Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Último Segundo

PAÍS DA CORRUPÇÃO
Alberto Dines

A indústria do abraço, 18/05/07

‘As operações desencadeadas pela Polícia Federal desvendam periodicamente um novo segmento do S.B.C.O., o Sistema Brasileiro do Crime Organizado, cujas dimensões e diversificação, por mais estarrecedoras que pareçam, serão superadas pelas próximas. Menos letal do que o narcotráfico, mas tão perigoso quanto ele, o ‘crime de colarinho branco’ opera em diversas modalidades e instâncias, entrelaçadas na origem, desenrolar e desfecho.

Tudo começa com o tráfico de influência – a indústria do abraço, a atividade mais lucrativa do País – e deságua na economia informal, a imensa lavanderia a céu aberto, nos desvãos do Estado, onde os ilícitos são enxaguados, engomados e devidamente adaptados à vida ao ar livre.

A Operação Hurricane desvendou a associação de uma das alas da Máfia das Sentenças com a indústria do jogo, loterias, bingos, caça-níqueis e o incansável lobby dos cassinos. Na realidade, esta operação ampliou um painel esboçado há dois anos pelas revelações do Caso Waldomiro Diniz e infelizmente interrompidas.

Recém deslanchada, a Operação Navalha começa a identificar uma variedade da Máfia das Licitações, muito mais ágil e mais atualizada do que a obsoleta ala dos Vedoin que operava no ramo das ambulâncias superfaturadas para congressistas.

Enquanto a Máfia das Sentenças operava à sombra do Judiciário e os sanguessugas freqüentavam o Legislativo, os ‘obreiros’ recém-descobertos operam no âmbito do Executivo (federal, estadual e municipal) incrivelmente bem situados e altamente capacitados para detectar programas geradores de construções e edificações.

Antes mesmo de engrenado o PAC, descobre-se que os ‘obreiros’ concentrados em torno da empreiteira Gautama e operando em nove Estados já dispunham do mapa da mina e iniciavam o reconhecimento do terreno para garantir licitações no mais ambicioso plano de obras desde os tempos de JK.

Na quarta-feira, um dia antes de serem presos, dois altos executivos da Caixa Econômica Federal reuniram-se com a ministra Dilma Roussef para discutir a liberação de recursos para diversas obras incluídas no PAC. Entre os documentos apreendidos no gabinete de um deles, havia 20 pastas contendo documentos do dito programa. É evidente que a ministra Roussef não estava informada a respeito das investigações da PF, nem poderia imaginar que funcionários desta categoria tivessem escapado do pente fino dos órgãos de segurança.

A imagem da Gautama não chega a ser imaculada. Em 2000, num acirrado debate entre os senadores Renan Calheiros e ACM, a Gautama já era mencionada como fonte de grandes irregularidades. Antes, seu dono, Zuleido Veras, já estivera envolvido em negócios com o tesoureiro de Collor de Melo, PC Farias. Pergunta-se: como é que ao longo de tanto tempo não se conseguiu impedir que uma empreiteira suspeita continuasse participando e ganhando sucessivas licitações?

O Sistema Brasileiro do Crime Organizado, ao contrário do Estado que deveria eliminá-lo, consegue reinventar-se permanentemente. E o faz de forma ostensiva, sem pudores ou disfarces. A indecorosa disputa por cargos que estamos assistimos há sete meses não tem por objetivo a busca de excelência ou competência. Os candidatos que se digladiam não sonham com a oportunidade de realizar projetos históricos, nem andam atrás de vultosos salários, querem apenas as ‘bocas ricas’ capazes de acionar a máquina de traficar influências e favores.

A corrupção no Brasil tem vencido todas as batalhas porque está incrustada no processo de escolher e tomar decisões. É sistêmica, orgânica, apartidária, suprapartidária, ecumênica e universal. Funda-se no princípio de que a vantagem pessoal será sempre legítima mesmo na esfera pública.

O toma-lá-dá-cá é a religião do nosso Estado laico. O traço sobrevivente da antiga cordialidade brasileira é o abraço político, já não mais prova de carinho ou solidariedade, mas um contrato para a partilha de lucros.’

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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