Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crise, eleição e aquecimento

A fusão entre o Banco Itaú e o Unibanco, que surpreendeu até mesmo os colunistas especializados, divide a atenção dos jornais de terça-feira (4/11) com a eleição do presidente dos Estados Unidos. Como pano de fundo, persiste a grave crise financeira mundial, cujos efeitos já se diluem no noticiário de todos os dias.


A imprensa parece aceitar a idéia de que, afinal, é possível que passemos a viver no olho do furacão sem nos darmos conta disso. Ou simplesmente cheguemos à conclusão de que, como todas as crises, ela vem acompanhada de oportunidades, como acabam de demonstrar os criadores do maior banco do Hemisfério Sul.


Uma terceira notícia parece ter disputado as atenções dos editores dos jornais: a discussão sobre o significado da anistia política com a qual o Brasil tentou fazer as pazes com seu passado recente. O ponto central do debate é a punibilidade ou não dos crimes de tortura cometidos durante a ditadura militar. O pano de fundo é a capacidade do Judiciário e dos agentes políticos brasileiros de concluir e arquivar um dos episódios mais conturbados da História do país.


Presença discreta


O noticiário sobre a eleição americana segue o roteiro traçado pelas agências de pesquisa, que dão quase como certa a vitória do democrata Barack Obama. Sobra ainda espaço para especulações sobre o futuro dos Estados Unidos sob um eventual governo democrata. E muita cinza é lançada sobre o agonizante poder do presidente George W. Bush, cujo governo foi considerado, pela esmagadora maioria dos historiadores consultados numa pesquisa reproduzida pela imprensa, como um absoluto fracasso.


Há outro acontecimento relevante a ser registrado, mas os jornais passaram ao largo: a visita ao Brasil do economista britânico Nicholas Stern, coordenador de um amplo estudo sobre o impacto das mudanças climáticas para a economia mundial.


Stern fez uma palestra e participou de um debate com cientistas na sede da Fapesp, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, com uma presença discreta de jornalistas.


O Globo foi o único dos grandes jornais brasileiros que prestou atenção a ele. O Estado de S.Paulo e a Folha de S.Paulo apenas lhe concederam um registro.


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A verdadeira crise


O alerta que o economista Nicholas Stern veio fazer ao Brasil será inevitavelmente tema prioritário para o futuro presidente dos Estados Unidos, assim como já faz parte das preocupações dos banqueiros de todos os tamanhos.


Os dados que apresentou merecem mais atenção da opinião pública, porque se referem à nova circunstância que se cria para a economia e para a vida das pessoas com a constatação dos efeitos das mudanças climáticas nas atividades humanas.


O estudo conduzido por Nicholas Stern em 2006 – e constantemente atualizado – indica que o fenômeno do aquecimento global não representa apenas um risco para o bem-estar da humanidade, mas também uma oportunidade para mudanças no modelo econômico predominante nos negócios globais.


Ouvidos moucos


Stern, que é ex-ministro e conselheiro econômico do governo inglês, observou que o Brasil tem um enorme potencial para colaborar nos planos de mitigação dos danos do aquecimento, simplesmente criando um modelo de desenvolvimento que permita estancar o desmatamento na Amazônia e no Cerrado.


Ele partilhou alguns detalhes do estudo que divulgou em abril deste ano, no qual o grupo de pesquisadores que coordena elaborou as bases para um acordo mundial de desenvolvimento sustentável que explore as oportunidades criadas pelo risco do aquecimento global.


Por enquanto, a imprensa brasileira segue ignorando o tema. A questão do clima é a crise verdadeira que ninguém quer enxergar.


 


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Lições da crise — Fábio de Castro (Agência Fapesp)