Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O debate é mais complexo do que a sociedade imagina

Apesar de não concordar com algumas decisões tomadas pelo ministro Gilmar Mendes frente ao STF, nunca me atrevi a opinar sobre certos assuntos justamente por não ter informações suficientes ao ponto de só utilizar bons argumentos nas minhas análises. Porque jornalista é assim: se cerca de informações legítimas, fatos reais e boa argumentação para escrever sobre determinado tema. Mas agora que nosso excelentíssimo presidente do STF julgou uma área que conheço muito bem, decidi fazer meus comentários e demonstrar minha indignação pela aprovação da não-obrigatoriedade de diploma no exercício do jornalismo.

Para início de conversa, deixo registrado que tal decisão é, no mínimo, um retrocesso, uma involução. O curso de Jornalismo foi criado com o objetivo básico de formar profissionais bem qualificados para trabalharem nos veículos de comunicação brasileiros. Mais: a profissão foi regulamentada há 40 anos para evitar algo muito comum nas redações de décadas passadas, ou seja, pessoas sem formação superior (ou com graduação em áreas diversas) assinando textos jornalísticos. O registro profissional foi uma conquista. Foram anos e anos de luta para que nós, jornalistas, fôssemos respeitados como muitos outros profissionais.

Não justifica mudar a legislação

Em determinado trecho de seu relatório, o ministro Gilmar Mendes usou como exemplo algumas atividades para as quais não é necessário ser diplomado, como culinária e corte & costura. Hã? Sério mesmo? A discussão chegou a esse ponto? Para mim, esse não é o mérito da questão. Para mim, comparações desse nível só demonstram o quão infundada foi a decisão do sr. Gilmar Mendes (assim como os sete votos dos demais ministros). Uma coisa é certa: esse debate é muito mais complexo do que a sociedade imagina! Só para vocês terem uma idéia, essa disputa judicial começou em 2001.

Agora, por favor, acompanhem meu raciocínio: posso aplicar injeções, mas não devo, pois não sou enfermeira; posso indicar o uso de Albicon para o tratamento de aftas, mas não devo, pois não sou farmacêutica; posso falar que a paroxetina é o melhor medicamento contra a depressão, mas não posso receitá-la, pois não sou médica; posso analisar e aconselhar uma amiga depressiva, mas não domino as técnicas relacionadas à psiquê, pois não sou psicóloga. Tenho um bom domínio da língua portuguesa, mas não posso lecionar como professora, pois não tenho licenciatura. Percebem aonde quero chegar com essa linha de pensamento?

Tais afirmações me lembram uma discussão que tive com uma colega graduada em Relações Públicas (uma das habilitações do curso de Comunicação Social) anos atrás. Na época, ela se disse contra a exigência do diploma no Jornalismo e iniciou um debate intenso entre nós. Um dos exemplos usados por ela foi pessoal: a RP havia sido brilhante em um processo seletivo, mas foi impossibilitada de assumir a vaga por não ser jornalista. Entendo perfeitamente a chateação dela, mas não acho que seja justificativa para querer mudar a legislação.

A importância do conhecimento teórico

Às vezes, também questiono o fato de não poder dar aulas de Português, pois sei que tenho capacidade suficiente para tal atividade, mas entendo que também tenho algumas limitações por nunca ter tido aulas de didática e disciplinas afins. Outra explicação dada pela RP foi a seguinte: com certeza, um biólogo tem mais conhecimento para escrever uma reportagem sobre animais do que um jornalista. Pode até ser verdade, minha cara! Porém, o jornalista não faz afirmações técnicas sobre nada. Para produzir uma matéria jornalística, o bom profissional reúne informações, apura notícias, se baseia em dados, entrevista especialistas, colhe depoimentos etc. Só então, o redator finaliza o texto que, mesmo sendo assinado por ele, segue a linha editorial do jornal onde ele trabalha, não reflete uma visão pessoal.

Com certeza, muitas pessoas são capazes de, na prática, se tornarem bons jornalistas. É isso que muitos acreditam, incluindo nossos ministros do STF. Para eles, apenas a rotina de uma redação ensina o que é lead e sub-lead, por exemplo. Além disso, usar a regra dos 5W1H (what, who, why, when, where, how) não é nenhum mistério, admito! Mas e a importância dos conhecimentos teóricos? Onde fica? Esses pseudo-jornalistas formados em redações podem até acumular experiência, mas dificilmente acumularão conhecimentos sobre, por exemplo, semiótica. Acham que é fácil redigir um texto jornalístico? Ok, então, proponho: estudem as teorias da comunicação, principalmente a teoria crítica, e voltem a conversar comigo sobre esse assunto. Combinado?

Pós-graduação em Letras

Se, com a obrigatoriedade de diploma para o exercício do Jornalismo, já era comum encontrar péssimos profissionais nas redações Brasil afora, imaginem daqui para a frente. Se com a exigência de registro profissional, o mercado de trabalho já estava saturado e cheio de jornalistas desempregados e/ou em outras atividades, analisem como será de agora em diante. Se nosso piso salarial já era vergonhoso, não quero nem pensar o que pode acontecer futuramente. Se nós, jornalistas, já éramos desrespeitados por inúmeras empresas que não cumprem seus deveres trabalhistas, confesso ter medo do que será da gente.

Para quem achou esse texto bom, informo: ele foi escrito por uma jornalista. Para quem observou coesão e coerência no uso das minhas palavras, relembro: elas foram redigidas por uma jornalista. Para quem não encontrou erros gramaticais nas frases acima, garanto: elas foram compostas por uma jornalista. Aliás, uma jornalista que estudou durante quatro anos e meio e que, depois, se especializou em Gramática, Revisão e Produção de Textos durante outros 18 meses. Mais: uma jornalista que, entre dezenas de formados em Letras, foi aluna de destaque em uma pós-graduação da área deles. Sim, superando aqueles que podem lecionar Língua Portuguesa por cumprirem a obrigatoriedade de Licenciatura no exercício da profissão de professor. Os mesmos que são aptos para ensinar Português às nossas crianças e adolescentes. Pensem nisso!

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Jornalista, Brasília, DF