Este ano a imprensa brasileira fez 200 anos. A história da imprensa brasileira coincide com a própria História do Brasil. Boa parte da história desta nação foi feita e erigida sobre as vigas resistentes de uma imprensa destemida, que em geral soube responder à altura dos anseios de uma verdadeira democracia.
É tão visceral o vínculo existente entre democracia (ou aquilo que se tem por Estado de Direito) e a imprensa livre que um praticamente não vive sem o outro, mas ao mesmo tempo – e o que assusta – é que um pode até matar o outro.
Foram 200 anos de várias e importantes conquistas, mas, no entanto, a data passou no ostracismo.
Intromissões indevidas
O jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, foi de uma felicidade única no seu artigo ‘Jornais optam pelo suicídio‘, para que, abrem-se aspas:
‘É inédito: os três jornalões chegaram no domingo (12/10) às mãos dos seus leitores com capas iguais. Iguais e falsas. Não exibiam fatos ou noticias, mas uma gigantesca promoção.’…Fecham-se aspas, narrando a competente campanha de marketing que se passou no sudeste; para mais adiante arrematar, abrindo aspas:
‘Numa avaliação ainda mais relevante constata-se que na imprensa de hoje tudo está à venda. Inclusive o seu compromisso de diferenciar os concorrentes. Nada demais, considerando que a imprensa virou indústria (…).’
Dines está coberto de razão: a imprensa nacional merece um reconhecimento maior à altura de sua capital importância pela imensidão dos serviços já prestados.
A questão é preocupante não só pelo viés da mercancia, ou da malversação ou mesmo do patrulhamento ideológico que potencialmente encerra, mas porque às vezes toca à vida das pessoas, como o caso da menina Eloá, de Santo André. E o que a todo momento perturba: em que medida, ou passando da medida, a cobertura dada pela mídia não contribuiu para o triste fim? Temos nossas reservas por indevidas intromissões na atividade do Estado em combater o crime, enfim, mas de que adianta?
Normas procedimentais simplificadas
Em outubro passado tivemos a oportunidade de apresentar o Projeto de Lei que está tramitando na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e que revoga a lei federal 5.250/67, a Lei de Imprensa.
Basicamente, a essência do projeto é a seguinte:
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não há restrição ao trânsito de informações, com resguardo do sigilo de fonte e afastada toda e qualquer forma de censura prévia no âmbito administrativo;**
quem responde pelo dano causado pela malversação do direito é o meio de comunicação, e não o jornalista individualmente considerado em regime de responsabilidade civil presumida, assegurado o direito de regresso autônomo. Essa regra é excetuada quando o autor da ofensa não for jornalista, mas sim terceiros, no caso, por exemplo, dos programas ao vivo;**
a criação de multiplicadores para o caso de se provar, em regular instrução processual, o dolo ou a ma fé na veiculação da matéria;**
equipara a abuso do direito de informar a divulgação de prova de obtida com autorização da Justiça, mas em segredo de justiça, sujeitando-se ao multiplicador, a critério do juiz, de até 10 vezes o valor originário da condenação; esse multiplicador passa para 50 vezes, em caso de prova obtida por meio clandestino, ilícito, entenda-se, que não por intermédio de decisão fundamentada de um juiz de direito competente;**
descriminaliza-se, para os jornalistas, as condutas penais de injuria e difamação, em função do interesse publico da matéria, verificado por juiz de direito. No caso de calúnia ou dos crimes de injúria e difamação ausente o interesse público da matéria, em hipótese alguma, haverá pena de prisão para o agente, mas sim prestação de serviços e multa;**
simplifica-se as normas procedimentais, trazendo para os juizados especiais, cíveis e criminais, o processamento do direito de resposta, que ganha prioridade de tramitação no juízo cível, ou mesmo nos crimes de calúnia (ou injúria e difamação onde não houver a predominância do interesse público verificado pelo juiz da causa).O direito de falar o que se pensa
O projeto prefere, como visto, dispor não propriamente de uma lei da ‘liberdade de imprensa’, tampouco da ‘liberdade de expressão’ – que, redundâncias à parte, são, ou deveriam ser, livres por natureza –, mas, sim, uma lei que tenta regular o abuso no direito de informar.
A informação e seu livre trânsito são garantias que, a todo custo, anseia-se preservar como forma mais eficaz possível de controlar o Poder Público em público (Bobbio); e por mais que se pretenda absoluto, como tudo na vida, não o é.
Que liberdade é essa que nos invade, com fotos grotescas de tragédias pessoais e coletivas que não queremos ver? Abomináveis terroristas, quem sabe, adorariam saber onde está o botão que acaba com o mundo; alguém se arrisca?
Se é livre a expressão, como no pensamento e opinião como regra, qualquer regulamento deve partir do cuidado máximo de, na tentativa em normatizar, evitar arreios à garantia do trânsito, sem obstáculos, dessas idéias, especialmente quando toca à coisa pública. Sabemos todos o que passamos para chegar até esse estado de coisas que, longe de ser o perfeito, ao menos se garante, em tese, o direito de falar o que se pensa. Pelo menos em tese.
Forma de controle
Recentemente, um dos grandes jornais deste país se viu na contingência de ter de responder algumas dezenas de ações promovidas e fragmentadas por todo o país afora, por conta da competente reportagem da jornalista Elvira Lobato a respeito da exploração comercial da fé.
De outro lado, ao longo desse caminho de conquistas por vezes ficaram à margem desse progresso as vítimas a quem fora negado socorro. São vários os deploráveis exemplos que envergonhariam o ex-repórter do New York Times, Jayson Blair, flagrado na marotagem e demitido depois de se descobriu que inventava descaradamente suas reportagens, sabe-se lá com quais propósitos – não se descartando o mercado editorial – com a mesma criatividade com que escolhia a cor de suas gravatas.
Em tempos de globalização, onde o fluxo de informações é muito rápido e ao mesmo tempo abrangente, é preciso repensar um modelo que, nos parece, avançará se for retirada a responsabilidade do jornalista, transferindo-a ao controle do próprio órgão que as veiculará.
Nos parece a forma mais viável de controle, ante tamanha perplexidade, já que tal controle se dá, por assim dizer, interna corporis, uma vez que quem decide o que será veiculado é o próprio órgão responsável por tanto.
Responsabilidade e credibilidade
O jornalista registrado, não respondendo civil e criminalmente, terá, enfim, a plena liberdade para o exercício de seu mister e, por isso, terá a responsabilidade de corroborar a informação que será veiculada, com a tomada de medidas elementares para apurar qualquer espécie de denúncia, por exemplo, procurando ouvir o outro lado – já que nessa hipótese quem responde pelo dano é a empresa na qual o profissional esteja veiculado, ou simplesmente o meio de comunicação que o divulga.
Sopesando os prós e os contras, e os eternos dilemas daí decorrentes, ainda assim, acreditamos que a imprensa brasileira, ciente de sua responsabilidade, fará jus a todos os méritos conquistados com fundamento na sua própria credibilidade.
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Senadora pelo PT do Mato Grosso