Os ufanistas e saltimbancos de primeira hora que me perdoem, mas no pé em que estão as coisas no futebol brasileiro, nada mais ilusório que a empolgação esbanjada por conta da conquista da tal Copa das Confederações que, além de tudo, tem fama de azarada – quem ganha costuma fazer papelão na copa que vale, no ano seguinte. O fato é que o tempo passa e os dinossauros da crônica esportiva continuam usando e abusando de uma grandiloqüência que, diante da penúria do cenário doméstico – sabem aquele dito popular, calça de veludo ou a buzanfa de fora –, pois é, tudo a ver.
Sejamos francos, quanto mais os Galvãonossauro e cia. enfeitam o pavão, quanto mais o marketing ostensivo transparece, menos afinidade e empatia se estabelece com uma entidade que é a personificação cabal deste contraste. Sim, pois, idolatrias à parte, é inegável que o culto à seleção já não tem o mesmo apelo de antigamente, talvez por ser mais difícil se identificar com jogadores que mudam de camisa e de país a toque de caixa e cuja dabandada cada vez mais prematura – e aí é que a porca torce o rabo – vai deixando um vácuo cada vez mais complicado de preencher.
Ainda se esse êxodo desenfreado resolvesse alguma coisa, mas não. Feridos de morte pela famigerada lei Pelé, à mercê de uma legislação capenga e extorsiva, o que se vê são os clubes reduzidos ao papel de meras incubadeiras, tendo que assumir todos os riscos e se contentar com as migalhas do farto banquete em que empresários e oportunistas de todos os coturnos se refestelam. Situação que se arrasta com a cumplicidade de uma imprensa esportiva não menos promíscua e preocupada tão somente com o próprio umbigo.
A indigência do futebol doméstico
É de pasmar a naturalidade com que espertalhões embolsam milhões da noite para o dia, nas costas e às custas da debilidade dos clubes, como ainda agora na passagem-relâmpago de Keirrison pelo Palmeiras, que serviu de simples ponte para o repasse do jogador ao Barcelona por algo em torno de R$ 30 milhões, seis vezes o valor pago há poucos meses pela Trafic ao Coritiba. Aliás, o que leva os clubes a abrir mão de verdadeiros bilhetes premiados por valores irrisórios, como o Cruzeiro acaba de fazer ao negociar Ramires com o Benfica por um valor bem abaixo do mercado, é outra questão no mínimo intrigante que passa batida pelas lentes complacentes da imprensa.
Recapitulando, vá lá que a animação com o desempenho da seleção no ensaio para a Copa extrapole um pouco as medidas, já que a equipe de fato foi bem, e melhor ainda, finalmente mostrou que já dá para confiar no trabalho de Dunga. Também não seria justo discriminá-la em função de problemas de outra alçada, como o funambulesco proselitismo religioso exibido pelos brasileiros ao longo da competição, duramente criticado pela imprensa européia.
Apesar do enunciado inicial sugerir o contrário, longe de mim dar uma de estraga-prazeres, mesmo porque a grande maioria não está nem aí para essa dicotomia, nas águas da idolatria e doutrinação aos quais o futebol, como fenômeno de massa, também está submisso. O que me incomoda é o desajuste, o descompasso entre a habitual exaltação à seleção e a indigência do futebol doméstico, com o qual lidamos amiúde e nos afeta mais diretamente.
Clichês e futricagem barata
Que a opulência e a excelência de nosso futebol sejam exclusividade da seleção e dos centros mais ricos são fatos aparentemente inexoráveis e com os quais já aprendemos a lidar e de certa forma curtir, graças, sobretudo, a uma capacidade de reposição de valores que tem sido a salvação da lavoura. Mas nada que justifique o tom triunfalista, os superlativos que servem de biombo para escamotear a realidade de estádios cada vez mais vazios, de clubes cada vez mais desfigurados pela perda de representatividade e da própria dignidade, em função de uma busca desesperada por recursos que alimenta a dependência dos empresários. Um círculo vicioso sem fim, que só mesmo mudanças estruturais podem combater, tarefa da qual a imprensa, como já disse, parece ter abdicado, em nome de interesses comerciais que, a bem dizer, obrigam todo mundo a dançar conforme a música da Globo, que como se sabe é quem de fato dá as cartas em nosso futebol.
Percepção de que é preciso mudar a imprensa tem, como atestam matérias esporádicas a respeito, caso da entrevista das páginas amarelas da revista Veja da semana passada com o ex-jogador Leonardo, recém-promovido a técnico do Milan, em que ele manifesta seu desalento com o atraso do futebol brasileiro. Embora fazendo concessões ao presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que apesar dos pesares considera insubstituível no comando de nosso futebol, e também não dizendo nenhuma novidade ao enfatizar a necessidade de um novo modelo administrativo e funcional, Leonardo bate em outra tecla certa quando afirma que o grande entrave mesmo é a falta de vontade política para a implementação de reformas que nunca saíram do terreno das boas intenções.
E se não saíram, deve-se em muito ao desinteresse e à acomodação de uma imprensa pautada por imposições mercadológicas que reduzem seu desempenho ao festival de clichês e futricagem barata que impera nas programações e páginas esportivas. Há gosto para tudo, é claro, mas cá para nós: entre os dinos da Globo e o baixo nível da concorrência, fala sério, ninguém merece.
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Jornalista, Santos, SP