Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Leitores percebem a crise do jornalismo

Um dos palestrantes do seminário ‘Imprensa e Sociedade Civil: um diálogo necessário’, o jornalista Marcelo Beraba falou para os líderes sociais sobre a situação atual da mídia no Brasil. Presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Beraba mostra-se comprometido com as questões da qualidade do jornalismo e do papel da imprensa na sociedade. No cargo de ombudsman da Folha de S. Paulo desde abril deste ano, ele conta em entrevista a este Observatório que a proximidade com os leitores do jornal aumentou sua percepção sobre a crise enfrentada hoje pela profissão.

Qual a importância deste seminário?

Marcelo Beraba: É uma oportunidade que nós temos de tirar a discussão sobre a crise da imprensa do âmbito dos jornalistas e trazê-la para uma parte da sociedade, formada pelos representantes das organizações não governamentais. Estas entidades estão preocupadas de alguma maneira em mexer nesta questão de desnível e também em algum tipo de monitoramento da imprensa, e portanto têm uma reflexão sobre os meios de comunicação. Acho que o grande valor do seminário é esta troca.

Como você definiria a atual crise enfrentada pelo jornalismo?

M.B.: Eu avalio que você tem várias crises sobrepostas hoje: uma crise das empresas jornalísticas, uma crise de identidade dos próprios jornalistas, uma crise nas redações e uma grande crise do papel da imprensa. Há uma discussão grande que – independentemente do debate sobre o Conselho Federal de Jornalismo – nós vamos ter que enfrentar. Há um questionamento forte em relação ao papel do jornalismo hoje. Então eu acho que este fórum permite que tenhamos uma parte desta discussão.

Como é possível contornar estas crises?

M.B.: Eu sou a favor de a gente tentar formas de auto-regulamentação. Um caminho saudável para chegarmos lá é a ampliação do monitoramento da imprensa. É importante termos entidades que tenham esse tipo de preocupação e façam um trabalho sério de levantamento, observação, diálogo e troca de conceitos. O Observatório é um monitoramento profissional, feito por jornalistas, mas há outras entidades que também tem um grande papel, como a Transparência Brasil e a ANDI, que estão direcionadas a assuntos específicos. Isso não significa que os jornais terão que adotar o ponto de vista deles, ou concordar com eles. Significa que existe um ponto de vista diferente que deve ser levado em consideração. E, quando a imprensa percebe que é algo sério, ela fica mais aberta a isso.

Há alguns meses, você assumiu o cargo de ombudsman da Folha e passou a ter contato direto com os leitores. Eles percebem estas crises? Reivindicam soluções?

M.B.: Há uma pressão que eu considero positiva em relação a três pontos que eu venho chamando atenção através da minha percepção como ombudsman, que é a pressão do público por qualidade de informação, independentemente se sou a favor do PT ou do PSDB, se sou do Nordeste ou do Sul, se sou negro ou branco. Independente disso tudo, o público quer qualidade de informação, equilíbrio e pluralidade. A sociedade quer encontrar pluralidade de temas, de enfoque, de opinião, de análise; e quer pelo menos perceber que há a tentativa, a intenção, de se buscar equilíbrio. O equilíbrio total, a imparcialidade total ou a objetividade total é coisa inalcançável. Mas o público quer que o jornalismo seja pelo menos honesto. Estes são três pontos em que eu sinto uma pressão muito forte e desorganizada da sociedade.

Na sua opinião, o cargo de ombudsman é uma forma de ajuda no monitoramento da imprensa?

M.B.: Deveria ser, de alguma maneira. Mas é um cargo que não tem poder executivo. Então, minha função é observar, ler o jornal todo dia e fazer uma crítica diária do jornal. Eu ouço os leitores e canalizo de alguma maneira as reclamações para a redação, sempre dou resposta a todos que entram em contato comigo e faço uma crítica dominical sobre a imprensa. Em função disso tudo, eu faço uma reflexão, mas não tenho o poder de mudança. O que sinto é que em parte das questões que eu levanto – e que já foram levantadas por outros ombudsmen – o jornal corrige o rumo. Nem tudo o que eu acho o jornal concorda, mas eu tenho toda a liberdade para escrever.