Nas últimas semanas, refletir sobre qual televisão teríamos se fosse levada em conta apenas a vontade do telespectador – a partir do interesse evidente pela estratégia usado na cobertura do seqüestro de Santo André por algumas emissoras – leva a uma temerosa conclusão: a programação que está no ar, atualmente, está longe de ser capaz de mobilizar o telespectador que, incitado pelas próprias emissoras, gostou do gosto do sangue, da violência, do mau-gosto.
A desastrosa cobertura de alguns veículos de televisão – que fez muitos acreditarem na possibilidade de um outro desfecho para o seqüestro, caso a integridade das negociações entre polícia e seqüestrador tivesse sido respeitada – foi amplamente debatida neste Observatório e por veículos de imprensa comprometidos com a disseminação sóbria da informação. Entretanto, os debates não saíram dos sites especializados, não foram temas das rodas de conversas e nem causaram constrangimento e/ou punição aos seus atores – apresentadores e emissoras que, cegos pela possibilidade de aumentar sua audiência, ainda que momentaneamente, perderam do pudor a razão.
Um sopro de sensatez
Mas o que fazer ao se dar conta que o interesse por este tipo de cobertura é maior do que as previsões mais pessimistas sobre o comportamento do telespectador? Interesse que contribui para barbaridades como as aconteceram durante a cobertura do seqüestro? As emissoras já começam a ficar reféns da preguiça criativa em que mergulharam na última década. Contudo, é penoso pensar que nada farão; pelo menos não há indícios neste sentido, para reverter à situação. Nem mesmo as constantes quedas de audiência, reflexo desse novo perfil de telespectador, são capazes de alertar aqueles que produzem televisão que algo deve ser feito. Para o bem ou para o mal… Se a intenção for a reconquista do telespectador.
Facilmente nos esquecemos que existem mecanismos de regulação – oficiais ou não para coibir determinados comportamentos. E que, em alguns casos, já se mostraram bastante eficientes, ainda que sua eficácia não tenha cunho definitivo e que sempre reste a sensação de impotência. Mesmo assim, protestar, quando o assunto é o abuso cometido por parte das emissoras, ainda não colou. E, infelizmente, a quantidade de gente que se incomoda é muito menor do que as que dão audiência, consentindo, assim, com as emissoras.
Houve um momento em que era mais fácil: culpavam-se as emissoras e ponto! Mas agora elas mesmas começam a se tornar reféns de seu próprio artífice. E algumas têm de explicitar sua vocação para o grotesco para satisfazer um público que se identifica cada vez mais com esta forma de informar. Enquanto um momento melhor – ou pior – não chega, só nos resta torcer por um sopro de sensatez por parte das emissoras. Por mais que isto, num primeiro momento, signifique audiência menor, o que já seria válido se o caminho escolhido se afinasse com algo melhor do que está no ar atualmente.
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Crítica de televisão, Brasília, DF