Que o Brasil é um lugar perigoso para o exercício da profissão de jornalista, isso é: está entre piores do mundo, conforme levantamentos de organizações mundiais como a Repórteres sem Fronteiras. Mas a situação ruim já ficou para trás: agora é péssima. Em pouquíssimos dias, seis pessoas no exercício da profissão de jornalistas foram insultadas e agredidas fisicamente; e uma sétima foi presa.
Em um caso, a agressão partiu de uma multidão de torcedores de futebol, pouco antes de uma partida decisiva (em que seu time perderia o título); em outro, de um segurança extremamente zeloso com o nervosismo de seu patrão e a manutenção de seu emprego – certamente mais bem remunerado e aquinhoado que o de seus colegas de profissão. Mas, em cinco casos, a agressão e as arbitrariedades ocorreram a sangue-frio.
Ou nos movimentamos, exigindo punições e acompanhando os processos, ou haverá muita gente achando que vai resolver seus problemas com a opinião pública agredindo – ou ferindo, ou prendendo, ou matando – os jornalistas.
CQC 1
Danilo Gentili, do programa CQC, comandado pelo jornalista Marcelo Tas na Rede Bandeirantes, queria falar com o presidente do Senado, José Sarney, sobre a crise que enfrenta. Há quem diga que o pessoal do CQC é inconveniente; talvez o seja. Mas o que este colunista sempre aprendeu é que não há perguntas inconvenientes. O que pode ser inconveniente é a resposta.
A pergunta de Gentili versava sobre a perda de poder de Sarney, depois de tantos anos sem contestação. Um segurança nem o deixou aproximar-se: levantou-o pelos braços e jogou-o longe. Gentili, irritantemente calmo, perguntou do chão como Sarney se sentia tendo perdido poder. O presidente do Senado não respondeu. Mais tarde, o segurança procurou Gentili, encontrou-o e deu-lhe um soco. Pelo que diz a Polícia Legislativa, o segurança, por apelido ‘Picolo’, não é funcionário da Casa.
E a Polícia Legislativa, formada por funcionários da Casa, não se moveu para impedir que alguém que nem funcionário é agrida quem o incomoda.
CQC 2
Felipe Andreoli, do CQC, estava no Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre, pouco antes do jogo em que o Inter perderia o título brasileiro para o Corinthians. Seu objetivo era gravar entrevistas com a torcida. Um grupo de torcedores do Internacional nem esperou que ele começasse: começou a xingá-lo e o atacou a socos e pontapés. Por sorte, um grupo de seguranças do Internacional interveio rapidamente, ajudado por alguns torcedores, e conseguiu proteger Andreoli e equipe. Mas o caro colega já pensou se os seguranças do Inter, que foram competentes e profissionais, agissem (ou não agissem) como a Polícia Legislativa?
Advogado brigão
O advogado Francisco Rogério Del Corsi, defensor de Camila Dolabela, acusada de matar uma jovem num jogo de RPG, comportou-se mal a prestações. No primeiro dia, ao chegar ao Fórum de Ouro Preto, MG, no dia 1º de julho, jogou o carro contra uma repórter de TV, não conseguindo por pouco consumar o atropelamento. No dia 2, na porta do Fórum, deu um soco no fotógrafo do jornal Estado de Minas, Emmanuel Pinheiro. O soco acertou a máquina, que bateu no rosto de Pinheiro. Em seguida, ameaçou: ‘Depois encontro o senhor na hora em que o senhor quiser’. Voltando-se para o fotógrafo do jornal O Tempo, Bruno Figueiredo, insultou sua mãe. E esbravejou: ‘Vocês são vagabundos, despreparados. Vocês sequer têm diploma!’
Pois é: ele, o causídico, que xingou, agrediu e tentou atropelar, tem diploma.
A arbitrariedade
Thiago Guimarães, repórter do Diário da Região, de São José do Rio Preto, SP, numa reportagem sobre tráfico de drogas, comprou quatro pacotes de maconha, ‘para mostrar a facilidade com que se comerciam drogas na cidade’. Como conta, basta encostar o carro, pedir, pagar e receber. Não há qualquer risco de ser preso: durante todo o tempo em que fez a reportagem, Thiago Guimarães não encontrou nenhum carro policial. Em seguida, Thiago foi à Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes para entregar a maconha ao delegado Fernando Augusto Nunes Tede. O delegado não hesitou: prendeu o jornalista, ‘por adquirir droga sem autorização ou em desacordo com determinação legal’ (artigo 33 da lei 11.343/06).
Naturalmente, o delegado estava errado: não pode ser preso por porte de drogas quem se apresenta por livre e espontânea vontade. Mas, se o jornal não tivesse encontrado rapidamente um advogado, Guimarães dormiria na cadeia e lá ficaria até conseguir um habeas corpus. Guimarães, o repórter, ficaria preso. Já o pessoal que vende maconha sem ser incomodado continua tranquilo. Mas a Polícia promete investigar as denúncias do Diário da Região.
Os sindicatos têm protestado contra a onda de violência, mas é pouco: é preciso haver mobilização geral contra a escalada de arbítrio e de agressões. Será ilegal ou antiético levantar as atividades dos que agem com violência e arbitrariedade contra os jornalistas e, se forem ilegais, publicá-las, tudo direitinho, com a versão de todas as partes e ampla documentação, para que eles tenham algo com que se preocupar além de agredir quem esteja trabalhando?
Curiosidade matinal
Deve ter sido assim, com certeza. Um dia, o repórter acordou, tomou seu banho e, enquanto fazia a barba, pensou: será que o casal Nardoni não estará brigando? Seria uma bela história! Vamos verificar!
O casal Nardoni é o que foi acusado de matar a menina Isabella, 6 anos. Ambos estão presos, sem julgamento, há mais de um ano.
O repórter, em seu surto de curiosidade matinal, ‘tem acesso’ (é uma maneira elegante de dizer que alguém, interessado no caso, forneceu informações que deveria manter sob sigilo) à correspondência trocada pelo casal e garante que a última carta de amor foi enviada por ele a ela, no fim do ano passado; e a resposta dela é, digamos, burocrática, sem manifestações de carinho, e tratando apenas de temas do dia-a-dia. E que, de lá para cá, as cartas são sempre triviais, sem expansões amorosas.
Temos então a reportagem: as cartas, que não podem ser mostradas; os advogados, que não ouviram falar do caso (logo, ‘não confirmam mas também não desmentem’), e uma ampla side-story mostrando que casais que cometeram crimes juntos normalmente se separam depois de presos. Ou seja, os dois, que não foram ainda nem submetidos a julgamento, já são apontados como autores do crime.
Pois é. Quantas vezes um repórter não procura uma empresa e diz algo como, ‘lendo o Diário Oficial agora de manhã, encontrei uma informação que gostaria de ampliar’ etc., etc? Agora, diga: quantos jornalistas o caro colega conhece que têm, como hábito diário e matinal de leitura, o Diário Oficial?
Taleb, mais que amigo
Jorge Antônio Taleb, turcão expansivo, cordial, gente fina, excelente jornalista, amigo a toda prova, morreu há poucos dias, em Goiânia. Jorge Taleb conseguiu tudo na vida: exerceu a profissão de que gostava, do jeito que gostava. Casou-se com uma mulher inteligente, amorosa, profissionalíssima, bonita e elegante. Sua filha, Carolina, linda desde criancinha, nunca deu trabalho para estudar (nem para entrar direto na faculdade, nem para se tornar dentista). Seus amigos sempre foram capazes de brigar por ele. E ele foi capaz de, amigo de muitos políticos, de muitos empresários, de muita gente rica e poderosa, continuar vivendo de maneira simples, dispondo apenas daquilo que o trabalho incessante e honesto lhe proporcionou.
Você já está fazendo falta, Turcão! Desde que a tremenda luta contra o câncer começou, já faz mais de dois anos, Jorge Taleb começou a fazer falta. O câncer, mais o agressivo tratamento contra o câncer, deixaram-no fraco. Mas não parou de trabalhar: até os últimos dias, quando teve de ser internado e não mais deixou o hospital, escreveu seu blog, escreveu para o Diário da Manhã, conversou com os amigos – quase sem voz, quase sem forças, mas com o coração transbordante.
Os amigos goianos que me desculpem; mas, com a morte de Jorge Taleb, fica muito difícil visitá-los. Chegar ao aeroporto sem encontrar o Turco é como trazer de volta uma enxurrada de lembranças. Como explicar a quem estiver por perto o motivo das lágrimas em público?
‘O nosso’ Delúbio
Ele está de volta: Delúbio Soares, que era tesoureiro do PT no episódio do Mensalão e acabou sendo expulso do partido, passa a assinar uma coluna no mesmo Diário da Manhã onde escrevia Jorge Taleb. ‘Nosso’ Delúbio, como Lula o chamou, relembra suas ligações com Goiás (é de lá, e lá iniciou sua carreira no Sindicato dos Professores; só mais tarde ajudaria a fundar o PT e se radicaria em São Paulo). Leia aqui o primeiro artigo de Delúbio Soares.
É o cara
O imperador francês Napoleão Bonaparte, exilado na ilha de Elba, voltou à França para retomar o trono. Sua investida vitoriosa, em 12 dias, pode ser acompanhada pelas manchetes de um jornal:
‘O ogro desembarcou em Golfe-Juan’; ‘O monstro dormiu em Grenoble’; ‘O tirano cruzou Lyon’; ‘O usurpador foi visto a 60 léguas de Paris’; ‘Bonaparte galopa, mas nunca entrará em Paris’; ‘Napoleão estará amanhã diante de nossas muralhas’; ‘O Imperador chegou a Fontainebleau’; ‘Sua Majestade Imperial e Real entrou em seu castelo das Tulherias em meio a seus leais súditos’.
A Europa tem guerras, o Brasil tem futebol. Vale a pena acompanhar jornais e colunistas esportivos durante a já longa trajetória de Dunga como técnico da Seleção brasileira. Quem o considerava teimoso por insistir com jogadores que não dão certo agora o louva por ter montado e mantido uma estrutura para o time. É o efeito-manada: se um diz, os outros fazem o possível para dizer com mais ênfase. E mesmo quem sempre o achou uma besta e até chegou a rir de suas camisas agora está dizendo que ele criou uma Seleção capaz de ganhar a Copa do Mundo.
Este colunista, que como todos sabem é imparcialíssimo quando se trata de futebol, tem simpatia por Dunga porque jogou no Corinthians entre 1984 e 1985, embora sem grande destaque. Mas, definitivamente, quem convoca Afonso para jogar de centroavante da Seleção não é o técnico de seus sonhos.
E não é uma vitória suada contra os Estados Unidos, que de futebol não sabem nem o nome (pensam que se chama soccer), que vai fazê-lo mudar de opinião.
O adversário real
Quando Elio Gaspari dirigia Veja, seus inimigos garantiam que quem dava as ordens na revista era o general Golbery do Couto e Silva, fundador do SNI. Elio, bem humorado, não dava a mínima para isso. E ainda brincava, quando alguém lhe perguntava por que fazer as coisas de um jeito e não de outro: ‘O Golbery pediu. Eu resolvi atender. Você sabe, ele manda, eu faço’.
Abre-se a internet, hoje, e parece que todas as manhãs há uma reunião, comandada por Fernando Henrique (desculpe! Por ‘FHC’), com os dirigentes dos principais órgãos de comunicação do país (desculpe, ‘barões da mídia’). Traduzindo, Fernando Henrique, ou José Serra, determinam às Organizações Globo, Folha, Estado e Abril o que vão noticiar e de que maneira; e, mais importante, que notícias devem omitir. E Marinhos, Mesquitas, Frias e Civitas obedecem!
Pois é: a moda é transformar a imprensa em grande inimiga, absolutamente destituída de credibilidade. Bom mesmo é o blog de alguém que já tenha atuado na grande imprensa, tenha até atingido altas posições, sem nunca reclamar de restrições que porventura tenha sofrido, e hoje se passe por inimigo da ‘mídia’ – ‘mídia’, como ‘FHC’, como ‘golpista’ (sinônimo de quem faz oposição), é parte integrante do vocabulário obrigatório do grupo.
Qual a consequência disso? É difícil avaliar – mas algumas coisas já estão acontecendo. Na Argentina, o casal Kirchner fez campanha contra o Grupo Clarín, e não contra os candidatos que disputavam as eleições pela oposição. Resultado: como o diário Clarín não era candidato, não perdeu um voto sequer com a campanha liderada pela presidenta e seu primeiro-cavalheiro. E os oposicionistas, livres, leves e soltos, deram uma surra nos peronistas da linha Kirchner.
A imagem dos pobres detentores do poder, coitados, que tanto sofrem nas mãos da oposição pérfida mobilizada pela elite milionária, não deu certo. E a eleição criou chances reais para que um membro da elite milionária do país, o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, cresça muito na política argentina.
Como…
De um grande portal noticioso:
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‘Perlla janta em japonês com amigo depois de compor para novo CD’É bom: deixa a possibilidade de várias interpretações. E que é que um intérprete faz?
…é…
Também de um grande portal de notícias:
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‘Modificação radical cria `rosquinhas´ na testa’Deixe a malícia de lado: são buracos parecidos com rosquinhas, como se os chifres tivessem sido arrancados pela raiz. Horríveis!
…mesmo?
De um grande jornal:
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‘Mesmo com a crise no Senado, Lula abre espaço em sua agenda para receber o Corinthians’Este também dá muita variação, e vale praticamente tudo: ‘Mesmo com a crise em Honduras, Lula abre espaço em sua agenda para conversar com Sarney’. Ou então: ‘Mesmo com a queda da arrecadação, Lula abre espaço em sua agenda para almoçar e jantar’. ‘Mesmo com títulos como este, a gente lê jornal’.
E eu com isso?
Pois é: queda de arrecadação, marolinha afogando gente, a descoberta de que só vai para o Senado quem tem família imensa, coisas chatíssimas. Nada que possa ser comparado a notícias como, por exemplo:
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‘Mulher vai depor nos EUA com esquilo escondido entre os seios’**
‘Rihanna faz aulas de tatuagem e desenha guarda-chuvas em 4 pessoas’**
‘Gato invade estúdio de TV durante programa e é reconhecido pela dona’**
‘Diego Hypolito se atraca com modelo no seu aniversário’Um certo exagero: foi um beijo bem dado, mas só um beijo.
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‘Funcionários tiram a roupa para levantar o moral da empresa’Esta precisa de explicação: a proposta foi feita por um consultor e parece que todo mundo gostou. Agora vem a melhor parte: o trabalho pelado vai para a TV. E é capaz de virar reality show. Mas, cá entre nós, ‘levantar o moral’ é um eufemismo dos melhores!
O grande título
Comecemos com a violação à lei seca:
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‘Homem vai preso após dirigir trator bêbado’A notícia não esclarece se o trator se submeteu ao teste do bafômetro.
Em seguida, a violação às leis americanas de livre disposição do corpo:
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‘Gerente é demitido de parque nos EUA após assediar sereia’A Marli Gonçalves, minha companheira de trabalho, que é grande especialista em sereias e tem uma imensa coleção de desenhos e estatuetas, chegou à conclusão de que a notícia não pode ser verdadeira: as sereias descritas por Homero (o grego, não o beque central campeão dos Centenários pelo Corinthians, em 1954) atraem os homens e os matam assim que se aproximam. Mas a notícia, de certa forma, é verdadeira: as personagens são mocinhas vestidas de sereia que trabalhavam num parque aquático americano. Ou seja, quem iria para o abate não seria o homem, não.
São títulos fortes. Um, entretanto, parece-me um pouco melhor que os outros:
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‘Morre mais sexta vítima de atropelamento em Bangu’Certamente não estarão contando de seis em seis. Certamente as pessoas continuam morrendo uma vez cada uma. Alguém entenderá este título?
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados