Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O astro morreu; para a imprensa, virou santo

‘Os molestadores de crianças, em Miami, são obrigados a morar embaixo de ponte, porque a lei local não permite que, depois de cumprida a sentença na prisão, morem a menos de 750 metros de escolas ou parques.’ (O Estado de S.Paulo, 28/6/2009).

No mesmo país onde em alguns estados a lei é tão rigorosa, molestadores milionários são acusados e inocentados e seus crimes esquecidos, como no caso do super-astro que morreu semana passada. Michael Jackson era notícia toda vez que aparecia de máscara (para evitar germes), tinha mais um filho ou ficava um pouco mais branco. Mas bastou morrer para que a mídia esquecesse tudo isso. Era Jacko, era o esquisitão, era o molestador de crianças. Até quinta-feira (25/6).

A morte de Michael Jackson foi o acontecimento da semana. E, ao que tudo indica, ainda vai render. Na segunda-feira (29), a família ainda escolhia o tipo de funeral e faltava definir exatamente qual foi a causa da morte do ídolo. A notícia era quente, pois, afinal de contas, ele foi o ‘rei do pop’ dos anos 1980.

O inesperado foi o exagero da mídia. No dia de sua morte, a GNT, aproveitando imagens da CNN, interrompeu a programação diária para ficar congelada nas imagens do hospital para onde o artista havia sido levado. E os pobres espectadores foram massacrados durante horas seguidas com comentários do tipo ‘um jornal confirmou a morte’ ou ‘ainda não temos confirmação’.

A comoção foi tão forte – ou a falta de assunto era tão grande – que a mídia até esqueceu a morte, no mesmo dia, da atriz Farrah Fawcett, que tinha ganhado um espaço igualmente desproporcional na mídia americana, semanas antes, ao lançar um vídeo mostrando sua vida de moribunda ao lado do companheiro Rian O´Neal. Trechos do desse vídeo foram exibidos no Fantástico, no domingo (28). Os espectadores brasileiros não foram poupados.

A caminho da canonização

Na quinta e sexta-feira (25 e 26/6), emissoras de TV e jornais não falaram de outra coisa. As emissoras – nos telejornais e em programas especiais – levaram uma grande vantagem, pois todo mundo tinha pelo menos um clipe para mostrar, com destaque para o que o artista fez no Brasil numa favela do Rio e, em Salvador, com o grupo Oludum. Foi um tal de entrevistar o povo do Olodum, subir o morro no Rio, falar com gente na rua para discutir ‘a importância’ do artista que parecia ter morrido um grande homem.

Até o jornal do Vaticano falou do assunto. E, como o ‘rei do pop’ morreu, ninguém fez questão de lembrar da parte suja da biografia do artista, que, depois de sumido das manchetes, voltou a ser notícia quando foi julgado por pedofilia. Este caso virou uma linha perdida no meio das loas ao artista, com comentários do tipo ‘esteve envolvido em escândalos’.

Para que se faça justiça, é preciso dizer que Veja – o assunto de capa foi Jackson, naturalmente – lembrou que ele foi duas vezes acusado de pedofilia e que, em entrevista, confessou que dormia com meninos em sua cama.

Com tanto disco vendido, com tantos fãs no mundo inteiro, não se poderia esperar que a morte do cantor deixasse de ser faturada pela mídia. Mas a imprensa não poderia ter omitido, como fez, o lado fortemente negativo desse que agora vai virar santo.

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Jornalista