Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Massacre em LA: 1 morto

Acho que em matéria de histeria coletiva a última que tive ocasião de presenciar, de longe e temeroso, foi a morte de Diana, princesa de Gales.

Felizmente, passou o pior e o país, ou grande parte dele, voltou à sua habitual pachorra, com os meios de comunicação prestando contas da falta de prestação de contas e absurdos de malversação de verbas dos senhores parlamentares britânicos. Diana? Who she? Muitos perguntam.

Leio, tanto na net quanto num jornal ‘em carne e osso’, que a imprensa escrita e televisada anda perdendo ponto adoidada para a informatização.

Adoidada é a palavra-chave. Na quinta-feira (25/6), aqui, começou a cobertura da morte de Michael Jackson. Eu disse ‘cobertura’? Pois disse-o mal.

A morte de Michael Jackson foi o maior massacre mediático dos últimos vinte séculos. Pelo menos do meu posto de urubuservação.

A única comparação possível ao desmando é se Jesus Cristo ressuscitasse, morresse e, no mesmo dia, ressuscitasse de novo, desta vez negro. Possivelmente, Nosso Senhor não teria preenchido tanto espaço nos jornais e na televisão.

Besteiras inevitáveis

Na sexta-feira (26), aquele que para mim é o melhor telejornal britânico, o Channel Four News, dedicou toda sua edição ao (devem ter dito) ‘infausto acontecimento’.

O noticiário esse vai para o ar todos os dias no mais nobre dos horários, de 7 às 8 da noite. A correspondente deles em Washington, Sarah Smith, deixou Obama e Michelle de lado, e se mandou, ou melhor, foi mandada para Los Angeles afim de ficar na frente de uma multidão dizendo sandices.

E tome depoimento, uma das mais baixas formas de jornalismo para gente sem assunto.

Qualquer pessoa que tenha ido a um concerto do homem, qualquer um que se diga crítico musical, outro que se diz músico e com disco gravado. Vale tudo e todos e nada, rigorosamente nada, de original – ou qualquer coisa que jogasse uma luz sobre a importância do falecido – foi dito.

Nos outros canais, e como há, canais, jornalistas desocupados, com ou sem diploma, enfileiraram besteira, lugar-comum e irrelevâncias. Cumpriram seu salário.

Aqui em Londres, sete jornais, ou mais, compareceram às bancas no sábado com suplementos especiais sobre o entertainer desaparecido.

Até o meu The Guardian, que está na bica de deixar de ser meu jornal, lançou uma edição especial de 8 páginas, coalhada de fotos e artiguetes de seus colaboradores supostamente sérios, dizendo as inevitáveis besteiras, umas sentimentalóides outras apenas debilóides.

Claro que não haveria o que aprofundar no homem. O homem não tinha profundo. Era isso: um entertainer. O que não tem nada demais. Tudo bem. Vivam os entertainers!

‘Mil flechas’

Só que ele, esse que bateu com as dez, insistia em fazer o difícil parecer ainda mais difícil do que é, ao contrário do que Nijinsky, Nureyev, Fred Astaire e Gene Kelly sabiam demais de bem: o negócio é fazer o difícil parecer fácil.

E tomem diagramas em quatro colunas mostrando, passo-a-passo, o moonwalk e outras modalidades dançantes do cantor e bailarino.

Por masoquismo, li as colunas dos articulistas normalmente preocupados com o Irã, Iraque, Afeganistão e pilantragens parlamentares. Prestaram-se, serenamente, a participar dos folguedos fúnebres.

Só rasguei e joguei fora quando catei lá uma frase antológica, dessas para botar para sair na horizontal todas as outras frases sobre o febril acontecimento californiano.

Dizia lá o colunista que eu presumia sério: ‘Ele morreu com mil flechas cravadas no peito.’

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Colunista da BBC Brasil