Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornal centenário quer sobreviver online

Anunciou-se nos Estados Unidos, terça-feira (28/10), que um dos mais tradicionais periódicos americanos, o centenário The Christian Science Monitor, deixará de ser impresso e aparecerá apenas na edição online, a partir de abril de 2009. A ‘retirada’ para a internet está sendo feita para reduzir custos. A circulação diária do jornal caiu de 220 mil exemplares, em 1970, para apenas 52 mil em 2008. As assinaturas hoje representam 9 milhões de dólares do faturamento enquanto a publicidade responde por menos de 1 milhão de dólares [ver aqui matéria do New York Times sobre o assunto].

Mesmo circulando somente de segunda a sexta, enviado pelos Correios e financiado por uma igreja – a First Church of Christ, Scientist, de Boston – o jornal ganhou sete prêmios Pulitzer e exercia grande influência dentro e fora do jornalismo. Ao longo de sua existência, conquistou merecidamente excelente reputação pela qualidade do seu texto, pela seriedade de suas análises políticas e, sobretudo, pela ampla cobertura internacional. Na década de 1970, no auge dos regimes militares ao sul da linha do Equador, o The Monitor – como é conhecido – se tornou leitura obrigatória para estudantes latino-americanos nos EUA.

Sinal dos tempos

Não é a primeira vez que um jornal deixa de circular na forma impressa e passa apenas para a internet nos EUA. Antes do The Monitor outros seguiram a mesma direção. Um exemplo recente é o The Capital Times, de Madison, a conhecida cidade universitária e capital do estado de Wisconsin.

No Brasil, com a economia acelerada e maior participação de parcela importante da população – até recentemente excluída – do mercado de consumo, os jornais, sobretudo os chamados ‘populares’, experimentaram importante crescimento. Isso, no entanto, foi antes da crise econômica global cujos desdobramentos ainda estamos a assistir. O que virá no futuro próximo?

Aparentemente, o que está acontecendo com a mídia impressa nos EUA, não pode ser explicado apenas pela questão econômica: crise ou crescimento. Se esse for o caso, mais cedo ou mais tarde, é inevitável que conseqüências semelhantes ocorram entre nós.

Trata-se, na verdade, de uma profunda mudança de comportamento e hábitos relacionados ao tipo de informações e à forma como parcela significativa da população, sobretudo a mais jovem, as procura e recebe (ou acessa?).

A revolução tecnológica que possibilita a produção e a distribuição de informação (dados, sons, imagens etc.), a baixo custo, através de diferentes dispositivos – o celular, por exemplo, já se transformou num PC portátil – torna inevitável a questão da sobrevivência, no médio e longo prazos, dos atuais jornais diários impressos. Nos EUA, no Brasil ou em qualquer outro país. Nada disso é novidade.

Desafios à frente

Não é novidade também que a disputa pelo poder político, nas democracias liberais, deslocou-se das praças públicas para as telas de televisão, as ondas de rádio, os sites da internet e – ainda – para as páginas dos jornais e revistas.

A magnitude dos números que têm sido divulgados sobre os gastos dos candidatos que disputam as eleições presidenciais deste ano nos EUA liquida de vez qualquer dúvida que ainda pudesse existir sobre a centralidade da mídia. (Custo total da campanha do Partido Democrata: 250 milhões de dólares; um único comercial de 30 segundos, entre produção e veiculação: 11 milhões de dólares, ou cerca de 24 milhões de reais]. Com um agravante: a mídia não é – apesar de agir como se fosse – apenas um ‘instrumento’ de campanha ou mera ‘transmissora’ de informações políticas. Ao contrário: é parte ativa do processo, articuladora de interesses, organizadora coletiva e construtora de sentido e significação política.

É dentro desse contexto complexo e cheio de contradições que precisam ser rediscutidas a sobrevivência dos jornais impressos, a formação profissional dos jornalistas e a indispensável regulação do setor de comunicações.

O caso do centenário The Monitor talvez esteja mais próximo de nós do que gostaríamos – ou a distância geográfica e cultural faz parecer.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)