Muito já foi dito e escrito sobre o projeto de Conselho Federal de Jornalismo, elaborado pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e desastradamente enviado ao Congresso Nacional pelo governo federal. A quase unanimidade das críticas não parece ter afetado a direção da entidade, que considerou um ‘desatino’ a retirada pelo governo do nefasto projeto.
Mas não foi só o Conselho que recebeu críticas. A Fenaj nunca apareceu tanto na mídia, e jamais tão mal. Boa parte dos colunistas e repórteres que têm acompanhado o caso procurou mostrar a vinculação dos dirigentes da Federação com o Partido dos Trabalhadores – o que, diga-se de passagem, não é crime algum. Pouca gente, no entanto, se deu ao trabalho de espiar alguns números interessantes sobre a última eleição da Fenaj. Tais números revelam uma situação picaresca: uma entidade da qual participam ativamente menos de 5 mil profissionais se arvora no direito de dizer o que é certo e o que é errado para os milhares jornalistas brasileiros – ou os 30 mil sindicalizados que a entidade diz representar.
A eleição para a direção da Fenaj, realizada no início de julho deste ano, contou com a participação de exatos 4.980 jornalistas, dos quais 3.407 sufragaram a Chapa 1, que representava a situação. A Chapa 2, de oposição, recebeu 1.364 votos. Outros 120 profissionais preferiram deixar as cédulas em branco e 89 anularam o voto. Em outras palavras, a atual direção está no comando da entidade pela vontade de praticamente 10% dos jornalistas que supostamente integram a Federação.
Em São Paulo – principal mercado de trabalho da categoria – o Sindicato dos Jornalistas Profissionais estadual informa que são 15 mil profissionais registrados, dos quais 3 mil são sindicalizados. Votaram apenas 679, dos quais 444 ajudaram a eleger a chapa vencedora. Ou seja, 4,5% do total de jornalistas registrados em São Paulo votaram e 2,9% deram suporte à nova direção da Federação. Deve ser a turma que foi ‘amplamente consultada’ na elaboração do projeto do Conselho nos últimos anos, como vêm argumentando Sérgio Murillo, Fred Ghedini e demais diretores da Fenaj. Aliás, nunca é demais lembrar que a entidade em momento algum divulgou os números da ‘base consultada’, só o de encontros realizados. Ora, podem ter sido dez ou mil reuniões para debater o texto do CFJ, mas o que importa saber é quantos jornalistas estiveram envolvidos nessas discussões – e isto não veio a público, certamente porque não interessa aos sindicalistas-burocratas: a exígua representatividade seria posta à prova.
Evidentemente, não serão os detentores do poder na Fenaj que abrirão o debate sobre a representatividade da entidade: o que eles querem é ampliar o raio de ação e o próprio poder da Federação. Mas o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, avisou na semana passada que a próxima reforma que o governo Lula colocará em debate no Congresso é a sindical. A intenção do presidente é acabar com a picaretagem dos sindicatos-fantasmas, que sobrevivem do imposto sindical, alimentando em suas sedes uma camada de parasitas que, há muito sem trabalhar, vive da falsa tarefa de representar os trabalhadores das mais diversas categorias. E não vive mal, naturalmente.
O projeto do governo ainda não foi apresentado, mas ironicamente poderá ser o estopim de uma discussão também entre os jornalistas sobre os seus sindicatos e a sua Federação. Não seria, por exemplo, o momento de dividir a categoria e colocar de um lado os jornalistas e de outro os assessores de imprensa? E o que dizer da organização da categoria por empresas (e não por unidade geográfica), que pode advir do fim da unicidade sindical? São questões interessantes e que poderão ter um reflexo significativo na própria discussão, no Congresso, do CFJ.
Eleição e impugnação
Voltando à eleição de julho, a verdade é que as regras do estatuto da Federação Nacional dos Jornalistas são claras e as eleições parecem ter sido limpas, pois a oposição não contestou o resultado final – embora tenha havido denúncias de fraude em alguns colégios eleitorais, notadamente o do Rio de Janeiro.
Antes do pleito, porém, houve uma situação que beirou o surrealismo, com a impugnação do presidente da chapa de oposição, José Arbex Jr., que não estava em dia com as suas contribuições sindicais. Arbex reconheceu a pendência, mas saldou a dívida para poder concorrer. Os burocratas de plantão não aceitaram a atitude de Arbex e, baseados no estatuto, impugnaram seu nome, que foi substituído pelo do jornalista Beto Almeida.
Noves fora a demonstração de pouca afeição à democracia e ao contraditório que a comissão eleitoral da entidade ofereceu ao impugnar o postulante da oposição, o episódio serve para mostrar que se o tal Conselho proposto pela Fenaj vier a ser aprovado – e felizmente tudo indica que não será –, os jornalistas brasileiros deverão se preparar para enfrentar um stress a mais na carreira: submeter-se aos caprichos de burocratas que farão de tudo e mais um pouco para aplicar com todo o rigor os itens mais comezinhos do tal Conselho. Melhor torcer para o Congresso Nacional não brincar em serviço.