‘Na edição de quinta-feira o jornal relatou uma pequena tempestade que se formara na Assembléia Legislativa do Ceará devido a uma reportagem publicado pelo O Povo. Os deputados mobilizaram-se para responder à notícia publicada no domingo passado, manchete da edição, com o título ‘Para que serve o deputado?’, com o texto principal das páginas internas sob a denominação ‘O vazio do poder’. De forma bastante direta, a matéria explicava por que a Assembléia ‘legisla pouco, fiscaliza quase nada e produz um debate de rara conseqüência política’, reconhecendo que alguns dos problemas derivam das limitações impostas pela Constituição do Estado. Outras dificuldades, o jornal atribuiu aos próprios parlamentares, ‘nem sempre dispostos a criar problemas para o governo que apóiam’. (Dos 46 deputados, apenas dois declaram-se oposicionistas.)
As declarações mais expressivas a respeito das dificuldades por quais passa a Assembléia Legislativa foram dadas pelos próprios deputados. O presidente da Casa, Domingos Filho (PMDB), admitiu a dificuldade de legislar devido a entraves da Constituição, afirmando: ‘O que nos resta, após o parecer da procuradoria indicando que o texto é inconstitucional, é transformar o projeto de lei em projeto de indicação’. O projeto de indicação é chamado pelos próprios deputados de ‘requerimento de luxo’, pois é uma sugestão enviada ao governo, podendo este acatá-la ou não. Quanto à fiscalização, o deputado oposicionista Heitor Férrer (PDT) diz que a oposição é ‘massacrada’ pela base de apoio do governo.
O deputado licenciado Marcos Cals (PSDB), atualmente secretário da Justiça, com a autoridade de ex-presidente do Legislativo, diz que ‘a fiscalização poderia ser maior’, mas ‘os deputados ficam satisfeitos quando correspondem a alguma aspiração de suas bases eleitorais’. Cals não considera isso negativo, pois, para ele, cada deputado tem o direito a atender a ‘aspiração’ de suas bases eleitorais, ressalvando que Assembléia ‘não pode ficar fora de outros assuntos que estão correndo no Estado’. Quanto aos debates, desde o início da legislatura, a Assembléia enredou-se na discussão dos problemas relativos ao Réveillon promovido pela Prefeitura, tema que, obviamente, não é de sua competência. Em resumo, foram esses os assuntos tratados na reportagem, de forma bastante objetiva, sem adjetivações.
Na quarta-feira, o assunto monopolizou a pauta da Assembléia. O presidente Domingos Filho falou por 90 minutos sobre o tema, sem citar o jornal, fazendo um balanço dos trabalhos até então realizados. Outros deputados intervieram, houve 21 apartes à fala do presidente, alguns criticaram o jornal, outros concordaram com o teor das matérias. Até aí tudo normal. Sempre defendi que os meios de comunicação têm de se submeter ao escrutínio da sociedade, sem excluir desse direito as pessoas exercendo cargos públicos.
Diferença
Mas há uma grande diferença entre criticar, polemizar, discordar, debater – e o constrangimento e a ameaça, estes têm de ser repelidos com veemência, principalmente quando partem de quem exerce algum tipo de poder. Por exemplo: foi bastante razoável o então presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, sugerir à mídia uma ‘reflexão’ sobre o seu comportamento; mas foi intolerável a tentativa de expulsão do país de um jornalista americano que criticou o presidente da República.
Coube ao deputado Fernando Hugo agir desse modo indecoroso ao afirmar: ‘Esse jornal fede a cemitério, vive moribundamente há vários anos. Eles (os repórteres e editores da reportagem) são indignos de serem chamados de jornalistas’, palavras que o jornal transcreveu na íntegra e com destaque na página 18 da edição de quinta-feira. Ao fazer isso, O Povo desconstruiu a formulação do deputado. Somente um jornal com vitalidade e seguro de seu papel age assim; algo que poucos meios de comunicação teriam coragem de fazer. Para o diretor-geral de Jornalismo, Arlen Medina Néri, ‘no que se refere ao padrão de cobertura, a qualidade das reportagens publicadas pelo O Povo falam por si só. Elas abrem espaço, inclusive, para que o deputado ataque o jornal nas suas próprias páginas. Isso é uma mostra do nosso compromisso com o debate aberto, verdadeiro e franco, sem nenhum interesse em esconder críticas, ainda que falsas e injustas’.
Além do ataque ao jornal, o deputado não dispensou a referência depreciativa aos jornalistas. Por isso, o Sindicato dos Jornalistas no Ceará, enviou uma carta ao deputado, assinada pela presidente Déborah Lima, anotando: ‘Causou-nos estranheza a virulência das críticas aos jornalistas do O Povo (…). Ao dizer que os profissionais ‘são indignos de serem chamados de jornalistas’, pelo simples fato de analisarem os trabalhos da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, vossa excelência atinge não só a honra dos jornalistas empregados no O Povo, que têm como principal patrimônio a sua credibilidade, mas também a categoria dos jornalistas profissionais no Estado do Ceará’.
Não se trata de defesa corporativa, minha ou da presidente do Sindicato. Ataques desse tipo visam a coagir jornalistas e empresas de comunicação por meio de ameaças, e têm de ser alvejadas no nascedouro. A tentativa de constranger a liberdade de imprensa equivale a investir contra a democracia e não pode passar em branco.
A foto
Sem embargo, preciso ressaltar a concordância com uma das críticas dos deputados. Para ilustrar a matéria principal, sob o título ‘O vazio do poder’, o jornal publicou uma grande foto (seis colunas por 14 centímetros) com o plenário da Assembléia praticamente vazio. Só que havia um problema: era uma fotografia da legislatura passada.
O deputado Carlomano Marques (PMDB) classificou a publicação da foto antiga como um ‘erro grosseiro’ e disse que iria reclamar ‘oficialmente’ ao ombudsman, como registrou a matéria. O deputado não entrou em contato comigo, mas é de justiça registrar a sua queixa reconhecendo que ele tem plena razão.
(Já escrevi duas colunas alertando sobre o erro e o perigo de se publicar fotos antigas, ainda mais sem qualquer referência sobre a data em que foram feitas. O texto pode ser lido aqui)’