Revejo Jango, brilhante documentário de Sílvio Tendler que foi exibido na madrugada deste sábado (8/11/08) pela TV Brasil. Deveria ter ido ao ar mais cedo, em horário nobre, tamanha a sua importância.
O filme mostra os atores envolvidos no golpe de Estado cometido contra o povo brasileiro em 1964. No ato, lembrei do título do livro de René Dreifuss: 1964: a conquista do Estado. O termo escolhido pelo escritor não poderia ser mais preciso. Tanto em sua obra quanto na de Tendler, fica evidente que não houve apenas um golpe-estanque no Brasil; ele não surgiu da noite para o dia. O movimento foi preparado durante anos e contou com apoio do governo dos EUA, de corporações privadas e de veículos de comunicação de massa.
No documentário, há um depoimento muito importante de um militar, que chama a atenção para a ‘provocação’ que representou o comício de 13 de março na Central do Brasil. Ele fala que o povo trazia cartazes subversivos. Aí, lembrei de toda a preparação psicológica, de todos os cursos financiados pelos EUA para os militares brasileiros de que fala Dreifuss. Ipes e Ibad à frente. Ao longo de anos, associaram comunismo à barbárie e à desordem, até chegar ao golpe. Depois dele, a tropa de choque foi retirada da linha de frente (Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, cassados) e os homens de confiança assumiram a liderança. Brizola diz, em seu depoimento, que este foi o golpe dentro do golpe. Castelo Branco assume e imediatamente revoga a lei de remessa de lucros e garante a manutenção dos latifúndios improdutivos.
Pilhagem sem resistência
O que vemos hoje? Em meio à tal crise, que as corporações de mídia já não mais explicam por que, como e onde, o Banco Central divulga que montadoras de automóveis enviaram nada menos que US$ 4,8 bilhões às matrizes no exterior. Somando os outros setores da economia, a sangria alcança absurdos US$ 20,143 bilhões/ano. O Globo deu matéria sem nenhum destaque na página 22 da edição de quinta-feira (6/11), cuja capa lambia as botas do novo comandante pró-forma do imperialismo.
Eis aí a natureza do golpe de 1964 e da ditadura que seqüestrou, torturou e matou milhares de brasileiros. Seu maior objetivo é garantir que o país mais rico da América Latina seja mantido sob a dominação imperialista. Nenhum governo sério do mundo permite que sejam enviados para o exterior tantos recursos produzidos com o suor do seu povo. Existem leis que obrigam que esse dinheiro seja reinvestido no país – isso, sem falar na tributação às grandes empresas, que deveria ser maior. Não dá pra aceitar calado o envio de tantos bilhões para fora enquanto existe gente passando fome aqui dentro. Isso, sim, é uma ditadura, devo dizer àqueles que se prendem aos paradigmas da mídia grande.
Apesar da flagrante pilhagem, não se vê resistência. Nem quanto às indecentes remessas de lucro, nem contra a entrega do nosso petróleo, nem contra a ausência de uma auditoria na dívida pública, nem contra a absurda concentração fundiária, nem contra a falta de regulamentação do artigo 153 da Constituição – que determina a cobrança de impostos sobre grandes fortunas –, nem contra o salário mínimo de R$ 415,00 e, pior, nem contra o oligopólio dos meios de comunicação social.
Justa indignação
Pior porque é este oligopólio o maior responsável pela manutenção desse estado de coisas, que de um lado explora o cidadão brasileiro e de outro entrega nossas riquezas para empresas estrangeiras e seus testas-de-ferro. A mídia, hoje, é a instituição com maior poder de produzir e reproduzir subjetividades. Ou seja, é ela quem vai determinar formas de sentir, agir, pensar e viver de cada pessoa e, por extensão, de toda a sociedade.
O dia em que os movimentos sociais organizados se derem conta disso, a primeira ocupação será nos centros de produção e reprodução de textos e imagens encarregados de sustentar o sistema. Uma vez ocupadas as redes de rádio e TV (cujas principais representantes, a propósito, estão com as concessões vencidas), o povo será informado sobre as razões da falta de médico para o filho que sente dor, da falta de escola para quem precisa estudar, da falta de trabalho para quem quer produzir, da falta de terra para quem quer cultivar etc. Uma vez que isto aconteça, a justa indignação não mais poderá ser contida.
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Jornalista, editor do FazendoMedia