‘O risco-país brasileiro subiu mais 5,7%, para 701 pontos, na véspera da decisão do Federal Reserve (Banco Central dos EUA) sobre o rumo dos juros americanos. O dólar teve alta de 1,67% e foi a R$ 2,981, maior cotação desde setembro. Os C-Bonds, principais títulos da dívida do Brasil, caíram 1,36%.’
Esta foi a notícia que José de Freitas leu num jornal de circulação nacional numa banca de revistas lá no Conjunto Carajás. Zé Coréia, como é conhecido, mesmo sabendo da bronca que leva todos os dias, vai até banca do Quinzinho para folhear os classificados dos jornais. O dono, com certa razão, sempre reclama: ‘A gente ultimamente não vende nada e ainda tem que aturar esses filões, esse bando de desempregados, querendo ler jornal de graça.’
Coréia já está desempregado há um ano, nove meses e seis dias e não entende absolutamente nada de risco-país, de C-Bonds, do histerismo da Bolsa, de mercado que sobe e desce como se fosse uma coisa obscena.
Pai de dois filhos, Coréia não descobriu ainda que alguns jornais são feitos para uma elite ou para aqueles que só lêem notícias de futebol ou violência. A maioria deles não tem o mínimo interesse em traduzir o que o histerismo da bolsa e o comportamento do mercado têm a ver diretamente com a sua vida. Sobra-lhes os ‘classificados’ e sobre isso ele entende bem. Seus olhos saltam quando encontra a frase: ‘Precisa-se de motorista.’ Mas não dura muito a sua alegria. Logo abaixo do título, como se fosse num telegrama, ele lê: Exp. comprov. em carteira, mínimo três anos.
Tirar a carteira foi uma peleja danada. Dinheiro emprestado com um tio, com uma tia, a venda de um canário belga de estimação. O tratamento de dente do Pedrinho, uma montanha de sacrifício.
As casas do Conjunto Carajás foram vendidas pela boníssima Caixa Econômica Federal, que nem de longe se assemelha a qualquer banco internacional. Tão logo ficou desempregado, nosso amigo Coréia trocou o pagamento das prestações pelo leite das crianças. Dinheiro arrecadado no disputadíssimo mercado de latinhas de cervejas, que hoje é uma espécie de ouro reciclado para os milhões de desempregados brasileiros.
A TV preto e branco, que vive dando problema, é um luxo. Presente de um tio que conseguiu comprar uma colorida. A mulher não abre mão da novela, que ele detesta e acaba assistindo por imposição. Pois é justamente no horário da novela, horário nobre, que seu sangue ferve. Lá está um garoto ou uma garota-propaganda do PT comparando o governo de FHC com o do Lula. Ele, que até hoje não viu por onde andam as bolsas-escola, o Programa Fome Zero e outros grandes avanços do atual governo, resolveu colocar frente ao muro da sua casa, que será tomada pela Caixa Econômica, um cartaz com os seguintes dizeres: ‘Quero trabalhar. estou desempregado. E isto é um fato.’
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Jornalista