Nem sempre é bem-sucedida a tentativa de reportar os fatos do cotidiano e, ao mesmo tempo, interpretá-los do ponto de vista da história. Especialmente a televisão sofre com a obrigação de ser ‘real’ (eu deveria dizer ‘em tempo real’), no sentido de tentar mostrar o que acontece, no momento em que acontece e, ao mesmo tempo, dar um sentido ao fato. Na verdade, não existem pólos opostos num processo de escolha que demanda sobretudo bom-senso jornalístico: é possível, sim, abordar os temas correntes e tratá-los com sua dimensão histórica.
Vem daí o sucesso do Milênio. Ele não reside apenas na quantidade e qualidade dos nomes que, nos últimos (10? 11?) anos, estiveram semanalmente na telinha da Globo News. A popularidade da série está diretamente relacionada à habilidade de vincular os acontecimentos em tempo real a nomes capazes de interpretá-los. E porque interpretar acontecimentos denota também visão de mundo, é relevante a diversidade de visões de mundo que o Milênio vem oferecendo há mais de uma década.
Seria injusto, por outro lado, reduzir a série volumosa de entrevistas a uma simples lista de personalidades capazes de comentar o cotidiano. Boa parte dos entrevistados esteve no Milênio justamente porque esse produto televisivo é uma real oportunidade de desenvolver ideias, explicar trabalhos e conquistas, polemizar, abrir horizontes para o assinante e deixar que o próprio entrevistado conte quem ele é. Esse é um espaço raro na TV brasileira (assim como a Globo News também é um produto raro) e arrisco-me a dizer que a popularização da televisão por assinatura é a responsável por tornar ainda mais importantes programas como o Milênio.
Uma entrevista que enriquece
Participei do programa em várias ocasiões, entrevistando personalidades bastante diversas, e acho que ele conseguiu escapar de duas armadilhas. A primeira, como dizia acima, era a de acorrentar o elenco de entrevistáveis ao cotidiano dos fatos. O segundo alçapão, ainda mais perigoso, era o de ordenar os entrevistados segundo seu grau de ‘celebridade’, não importando o campo de sua atuação.
É óbvio que personalidades de destaque – seja por graduação acadêmica, seja por projeção política – acabem tendo uma forte presença na mídia. Entretanto, o Milênio não se limitou a convidar nomes já suficientemente conhecidos a ponto de ‘dispensar’ apresentações. Uma das missões de maior relevância do programa foi apontar, esmiuçar e expor tendências de seus principais protagonistas, conhecidos ou não do grande público.
Outro ponto que sempre me pareceu muito relevante no Milênio é o número relativamente grande de entrevistadores. Além disso, algumas das entrevistas são, na verdade, um inteligente debate entre pessoas que se conhecem bem – e dominam os respectivos trabalhos –, o que enriquece ainda mais o programa do ponto de vista do público. É esse foco, ao mesmo tempo jornalístico e educativo, que desmente cabalmente as visões ideologizadas e preconceituosas em relação à TV comercial.
O Milênio consolidou-se porque tem como seu principal objetivo servir o assinante, tratando-o como ser inteligente, ávido por informação e disposto a sacrificar entretenimento barato por uma boa meia hora de entrevista da qual sabe que sairá, de alguma maneira, enriquecido.
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Jornalista