No dia 20 de agosto de 2013, a página do jornal Zero Hora no Facebook solicitou aos seus leitores-internautas que enviassem fotos da lua cheia para serem publicadas – ou postadas. Os leitores gostaram da ideia e mandaram imagens ao veículo. Um dos registros, uma lua perfeita e atrativa aparece refletida nas águas do mar, foi “bancada” e publicada na página do Facebook do jornal.
Em pouco tempo, a foto começou a repercutir e virou piada na internet quando os próprios leitores identificaram que a imagem havia sido manipulada no computador. Ou seja, tratava-se de uma informação inventada pelo internauta que foi usada pelo jornal como registro de um fato da realidade.
Figura 1
A foto (figura 1) logo ficou popular, obteve mais de 2,7 mil compartilhamentos e ultrapassou as seis mil curtidas, além de inúmeros comentários, em geral bem humorados e irreverentes, como este: “Meu cachorro viu que isso é montagem…” E mais esta: “Muito me admira um veículo de todas as mídias como a ZH postar uma foto dessas! Ok, realmente a lua estava bonita, a lua é bonita, mas não afrontem nossa inteligência com essa fotomontagem”. Outro diz: “Po ZH. Montagem tosca assim num jornal sério é feio (sic).”
No dia seguinte, 21 de agosto, o Facebook do jornal publicou uma errata e um link com a informação corrigida, sob este título:
“Valeu pelos comentários, pessoal! Diante de tantos questionamentos, investigamos e comprovamos: a foto não era mesmo autêntica. O webdesigner Michel Fontes de ZH é usado como fonte, que explica os motivos da alteração da imagem, nesta sequência: o tamanho do reflexo não é condizente com o da lua – a lua, na foto, é muito mais larga. A cor do reflexo é muito mais amarelada que a cor da luz da lua. Em fotos noturnas – mesmo com super lua – o tempo de exposição deve ser mais longo, o que significa que a onda que chega na praia jamais estaria ‘congelada’, mas um borrão de movimento. Entre outros detalhes, por fim, diz que há um programa para detectar falsificações: existe um software de análise das assinaturas de JPGs, o JPEGSnoop. Quando uma foto vem de uma câmera, essa carrega a assinatura de quem a originou. Por esse programa, podemos ver que a imagem original foi editada” (CLICRBS, 2013).
Mesmo com o reconhecimento e a correção do erro, as críticas na timeline do jornal seguiram: “A ZH não notou que é foto fake… Putz! Caíram no conto do Photoshop…; kkk foi o estagiário que escolheu a foto; Vou mandar a minha foto com a hashtag #zhburra.” Contudo, apesar da intensa repercussão do fato, o sítio clicrbs não deu uma linha sobre o assunto, como também nenhum outro veículo do Grupo rbs – jornal Zero Hora, Rádio Gaúcha, rbs tv – se referiu ao tema. Ou seja, tudo ficou restrito ao blog e ao Facebook.
A rbs e a nova realidade do jornalismo
E nesse caso não se trata apenas de mais um sítio na internet que publica informações de forma aleatória, mas há por trás da notícia o nome do Grupo rbs, uma das maiores empresas de comunicação multimídia do Brasil e a maior afiliada à Rede Globo. Segundo informações próprias, atualmente o grupo trabalha com conteúdos jornalísticos, de entretenimento e de serviços por meio de emissoras de rádio e de televisão, jornais e portais de internet. Também atua com o que chama de “empresas digitais e negócios adjacentes”. Com mais de seis mil funcionários, é o segundo maior empregador de jornalistas do país. Além da estrutura, a marca rbs construiu uma cultura e um conceito para produção de conteúdo jornalístico, que hoje serve como referência para a população do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Com o ingresso dos tradicionais grupos de comunicação nas plataformas online, assim como o fez o zh em 2000, a relação entre o emissor e o receptor da informação acabou se aproximando e, consequentemente, as empresas jornalísticas ficaram expostas à opinião pública. Essa realidade tem sido acentuada com o avanço tecnológico e de conectividade por meio das redes sociais, fazendo com que indivíduos sejam ao mesmo tempo produtores, consumidores e comentaristas da notícia. O protagonismo do internauta cresceu na geração e na oferta de conteúdo, e também na sua repercussão, agora imediata. Para o profissional, crescem os riscos de falhas e aumenta a vulnerabilidade com efeitos na credibilidade da informação gerada no mundo online, tal qual aconteceu com a foto da lua.
A nova realidade implica num olhar atento de como os meios de comunicação administram a informação diante das novas variáveis da interação. Essas mudanças que ocorreram no jornalismo, desde o advento da internet, e, mais recentemente, com as mídias sociais, acabaram interferindo de modo decisivo no processo de construção e de distribuição do produto jornalístico.
O surgimento das novas tecnologias, o uso intensivo de bases de dados no jornalismo e a mudança dos hábitos da sociedade, além da interação com múltiplas e fontes e com o público no processo produtivo da notícia, resultou no chamado jornalismo pós-industrial. A expressão é de um relatório de pesquisa de 2012 produzido pelo Tow Center for Digital Journalism da Columbia Journalism School, traduzido e publicado no Brasil pela revista da espm (ANDERSON, 2012). Por ora, vale ressaltar que esses avanços imprimiram uma nova dinâmica na forma de produzir notícia o que deixou os profissionais da área com menos certezas com relação a sua atuação no mercado da comunicação.
Convergência vertical e horizontal
A interatividade no jornalismo é uma tarefa difícil não só pela complexidade dos processos, mas também pela constante modificação e evolução das plataformas onde ele está inserido. Essa tendência começou a se desenvolver no jornalismo ainda nas décadas de 1980 e 1990, com a chegada da informática e a seguir da internet. Para Baldessar (2005), citado por Belochio (2012), as grandes mudanças no cotidiano produtivo dos jornalistas começam com a informatização das redações dos jornais e revistas do Brasil. Com a introdução dos computadores, os jornalistas também tiveram que se adaptar a uma realidade profissional que incluía a exigência de maior qualificação e a especialização crescente, por conta das modificações nas condições do trabalho.
A chegada da internet em 1994 abriu caminhos, mexeu nas linguagens e foi impondo mudanças na prática profissional. As rotas do mundo virtual se abriram em múltiplas direções, às vezes, desorganizadas, mas com uma rapidez inédita e com origens bastante variadas. A conectividade marca um novo cenário de comunicação para um conjunto de pontos que circulam em contínuo fluxo e em múltiplas direções, numa dinâmica mais horizontal. Uma relação de dupla mão.
A verticalidade de produção informativa, eixo emissor/receptor, dilui-se de forma gradual para se submeter a um regime mais uniforme. De acordo com d’Andréa (2012), hoje há a convergência vertical no jornalismo – produção multimídia feita por profissionais –, e a convergência horizontal – realizada por meio da participação do cidadão. A prática do jornalismo – de forma engajada ou eventual – por não-profissionais é um dos assuntos mais discutidos neste campo nos últimos anos. É uma das formas de compreender o que se chama de “jornalismo cidadão”. Esta convergência comunicacional, a prática interativa em via de dupla mão, também privilegia a participação do usuário no contexto produtivo do conteúdo, exigindo dos veículos mudanças nas plataformas físicas e na própria forma narrativa da notícia, fazendo com que o modelo autocrático e unilateral de produção jornalística passe a ser mais democrático.
Ao mesmo tempo, observa-se, cada vez em maior escala, os canais de comunicação aproveitando os serviços dos internautas, como produtores e “repórteres”, para obtenção de informações. Conforme Jenkins (2008), a lógica se resume nesta máxima. “Você produz todo o conteúdo. Eles ficam com todo lucro” (pag. 110). Além disso, Aroso (2003) acrescenta que a credibilidade informativa também está em jogo: sem qualquer controle da informação, é difícil saber o que é verdadeiramente notícia e o que é opinião ou especulação, decorrendo em “notícias” sem interesse, não verdadeiras, inexatas e até mesmo ofensivas. Além do que, o trabalho de produção de notícias de um profissional não vive só de vontade, é preciso: dinheiro, tempo e dedicação.
A legitimação da informação jornalística, portanto, sem a mediação central das empresas e de profissionais dessa área se baseia no reconhecimento de que, na contemporaneidade, segundo Jenkins (2008), vivemos uma “explosão das mediações” que reclassificam e reposicionam o intenso fluxo de informações às quais estamos submetidos. O que é chamado por Castilho (2014) de “guerra de informação”. Conforme essa lógica, as mediações surgem de diversas fontes, assim incidindo nos processos de comunicação e formando as interações comunicativas dos atores sociais, alimentando certa desorientação informativa. Podemos reconhecer que, em função das articulações em rede, por exemplo, um relato de maior interesse social pode ganhar visibilidade e legitimidade à revelia dos gatekeepings, estabelecidos por veículos noticiosos, assim como ocorreu com o caso da lua.
Por causa dessa apropriação do conhecimento e socialização das informações por parte dos usuários, os porteiros das redações procuram muitas vezes forçar o controle no fluxo das notícias, assim como ocorreu com a informação da lua, que obteve grande interesse público e repercussão nas redes sociais do Grupo rbs, mas não mereceu espaço em nenhum outro veículo, além do online.
Há um fenômeno que Jenkins (2008) chama de antagônico. É quando uns querem pôr a mão no conhecimento e outros tentam protegê-lo. “Controle do fluxo de informações só serve para mascarar a realidade”. As tentativas de impor o controle na circulação das informações nas diversas plataformas, observa Jenkins (2008), pode estar ligado ao medo da fragmentação e erosão do mercado, ou seja, o medo da audiência não mais voltar para os meios tradicionais. Essa postura, portanto, pode redundar em uma estratégia de erro na administração das informações, no momento em que a sociedade não vive mais num gueto e tem acesso a diversos canais alternativos à informação. Negar ou esconder notícias à audiência acaba sendo um caminho perigoso e obsoleto, no momento em que estamos vivendo a plena convergência das mídias.
O jornalismo pós-industrial
No relatório de pesquisa sobre o jornalismo pós-industrial (ANDERSON, 2012), pesquisadores norte-americanos citam e analisam vários exemplos de cobertura jornalística com o envolvimento dos internautas por meio das redes sociais, casos semelhantes a da lua, feito pelo Facebook do zh. Entre as páginas 43 e 58 os especialistas destacam a importância do trabalho da reportagem e a necessidade criteriosa na apuração das informações, apesar da facilidade de acesso e o grande volume de dados gerados no mundo online. Também falam da principal característica da convergência, o papel colaborativo no jornalismo virtual.
Por isso, está cada vez mais difícil o profissional concorrer com o batalhão de testemunhas publicando notas em tempo real, no Facebook ou no Twitter. E com a enxurrada de publicações nos meios virtuais, somadas a pressão de ser o primeiro a publicar a notícia, o jornalista tende abrir mão da tarefa essencial de checar a veracidade da informação. Ao invés de entrar na rota frenética de disputar produção de informação, o caminho mais eficaz de transmitir uma notícia pode estar na personalização e no conhecimento sobre o assunto a ser abordado, já que as tarefas de escrever, fotografar, filmar fatos de interesse jornalístico e até dar furos, estão acessíveis a qualquer cidadão.
Conforme o estudo, estamos em meio a uma revolução da comunicação, em que o uso intensivo de bases de dados e a interação com múltiplas fontes e com o público são essenciais para a sobrevivência do jornalismo profissional. Mas, além de estar inserido e atuando neste cenário, o jornalismo precisa apurar e checar os dados da notícia, além de trazer sua experiência para o palco no sentido de filtrar e contextualizar a notícia. Caso contrário, a função do profissional será irrelevante em meio ao emaranhado de publicações nas redes sociais.
Porém essa condição ainda não foi assimilada pela maioria das publicações digitais, que costumam tomar duas posições distintas em relação ao batalhão de cidadãos munidos do poder de mídia: ignorar solenemente ou usá-los como agentes produtoras de conteúdo. O exemplo da lua ilustra bem isso, que em muitos casos a imprensa não está preparada para operar o jornalismo nesta nova realidade. Ou seja, ainda não aprenderam a conviver com formas mais recentes de apuração de informações de interesse jornalístico.
Nesta análise, o veículo aplicou a estratégia do crowdsourcing, termo que implica por si só uma relação de “um com vários” para o jornalista, que lança uma pergunta a um grande grupo de pessoas ou recorre a esse exército de gente para achar respostas. Mas essa multidão também pode ser uma série de indivíduos atuando por meio de redes – multidão que pode ser interrogada e utilizada para uma versão mais completa dos fatos ou para a descoberta de coisas que seriam difíceis ou demoradas de apurar com o modelo tradicional de reportagem. Antes esse trabalho era feito por uma equipe de funcionários contratados.
Apesar de coletar uma grande quantidade de informações, no caso da imagem da lua o jornal menosprezou os dados além de não interagir e estabelecer uma relação de diálogo com os participantes. Essa omissão na interação com os usuários acabou deixando o veículo fora da discussão e o debate acabou se dando sem um mediador. Pois, segundo a caracterização do jornalismo pós-industrial, qualquer seja o meio de disseminação, a informação hoje é instantaneamente compartilhada, discutida, comentada, criticada e louvada – ao vivo, sem possibilidade de controle.
Com toda essa fartura de dados gerados e de fácil acesso, assim como as ferramentas capazes de mostrar o índice de audiência instantâneo, a mídia apela para o entretenimento e, de preferência, usando casos genéricos e de rápido entendimento do público, tal como a imagem da lua. No Tow Center for Digital Journalism os autores citam outros casos, com o uso de animais nas notícias. De acordo com eles, embora muito jornalista vá torcer o nariz para o exemplo a seguir, ao falar das fotos de “bichos decepcionados” que turbinam o tráfego de seu site, Jonah Peretti (do BuzzFeed) “martela a tese de que é preciso muita habilidade para determinar o que torna um conteúdo apetecível para que outros o compartilhem”.
No Brasil, caso parecido com animais foi o de moradores de um prédio em Porto Alegre que gravaram os maus-tratos a um filhote de cão e postaram o vídeo no YouTube, em maio de 2013, conforme publicado no site do G1. Inicialmente o caso gerou mobilização e repercussão nas redes sociais e logo ganhou amplo espaço em todos os canais de comunicação como rádios, tvs e jornais. O fato evidencia como a disponibilidade da tecnologia – e o assunto animais – tem atraído grande número de interessados.
Já a imagem da lua, apesar de ser da mesma linha de assuntos dos animais, também obteve bastante atenção e repercussão nas redes sociais, porém não teve a chance de aparecer nos veículos tradicionais do grupo rbs. Portanto, com base no jornalismo pós-industrial, cujo foco está na troca de informações e na interação entre produtores e consumidores de notícias, os tradicionais meios de comunicação ainda ignoraram e silenciam quanto à livre circulação e publicação das informações, ou melhor, usam-nas conforme seus próprios interesses no mercado da comunicação.
O controle das notícias
No caso da lua, num primeiro momento o controle por parte do gatekeepers não entrou em ação, porque a informação enviada pelo internauta foi usada pelo veículo como sendo confiável e verdadeira, mas sem fazer a checagem disso. Possivelmente sequer houve cogitação de necessidade de checagem. Checar o quê em fotos da lua cheia? Já no passo seguinte, o grupo assumiu o seu protagonismo ao fazer a correção e também por optar em não repercutir o assunto nem mesmo no clickrbs.com, jornal online da rede. Menos ainda no jornal, no rádio ou na tv. Mesmo com o livre fluxo de informação, os porteiros das redações acabam fazendo o controle institucional do que vai ser publicado – apesar da avalanche de conteúdo gerado e disponibilizado atropelar em alguns momentos o processo.
A nota publicada no dia seguinte dos acontecimentos foi apenas uma tentativa de amenizar a repercussão negativa, porque o caso ficou associado à marca do grupo. Porém, se quisesse mesmo valorizar seu jornalismo colaborativo, deveria ter esclarecido e ampliado a informação nos outros veículos. O fato de silenciar demonstra uma atitude de falta de amadurecimento para lidar com o jornalismo colaborativo, conforme Primo (2013), além de prejudicar a relação de confiança com os internautas.
Para os pesquisadores americanos do jornalismo pós-industrial, esse comportamento protocolar não assenta para a comunicação online. Eles salientam que é preciso entender o melhor o jornalismo colaborativo e interpretar os feedbacks para conseguir traduzir um conteúdo que faça sentido ao público. Pois as informações chegam rápidas e em grande quantidade aos produtores, mas muitas vezes o material farto não é compreendido e passa despercebido debaixo do nariz do profissional, criando-se um verdadeiro desperdício e silencio em volta dos dados.
Essa falta de habilidade para potencializar as informações e o não diálogo com os participantes do jornalismo colaborativo podem trazer um decréscimo no valor do capital social que é construído, pois as trocas são reduzidas, segundo Primo (2013). A constatação do autor serve para enquadrar o caso da lua, na qual havia milhares de internautas interagindo e gerando conteúdo enquanto os profissionais ficaram apenas assistindo a evolução dos acontecimentos. Além do comportamento passível, o veículo não usou os dados para produzir uma notícia mais elaborada para aproveitá-la nas demais plataformas dos canais do grupo.
Mesmo o cidadão sendo mais ativo na escolha e na divulgação das informações, e o profissional não ter mais o poder centralizador de decidir o que merece ser ou não notícia, o jornalista e as organizações ainda usam seus mecanismos de controle da notícia. Essa realidade pode ser constatada a partir do momento em que o Grupo rbs resolve silenciar sobre o fato nos seus veículos tradicionais – tanto nos impressos como nos eletrônicos – mesmo com toda a repercussão obtida nas redes sociais. Ou seja, mesmo com a intervenção e o interesse do público referente o assunto, os porteiros insistiram no exercício do poder de silenciar.
Os silêncios do jornalismo
Embora a imprensa tenha o dever constitucional de dizer a verdade aos leitores, além de informar, educar, entreter e prestar serviços, sempre de olho no interesse da maioria dos cidadãos, há uma série de outras demandas neste processo. Lippmann (2008) argumenta que muitas vezes a mídia não quer esclarecer a opinião pública, mas só procura atender os interesses da sua classe e vender os anunciantes, ao invés de servir com informações privilegiadas e relevantes aos indivíduos. Em casos como esses, a notícia deixa de ser o que interessa para a maioria e transforma-se em mercadoria a serviço de interesses particulares.
O silêncio e a mentira são inerentes à própria democracia para Lippmann (2008). No raciocínio dele, a imprensa acaba usando a estratégia de ressaltar os fatos à medida que lhe convém e deixar invisíveis ou omitir as informações quando não contribuem para os objetivos da proposta. Além disso, algo aparentemente contraditório numa democracia – quem consegue eliminar o conflitante na opinião, tem muito mais chances de obter êxito na estratégia de servir a opinião pública.
Outro aspecto tratado por Lippmann (2008) é a desinformação do público sobre o assunto abordado. Quando mais distante a informação estiver do receptor mais fácil fica o profissional manipulá-la, porque sabe que o cidadão não tem experiência e contato direto com o tema. Segundo o autor, isto muito acontece com notícias internacionais e também com informações cujas decisões são comandadas por poucos membros de altas cúpulas do poder. Essas informações, portanto, ficam invisíveis para a maioria do público quando não são apresentados pela imprensa. Ou seja, pouco se fala e quando ninguém trata deles, a impressão que fica é simplesmente não existissem. E nesses casos, dependemos da imprensa para ter acesso ao conteúdo.
Contudo, essa realidade mudou com o surgimento das redes sociais. As distâncias encurtaram-se e os assuntos ficaram mais visíveis com a participação e interação dos internautas. Com isso, as manobras para a imprensa não dar um espaço para um debate que já ganhou interesse do público e audiência nas plataformas virtuais, requer um esforço bem mais engenhoso além de ser um grande risco. Então se torna mais prático, mesmo contra a vontade e os interesses da linha editorial, dar a informação para não perder audiência e credibilidade.
Mesmo assim, muitas vezes a imprensa não leva em conta o contexto atual. Foi o que aconteceu com o caso da lua, em que o veículo simplesmente virou as contas à repercussão do fato na internet. Além disso, ao levar o assunto para os meios tradicionais poderia aproveitar a discussão como serviço de utilidade pública – orientando a esclarecendo as pessoas sobre as armadilhas de manipulação e falsificação das informações que circulam na internet. Ou até tentar buscar uma entrevista com o autor que gerou a imagem falsa. Porém nada disso foi feito.
Conclusões
Com uma sociedade mais participativa, questionadora e um fluxo constante de informações no mundo virtual, fica cada vez mais difícil à imprensa controlar ou silenciar os assuntos que interessam ao público. O que, de certa forma, acaba refletindo na forma de fazer jornalismo. Antes, conforme situa Appadurai (2004), a força dos valores notícia eram definidos “de dentro para fora”, agora essa lógica mudou para “de fora para dentro”. Com essa condição, portanto, o poder e o controle sobre a definição da notícia se deslocam das mãos do profissional para os dos leitores.
Isso não significa que a mídia não tenta impor as decisões para atender seus interesses, como é possível notar a partir do exemplo apresentado neste trabalho. Como bem observou Lippmann (2008), o silêncio e a mentira são inerentes à própria democracia. Só que, manter esta postura com o jornalismo pós-industrial é cada vez mais arriscado, com a enxurrada de produções nos meios virtuais, somadas a disposição do público de debater as notícias.
A nova realidade trouxe uma aceleração e uma ampliação no fluxo de notícias, proporcionando um ambiente mais dialógico entre profissional e público. Assim, ignorar ou esconder informações do público passam a ser comportamentos desajustados, até porque, de uma ou outra forma, o público terá acesso ao conteúdo que o veículo o sonegou. O acesso à tecnologia e às redes sociais favorece o público na divulgação das informações e na mobilização em prol das próprias ideias no espaço online. Assim, o compromisso e a responsabilidade pela qualidade dos conteúdos são fatores cada vez mais importantes para o jornalista e os meios de comunicação, justamente para se diferenciarem em relação ao emaranhado de notícias publicadas no mundo virtual.
Para não incorrerem em enganos como o conteúdo falso da lua, os meios de comunicação e os jornalistas devem ter cautela ao aplicarem a estratégia do crowdsourcing, como se fosse uma simples substituição da notícia produzida por um profissional da área. Até porque a chance de publicar uma informação errada se reduz de forma significativa se a notícia passar pelo crivo de um ou mais profissionais compatíveis com esta nova realidade.
Contudo, erros e silêncios acontecem, mas é fundamental admiti-los e corrigi-los, o mais rapidamente possível. O que não é aceitável é que o erro fique exposto por mais de 24 horas na rede, como aconteceu com o recorte analisado até ser retificado. Essa demora na correção da informação é contraditória com a velocidade da circulação do conteúdo online, ainda mais que na hora de publicá-la a urgência acabou tendo preferência – mesmo não se tratando de um assunto factual.
É claro que com essa análise não foi possível esgotar toda a nova configuração do jornalismo e seus silêncios e mentiras, mas se buscou compreender o jornalismo colaborativo, a partir da publicação e repercussão da foto fake de uma lua no Facebook do jornal ZH, cujo conteúdo foi gerado por um internauta. Com isso foi possível constatar que a interferência e o controle na informação têm importante reflexo no resultado da notícia e também na sua divulgação.
Referências
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Elstor Hanzen e Victor Gentilli são, respectivamente, jornalista com especialização em Jornalismo e Convergência das Mídias, e jornalista, mestre e doutor em Ciências da Comunicação