Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mantenha a coluna ereta, deputado!

Parece que estou ouvindo a mãe da gente, em tempos idos, esbravejando ao corrigir a postura de menino ou menina que se deixa relaxar em posição desarrumada, entortando a coluna vertebral, como se alquebrasse não só o corpo, mas a direção da vida.

Assim, ao ler a pequena entrevista do jornalista Fernando de Morais, publicada no Zero Hora, veio-me a sensação feminina tão comum no zelo pelos filhos que precisam endireitar as costas, para que seu caminhar siga seguro, equilibrado.

Em certo trecho, ele diz assim: ‘Querem quebrar a coluna vertebral de Dirceu e, com isso, associá-lo ao que há de pior na política, que é a corrupção. Querem quebrar a esquerda brasileira. Não acho que esse escândalo seja oriundo de conspiração das elites. O problema é que Dirceu virou bode expiatório’.

A história está repleta de injustiças, de falsas conclusões, de julgamentos apressados que, tempos depois, se desfazem em lamúrias, arrependimentos, quando os fatos esclarecidos, mesmo que desmentidos, não conseguem retomar o curso do que foi desviado do interesse de tantos sobre o destino de poucos.

Na música do Chico Buarque Joga pedra na Geni, aquela que todos queriam ver banida da cidade acaba aclamada como a salvadora, depois de escolhida para fazer um bem maior em nome da população, apesar de ter sido apedrejada, inúmeras vezes, pela sede hipócrita de moralidade inconsistente que permeava os habitantes do lugar fictício da canção. Imagino a Geni de cabeça baixa, espinha dorsal arqueada, cabeça pendida, ao gosto dos homens culpados por terem-na admirado e desejado e para júbilo das mulheres invejosas, que gostariam de ter sido como ela, em algum momento.

Raízes profundas

O deputado Dirceu tem demonstrado que deseja manter a dignidade, a cabeça erguida, o olhar destemido, encarando de frente seus algozes, ou mesmo ter o solene direito de defesa, sem abdicar, como se fora um criminoso, do mandato, mesmo correndo todos os riscos que a lei impõe e que os meandros do julgamento político ensejam.

Tempos difíceis esses, em que o disse-me-disse sem provas, de comadres invadiu o jornalismo, atravessou as fronteiras dos palácios, aboletou-se nas intrigas parlamentares, alimentou as operações da Polícia Federal e promoveu shows televisivos nas transmissões das Comissões Parlamentares de Inquéritos.

Será que esse ‘comando-e-controle’ exercido pelos atores do processo, a mídia e os políticos, instaurado na crise política brasileira, não terá raízes mais profundas no inconsciente coletivo nacional que fica buscando Genis para tombar, dobrar, quebrar as caídas ‘espinhelas’ da mudança social necessária e eternamente protelada pela sociedade brasileira?

Posição de sentido

Há tanta contra-informação quanto denuncismo, mentiras repetidas, que se tornam verdades para gáudio dos oportunistas de plantão. O que não significa que não se apurem as verdades nua e cruamente, com a imparcialidade que não permite o desvio do foco principal.

Fico lembrando do andar dos judeus confinados em campos de concentração. Suas colunas tentavam se erguer, enquanto comandantes nazistas os faziam encurvar, serem banidos da luta, naquele episódio trágico da história da humanidade.

Manter o dorso em posição de sentido, respirar fundo, enfrentar com disposição a luta por esclarecer suas ações, marchar na ‘coluna’ da verdade histórica, entre outras atitudes, é o que se deseja e espera não só do Dirceu, mas de todos os que atiram as primeiras pedras, ou que se desviam delas, adiando a solução da crise.

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Jornalista e professora universitária, Rio de Janeiro