprensa demorar, o mercado financeiro fará o serviço mais prontamente.
******
Jornalista